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Vós outros, soldados, soccorro e repairo
Que Arzilla perdendo máo soldo ganhastes,
Dizei-me se vistes por terras que andastes
D'algua outra terra tão séstro fadairo?
Se algum antre vós, cruel ou cossairo,
Se esteve sem dor a vêr tal perdimento,
Em tudo veria signaes de lamento,
Em tudo má sombra e triste doairo.

As môças de Arzila se foram chorosas,
Deixaram desertas as suas janellas,
Aonde os mancebos as viam a ellas
Em dias alegres, louçãs e formosas:

Alcacer-Ceguer, rasão é que chores
Com estes logares comtigo fadados
A seres em breve a Mouros tornados,
Como cabanas de vagos pastores!
Aqui não vos canto os vossos louvores,
Que musica em nôjo seria importuna;
Fez seu officio comvosco a fortuna,

E fez outras vezes com Reys e senhores.

O auctor anonymo d'estas vinte e quatro Outavas vivia em Tanger, e receiava que chegasse a vez de ser tambem abandonada:

Cidade de Tangere, filha de Anteo,
Mais nobre, antiga das que Africa tinha,
Por vêres pelada a barba visinha
A tua de môlho terás com receio.
Nunca tu venhas a ter rey alheo,
Nem vás na ruina dos outros logares
Nem influencia esquerda de mares
Assi te persigua per curso tão feo.

A este poemeto seguem-se mais vinte estrophes a D. Duarte de Menezes, por mandar

deitar fóra de Tanger o auctor do lamento Sobre o despojo de Arzila. 1

Em 1542, quando já a Inquisição funccionava sanguinosamente em Portugal, e os Jesuitas começavam a sua deleteria direcção espiritual na côrte, consignou Camões esta tremenda crise nacional, referindo-a em um Soneto ao Duque D. Theodosio:

Ao novo Portugal, que agora vêmos
Tão differente do seu sêr primeiro.
(Sonet. XXI.)

Poucos annos eram decorridos, e essa degradação tornara-se mais temerosa, como o comêço de um desmoronamento, de inevitavel ruina. Os annos da guarnição de Ceuta fizeram-o vêr de perto como se dissolvia o glorioso Imperio africano, reduzido já ao despojo mesquinho de Ceuta, Tanger e Tetuão! O sentimento de glorificação enthuziastica que inspirava Camões para elaborar o Canto heroico, misturava-se com um presentimento de ruina, que agora imprimia a anciedade do protesto, a furia grande do Pregão eterno, que libertasse o ninho seu paterno da lei da morte. A desolação da Africa portugueza deu á sua Lyra mais afamada que ditosa, este timbre, que nos eternisa na historia. India e Brasil, como observou Sá de Miranda, eram a vertigem da attracção pelo espirito de ganancia, que maculava até os fortes caracteres ; Camões resolveu partir para a India, para retemperar o seu ideal na tradição viva do

1 Obras ineditas. Ed. Caminha, t. 1, 194 a 212.

heroismo portuguez. Em nada o preoccupavam as riquezas: «não lhe duravam os bens temporaes mais que em quanto elle não via occasião de os despender a seu belprazer.> Foi este traço do seu caracter que os contemporaneos transmittiram a Mariz, seu primeiro biographo; esse traço explica os annos tormentosos no Oriente.

c) Regresso de Camões a Lisboa, até á partida para a India
(1550-1553)

Aproveitando a vinda de D. Affonso de Noronha, chamado a Lisboa para ir desempenhar o triennio de Vice-Rei na India, Camões regressou na matalotagem, decidido a acompanhal-o na Armada que tinha de partir por Abril ou Maio de 1550. Seduzia-o um mais vasto campo de acção; é natural, mesmo, que pelas qualidades de bravura que mostrou nos recontros em Africa, e sobretudo pela lucidez do seu espirito, Dom Affonso de Noronha, que bem conhecia a intimidade de Camões com seu sobrinho D. Antão de Noronha, lhe afagasse a ideia de alistar-se na Armada que ia partir para a India.

O regresso de Ceuta em fins de Novembro, attentos os dez dias de viagem ordinaria, leva a fixar a chegada a Lisboa em comêços de Dezembro de 1549. Seus paes moravam então á Mouraria, esse antigo arrabalde de Lisboa concedido, depois da tomada da cidade em 1147, aos Mouros, o qual desde o tempo do rei D. Manoel se tornara um populoso bairro, rompendo a antiga muralha,

em que ainda subsiste a primitiva porta (o Arco do Marquez de Alegrete).

Sómente em 1 de Maio de 1550 é que a Armada partiu, commandada por Fernão Lopes de Albergaria; era composta da Náo San Pedro, (vulgarmente denominada dos Burgalezes) da Frol de la Mar, Santa Cruz, Trindade e a caravella S. João. 1 Figueiredo Falcão fixa a partida em 28 de Março. E' certo que fez Camões o seu alistamento; a demora de Março até Maio deu occasião ao poeta para reflectir e deixar-se possuir de novas esperanças na carreira litteraria, ficando em Lisboa. O seu alistamento consta do apontamento que em 1643 foi conhecido por Manoel de Faria e Souza, em fórma de extracto ou Registro resumido dos Livros da Casa da India, em que se transcreveu esta inscripção referente a 1550:

< Luiz de Camões, filho de Simão Vaz e Anna de Sá, moradores em Lisboa, á Mouraria, Escudeiro, de vinte e cinco annos, barbiruivo; trouxe por fiador a seu pae; vae na Náo San Pedro dos Burgalezes.»

A este texto abreviado do termo official, accrescenta Faria e Sousa: Esta Nave era la en que iba el Vi-Rey que entonces passava a la India; e su nombre Don Alonso de Noroña. Estos assientos se hazian en titulos differentes, conforme el puesto en que cada persona iba a servir. Y el Poeta estava as

Figueiredo Falcão, Indice de toda a Fazenda, p. 163; Couto aponta em logar da Trindade e Santa Cruz, a Biscainha e Sant'Anna.

sentado en el titulo de los Hombres de Armas. E termina o acerrimo commentador: << Aunque el Poeta se huviesse alistado el ano de 1550, no se embarcó; etc.»

Lembrou-se o Dr. Storck de affirmar e sustentar com argumentos dialecticos, que o Assento da Casa da India era um documento falso fabricado pela má fé de Faria e Sousa:

E' verdade que a obra de fancaria, publicada em 1685, gosou a fama e disfructou as honras de um authentico documento official, durante dois seculos e tanto, illudindo toda a gente,... (Vida e Obr., p. 127.) «E visto que, desde a memoravel data em que Faria e Sousa descobriu os seus assentamentos, todos os biographos do Poeta coordenam a sua vida sobre a base dos taes documentos pseudoauthenticos, e em conformidade com elles > vae Storck, quanto ás passagens que dizem respeito á edade de Camões, analysal-as uma por uma, distinguindo bem entre os dizeres do pretendido documento official e os ingredientes addicionados pelo glossador apaixonado e preoccupado.» Começa o exame, tendo esclarecido, que em 1643 Faria e Sousa estava em Madrid; e transcreve a passagem explicativa com que o commentador dá conta da sua descoberta:

« Pero el año 1643 vino a mis manos un Registro de la Casa de la India de Lisboa, de todas las personas principales que passaron a servir en la India desde el año 1500 hasta estes nuestros años.»

Contra isto applica o Dr. Storck o seu processo logico, para mostrar que era uma falsificação de Faria e Sousa: As listas

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