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abrangiam, dil-o elle, os annos de 1500 a 1643-um periodo de cento e quarenta e tres annos.- Saíam annualmente de Lisboa para a India uns sete navios, termo médio. A cada não e á sua companha de 400 a 500 homens, entre marinheiros e soldados, competia um livro ou registro especial: o assentamento de todos elles, com os seus nomes inteiros e mais pertences, exigia, sem duvida alguma, muitas folhas de papel grande.- Pode-se calcular que, durante o periodo especificado, uns 450:000 lançamentos encheriam perto de mil in-folios! A fanfarronice de ter tido á mão, em Madrid, o Registro geral completo, teria sido um erro demasiadamente palmar, indigno da finura de um Faria e Sousa. Eis por que elle subtilisou a ponto de dar com o expediente do seu extracto official...

<< Restaria ainda saber como foi que Sousa arranjou em Madrid, a quinhentos kilometros de Lisboa, o tal registro simplificado? Podiam dispensalo na capital, onde sem duvida se conservava para fins administrativos? >

E enfiando uma série de perguntas desconnexas, a que não espera resposta, conclue: << Muito embora gerações successivas dessem credito ao impostor, durante dois seculos, as rasões extrinsecas já adduzidas seriam sufficientes, segundo me parece, para eu pôr de parte, em nome da critica camoniana, os contos da carochinha narrados por Faria e Sousa.» (Ib., p. 133.)

O Dr. Storck começou por não comprehender o sentido das palavras de Faria_e Sousa, confundindo um Registro com o Registro authentico da Casa da India, que con

stava de centenares de volumes; e un Registro significava uma Lista resumida contendo apenas a indicação «de las personas mas principales que passaron a servir en la India » ; vê-se consequentemente que quem compilou esse Registro extra-officialmente se limitou a transcrever sómente os nomes de pessoas a que ligava interesse historico ou genealogico. Se o Dr. Storck tivesse entendido o facto, não faria a pergunta: «Que significa, em especial, um Registro da Casa da India das pessoas mais principaes? Linschoten não conhece tal registro reservado exclusivamente para as pessoas mais illustradas. Em primeiro logar seria extremamente singular que officialmente se elaborasse um registo de tal feitio, tão pouco pratico e prestadio; e em segundo logar, que bitola estabelecer para a illustração das pessoas? Os ascendentes? os titulos? ou antes o pôsto que cada um occupava no serviço militar e naval? N'uma palavra, parece-me impossivel dar com as rasões que poderiam ter levado á elaboração, além da matricula geral, de um rol authentico, peculiar e especial da fidalguia, continuado n'este sentido durante mais de cento e quarenta annos, apesar de não ter prol nem proveito para ninguem!

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« O registro, que se diz ido ás mãos de Faria e Sousa, nunca existiu, portanto. Deve ser uma obra de phantasia. ou em bom portuguez uma falsificação. (Ib., 131.)

O Dr. Storck é que levantou este moinho de vento, fazendo de uma Lista de apontamentos das principaes pessoas que foram servir á India, de curiosidade particular, um Re

gisto authentico, official, absurdo como resumo e inepto como especial da fidalguia, concluindo triumphantemente que era uma invenção de Faria e Sousa.

Podé se hoje vêr esse livro, a que allude Faria e Sousa; é o Manuscripto N.o 123 da Collecção pombalina, que tem o titulo: Memoria das Pessoas que passaram á India nos annos de 1504 a 1628... que tirámos dos Livros da Casa da India, etc.

Ahi vem a indicação das Armadas nos annos successivos, com alguns nomes de individuos, a que se ligou mais interesse; e quando se chega ao anno de 1550, faltam as folhas que alcançam os annos em que se deveria encontrar apontada a Armada em que seguiu Camões para a India. Vê-se que uma feroz curiosidade levou a esse vandalismo desgraçado. Mas nem por isso o Livro deixa de ser uma Lista, Memoria ou Registo das principaes pessoas, que passaram á India. O mesmo vandalismo se deu com os Manuscriptos genealogicos de Manoel Severim de Faria extrahidos da Torre do Tombo, quando ella estava no Castello de S. Jorge, ficando em branco as paginas relativas á familia de Camões. (Jur., Obr., I, p. XI.) O logar truncado do Ms. 123 denuncía o interesse exclusivo do apontamento. D'esta Memoria nos servimos já com vantagem para a resolução do problema de Christovam Falcão se na realidade embarcara para a India. O Dr. Storck teve a infelicidade de ser levado ao

1 Bernardim Ribeiro e o Bucolismo, p. 335. Porto, 1897.

seu negativismo fiando-se na deploravel biographia do Album Camoniano.

Porque não embarcaria Camões para a India em 1550? Segundo uma tradição vaga, consignada por Severim de Faria, alentaram-o grandes esperanças litterarias: « parece que esta arte (a Poesia) o trouxe outra vez a Lisboa, onde continuou algum tempo...» E completando a noticia tradicional, escreve Se

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1 Contra os factos indicados por Faria e Sousa oppõe o Dr. Storck uma das suas hypotheses gratuitas: que Simão Vaz já não era entre os vivos no anno de 1550; concluindo, que não podia ser Camões tratado de escudeiro, competindo-lhe de direito o titulo de cavalleiro-fidalgo; e tambem que Anna de Sá não era a mãe carnal do poeta; e, segundo todas as probabilidades, ainda não residia n'aquelles tempos no bairro da Mouraria de Lisboa.» (Ib., p. 133) Para se conhecer que não é falso o apontamento de Faria e Sousa basta notar, que elle traz o nome de Simão Vaz, tal como se acha no alvará de 1529, que o naturalisa cidadão de Lisboa, e na carta de perdão a Camões, em 1553; nem Faria se afastaria dos linhagistas que davam á mãe de Camões o nome de Anna de Macedo, apparecendo sómente nos documentos officiaes e authenticos o nome de Anna de Sá, como no da tença de 1585. Para tomar este apontamento de Faria como falso é preciso acreditar nas seguintes hypotheses infundadas do Dr. Storck: Que nascera Camões em Coimbra, e que até 1550 ahi vivera sua madrasta Anna de Sá; que fôra sua mãe uma Anna de Macedo, já falecida; e que seu pae Simão Vaz já não era vivo em 1550, sendo impossivel que- «o defuncto de ha muito affiançasse a pessoa de Luis Vaz.>

D. Carolina Michaëlis, escreve na sua edição dos Lusiadas (Bibliotheca romanica, N.o 10): Postoque Faria e Sousa seja em geral guia pouco seguro, os seus dizeres ácerca de um alistamento anterior (em 1550) rescindido por motivos ignorados, talvez não sejam invenção pura.»

verim: «Tornando ao Reino, ou por causa dos amores da Côrte, ou por vêr que as flores da sua poesia the não davam fructo, como costumam, determinou de se passar á India.» De 1550 a 1553 é o periodo das carinhosas esperanças; durante tres annos que esteve na côrte, apesar de todas as invejas e intrigas, deixou-se embalar por ellas, até que descorsoado ou vencido, como diz na Carta I da India: «mandei enforcar a quantas esperanças dera de comer até então com pregão publico: por falsificadoras de moeda. E desenganei esses pensamentos que por casa trazia, por que em mim não ficasse pedra sobre pedra.»

A confissão do poeta concorda com a tradição apontada pelo seu segundo biographo. Hoje podemos precisar historicamente a situação. Em 1550 o princepe D. João, acompanhara seu pae D. João III em visita á Universidade de Coimbra, com grande interesse mental, revelando um fervoroso gosto pela poesia e litteratura; quer pela influencia domestica de seus tios os Infantes D. Luiz, D. Duarte, e D. Maria, que versificavam, ou pela boa cultura dada por seu mestre o Dr. Antonio Pinheiro, chamado directamente de Paris para encarreger-se da sua educação, é certo que o princepe D. João empregou o prestigio da sua alta cathegoria para que os Poetas portuguezes lhe enviassem as suas obras, que estavam na quasi totalidade manuscriptas e ineditas. O poeta mais admirado e venerado d'essa época, o Dr. Francisco de Sá de Miranda, que havia abandonado a côrte, o favor de D. João III, e se refugiara

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