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que antes o tinha sido de Tanger na Africa, e que talvez tivesse alli conhecido o Poeta, aproveitasse a sua recente nomeação, para impetrar por esta occasião como graça especial do soberano, a soltura do poeta.» (Ib., 52.) Contra esta generosa hypothese a favor de D. Gonçalo Pinheiro, oppõe D. Carolina Michaëlis: «Pena é, sómente, que o Soneto não contenha um unico pensamento ou palavra allusiva á protecção que o prelado se dignou dispensar a Camões, nem ao goso da liberdade, alcançada ao cabo de mezes de enfadonha prisão! —Apenase nas ultimas tres linhas o desejo de cantar o Verso eterno dos Lusiadas á sombra de um Pinheiro. De reconhecimento nem uma palavra.» (Vida, p. 428, not. *) E' bem considerado.

O pinheiro, a quem foi concedido o prêço do loureiro e da palma, é o Dr. Antonio Pinheiro, laureado nas cathedras de Paris, onde regera Rhetorica e Theologia, d'onde veiu em 1545 chamado para mestre do Princepe Dom João. Foi n'essa epoca venturosa de Camões na côrte, que o Dr. Antonio Pinheiro teve occasião de admirar-lhe o genio poetico. Na sua elevação a Bispo de Miranda, como diz o Poeta, é que ficou- «Vendo os segredos lá do Céo superno.» Por ventura o Soneto foi dirigido a D. Antonio Pinheiro em 1551, quando elle fez a Pregação funebre por mandado de D. João III, no dia da trasladação dos ossos do muito alto e mui poderoso princepe El rey D. Manoel, seu pay, e a Rainha D. Maria, sua mãe, de louvada memoria. D. Antonio Pinheiro tinha uma excepcional importancia na côrte, e desde 1545 não havia

acto official apparatoso em que elle não fosse o orador; elle é que podia patrocinar Camões approximando-o do Princepe D. João, cantando á sua sombra Verso eterno. Mas... <foi este prelado um dos que deslealmente serviram as intrigas castelhanas no tempo do Cardeal Rei, que prepararam a entrega de Portugal ao ambicioso Philippe II.» (Jur. ; Ob., II, 468.)

Camões vendo que D. Antonio Pinheiro devia a sua situação de mestre do Princepe ao jesuita Padre Simão Rodrigues, comprehenderia a inefficacia do seu valimento notando agora como o mesmo jesuita, sob um aspecto benigno, movia na Inquisição de Lisboa em 1550 uma perseguição contra os professores do Collegio Real de Coimbra. Era o mesmo intrigante que machinara a ruina de Damião de Goes, demolindo a nova fundação do Collegio real em que ensinavam Humanidades os insignes professores que comsigo trouxera de França Mestre André de Gouvêa.

Como ficou exposto na Historia da Universidade de Coimbra. em 1547, depois de D. João III ter renovado o pessoal docente mandando vir jurisconsultos celebres de Italia, confiou a André de Gouvêa a missão de vir fundar um Collegio de Artes e Humanidades, com professores por elle escolhidos. Ninguem melhor para tal encargo do que le plus grand Principal de France, como Montaigne caracterisou André de Gouvêa. O Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra manifestou a sua hostilidade contra esta independencia da Universidade tendo um Collegio proprio. Mestre André de Gouvêa licenciara-se no Col

legio de Bordéos, trazendo para Portugal um Collegio inteiro em que figuravam Diogo de Teive, o Dr. João da Costa, Jorge Buchanan e seu irmão Patricio Buchanan, Nicolás Grouchy, Guilherme Guerente, Elie Vinet, e outros vultos alguns distinctos na Renascença franceza. A hostilidade de Santa Cruz teve logo por bandeira os titulos de Parisienses e Bordalezes, em antipathia inconciliavel; os Cruzios primavam de terem estudado em Paris, em quanto que os do Collegio de Mestre André tinham vindo de Bordéos. Os Jesuitas aproveitaram estas dissidencias, e desde que André de Gouvêa morreu de doença repentina nos trabalhos da sua installação, facil foi despresar o Collegio Real, prendendo por denuncias de lutheranismo alguns dos mais notaveis professores, como Diogo de Teive, o Dr. João da Costa e o grande humanista George Buchanan. Os outros professores viram-se forçados a ausentarem-se de Portugal, • D. João III, dominado pelo P.e Simão Rodrigues, mandou entregar aos Jesuitas o Collegio Real, que se incorporou com o Collegio das Artes, fundado em Coimbra pela Companhia e dotado pelas rendas da Universidade. Qundo Camões chegou a Lisboa em fins de 1549 estava esta lucta travada, e em 1550 o P.e Simão Rodrigues era uma das testemunhas juradas contra a orthodoxia dos professores bordalezes; estavam presos na Inquisição de Lisboa, em julgamento Buchanan, Teive e o Dr. João da Costa. O facto deixou-lhe a impressão da avidez e espirito de intriga dos mil Religiosos diligentes, que verberou nos Lusiadas. A perspectiva da florescencia hu

manista sob o impulso de André de Gouvêa, e em que podia achar emprego a sua grande cultura litteraria, foi mais uma das esperanças de Camões que se desfez diante das perseguições que afastaram de Portugal os professores francezes, que viram os seus tres collegas nos carceres inquisitoriaes. Como é que D. Antonio Pinheiro, que era feitura dos Jesuitas, poderia interessar-se por Camões e quando alguns rivaes seus eram obececadamente reaccionarios?

N'este empenho de ser apreciado pelo intelligente princepe, serviu-se Camões da sua amisade e ainda parentesco com D. Manoel de Portugal, que bem conhecia todos os planos que andava elaborando para a formação de uma Epopêa portugueza. Dirigiu-lhe a Ode VII, intercalando aí aquelle verso de Sá de Miranda: Senhor Dom Manoel de Portugal, (Eclog. IV.) alludindo delicadamente ao grande louvor que merecera do iniciador da Eschola italiana, e de quem elle era um discipulo fervoroso :

A quem farão os Hymnos, Odes, Cantos
Em Thebas Amphion,

Em Lesbos Arion,

Se não a vós, por quem restituida
Se vê da Poesia já perdida
A honra e gloria egual,
Senhor Dom Manoel de Portugal?

Imitando os esp'ritos já passados,
Gentis, altos, reaes,

Honra benigna daes

A meu tão baixo quam zeloso engenho,
Por Mecenas a vós celebro e tenho;
E sacro o nome vosso

Farei, se alguma cousa em verso posso.

O rudo Canto meu, que resuscita
As honras sepultadas,

As palmas já passadas

Nos bellicosos campos lusitanos,
Para thezouro dos futuros annos,
Comvosco se defende

Da Lei lethêa, á qual tudo se rende.

Na vossa arvore ornada de honra e gloria,
Achou tronco excellente

A hera florescente

Para a minha até aqui de baixa estima;
N'ella, para trepar, se encosta e arrima;
E n'ella subireis

Tão alto, quanto os ramos estendeis

Esta Ode tem sido erradamente collocada no quadro da vida de Camões, attribuindo por ella a D. Manoel de Portugal o ter apresentado o poeta ao rei D. Sebastião para offerecer-lhe o poema dos Lusiadas. Hypothese gratuita; a hera florescente, que para trepar se encosta á arvore ornada, está indicando que isto se não passava na velhice do poeta, mas na sua mocidade. A protecção ou valimento de D. Manoel de Portugal para a reentrada na côrte, como se expressa na Ode VII, colloca-se n'este periodo em que tinha Camões grandes esperanças de ser apreciado pelo Princepe D. João, junto do qual gosava D. Manoel de Portugal as livres entradas. O critico camoniano D. Francisco Alexandre Lobo determina a data d'esta Ode VII, antes da partida de Camões para a India, isto é anteriormente a 1553. E' luminosa esta inferencia: «Deixa ver o theor d'esta Ode, que foi composta no reino; e se foi composta no

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