reino, é quasi necessario referir a sua composição ao tempo em que andou por Lisboa, antes de se embarcar para a India. E insiste: a Ode VII foi obra da sua mocidade, depois de concluidos os estudos de Coimbra, e antes da resolução decisiva de sahir do reino. Em D. Manoel de Portugal achou tronco robusto e benigno para se encostar a hera florescente de seu peregrino engenho já invejado da fortuna e opprimido da vil necessidade, segundo o que elle declara na Ode.» O Canto, que resuscitara as Honras sepultadas, era então exclusivamente historico; a idealisação dos Descobrimentos maritimos - Por mares nunca d'antes navegados, não tem referencia na Ode VII, o que é muito caracteristico para a elaboração definitiva da Epopêa. Infelizmente D. Manuel de Portugal nada conseguiu a favor de Camões, contra a virulencia das más linguas, das peores tenções e damnadas vontades nascidas de pura inveja; na queixa que o poeta deixou na sua Carta I, tambem allude com magoa ás amisades mais brandas que cêra, que se accendiam em odios... e D. Manoel de Portugal, como se sabe pela sua vida, era um caracter passivo, acabando em um mysticismo resignado. Depois do regresso de Ceuta, procurou Camões saber novas de D. Catherina de Athayde. Que impressão lhe causaria a lesão do olho direito, que tanto o desfeiava? Na 1 Hist. e Memorias da Academia, t. vi, p. 171. 1 côrte já lhe jogavam Epigrammas; uma dama chamou-lhe com desdem Cara sem olhos. 1 O poeta com a sua suprema generosidade, glosou esse mote affrontoso: Sem olhos vi o mal claro Não vos vendo, olhos não são. Catherina de Athayde viu o poeta depois do regresso de Ceuta, e não lhe fez sentir estranheza. Conta-o o poeta no Soneto xCI: Vós, que de olhos suaves e serenos Se de Amor os domesticos venenos, Que é tanto mais o amor despois que amaes, E não presuma alguem que algum defeito 1 Na biographia de Camões por Frei Francisco de Santo Agostinho Macedo, vem referencia á nobre cicatriz por que era apodado entre as damas: « As Damas o motejavam de feo, com piques de nomes: chamando-lhe Cara sem olhos e Diabo sem luzes, a que elle replicou com chistes e graças... (Ms., n.o 331, fl. 3, da Bibl. nac.). Os biographos de Camões nunca souberam aproveitar o elemento constructivo que ha n'estes vestigios tradicionaes, que elles tornaram frivolas curiosidades. Antes o dobra mais; e se atormenta, Pouco a pouco desculpa o brando peito; Que amor com seus contrarios se accrescenta. O amor de Camões, diante d'esta sublime simplicidade de Catherina de Athayde, tor na-se um mais vehemente estimulo para a realisação do pensamento da sua vida. A Egloga Iv, que na edição de 1594 traz o titulo 4 uma Dama, representa perfeita. mente o seu regresso á côrte em 1550, quando fundou as suas esperanças na realisação da Epopêa portugueza. Ella o poderá inspirar n'esse alto ideal: Com qualquer pouca parte, Senhora, que me deis de ajuda vossa, Podeis fazer, que a gente Em mi do grão poder vosso se espante; Podeis fazer que creça de hora em hora A Smyrna, que de Homero se engrandece; Na Egloga alternam o canto dois pastores, representando-se Camões com o nome de Frondoso, recriminando a amada do esquecimento do passado: Olhos, que viram tua formosura, Vontade, que em ti estava transformada, E que agora apartada le vé de si com tal apartamento, Qual será seu tormento? Logra tu tua gloria, eu meu tormento. Belisa. me fará deixar de amar-te: Porque em nenhuma parte Poderás nunca estar sem mi hum' hora. E Camões terminando o canto amaebeo dos dois pastores « ao longo da Ribeira deleitosa, dirige-se no epilogo outra vez á Dama, que invocara : >> Se aquillo que eu pretendo D'este trabalho haver, que é todo vosso, Não será muito haver tambem a gloria Que Virgilio procura e haver pretende, Os dois pastores, que alternam no canto celebrando os seus amores, são Camões e o joven D. Antonio de Noronha, que andava loucamente apaixonado por D. Margarida da Silva (Silvana, na Egloga.) O Morgado de 1 Na identidade psychologica das naturezas geniaes, esta amisade de Camões é comparavel á de Goëthe, por Frederico Stein, ao qual a mãe do poeta escrevia em carta de 9 de Janeiro de 1780: «Goëthe teve sempre amisade a galhardos rapazes, e encantame que a sua convivencia vos torne feliz. » Matheus, nas notas á biographia de Camões, que acompanha a edição monumental dos Lusiadas, apontou o problema da amisade de Camões, com os seus vinte e sete annos de edade, com D. Antonio de Noronha tendo pouco mais de quinze. Pelas condições psychologicas concluiu, que a Elegia de Ceuta e as Outavas a D. Antonio de Noronha são de uma epoca inteiramente incompativel com a extrema juvenilidade do filho do Conde de Linhares. Quando Camões regressou a Lisboa, era o joven D. Antonio de Noronha, da mesma edade do Princepe D. João, muito estimado na côrte; como apaixonado, conhecendo os perseguidos amores de Camões aproximou-se d'elle, tornou-se o seu confidente, dando-lhe noticias de D. Catherina de Athayde. O Dr. Storck, que tanto phantasiou sobre as relações do poeta em casa do Conde de Linhares, observa com justeza ácerca de D. Antonio de Noronha : « Confidente e intermediario nos amores de Luiz de Camões e D. Catherina de Athayde, confessar-lhe-ia a ardente paixão que tinha por D. Margarida da Silva...» (Vida, p. 420), A Egloga VII dos Faunos fundamenta estas intimidades dos dois namorados: Se o meu engenho é rudo ou imperfeito Em vós minha fraqueza se defende; O que o meu Canto por mundo estende. Tinha sido a poesia amorosa que suscitara a sympathia do joven D. Antonio de Noro |