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nha por Camões; o pobre expedicionario de Africa teve esperança que pelo seu valimento minorassem as hostilidades palacianas. A Egloga dos Faunos, admiravel esbôço do episodio da Ilha dos Amores, que andava idealisando, celebra os amores de dois apaixonados, que seguiam as Nymphas de alvas

carnes:

Mas dois sylvestres deuses, que traziam
O pensamento em duas occupado,
A quem de longe mais que a si queriam;

Não lhes ficava monte, valle ou prado,
Nem arvore, por onde quer que andavam,
Que não soubesse d'elles seu cuidado.

D. Antonio de Noronha, que frequentava o paço, dava noticia a Camões da suave Catherina de Athayde; o poeta aconselhava-o nos desalentos da sua paixão por D. Margarida da Silva. O pae de D. Margarida da Silva, D. Garcia de Almeida, fôra Reitor da Universidade de Coimbra no tempo em que Camões frequentou os estudos; Camões manteve sempre uma profunda sympathia pelos Almeidas. Os amores de D. Antonio de Noronha eram contrariados pela familia; egua. la-se a Camões na mesma anciedade, apesar da differença de annos, n'esse periodo de 1551 a 1553, em que a dura fatalidade os separou para sempre.

O pensamento da Epopêa nacional que se illuminava com os amores de Nathercia, servia de objectivo para os Epigrammas de Pedro de Andrade Caminha, cansado de ouvir fallar n'essa tão annunciada obra genial;

assim no Epigramma CXLV, quasi parodiando a invocação dos Lusiadas, ataca-o Caminha:

Dizes que o bom Poeta hade ter furia,
Se nom hade ter mais és bom poeta;
Mas se o Poeta hade ter mais que furia,
Tu não tens mais que furia de Poeta.

Comprehende-se a certeza do golpe, apro ximando este Epigramma da estrophe da invocação dos Lusiadas:

Dae-me uma furia grande e sonorosa,

E não de agreste avena ou frauta ruda,
Mas de tuba canora e bellicosa

Que o peito accende e a côr ao gesto muda.

Caminha tambem ataca Luiz de Camões por causa das innovações que fizera na poesia pastoril :

A teu sabor escreves o que escreves,
A leis de outros poetas nom te obrigas;
Tambem tu és poeta, e nom te deves
Atar a leis de Poesia antigas;

Faze leis e desfaze, como fazes,
Ri-te dos outros se te satisfazes.

Referia-se este Epigramma CXLIV de Caminha á Egloga vi, no estylo piscatorio innovado por Camões em Portugal:

A rustica contenda desusada

Entre as Musas dos bosques e as areias
De seus rudos cultores modulada.

Vereis, Duque sereno, o estylo vario
A nós novo, mas n'outro mar cantado
De um que só foi das Musas secretario.

O pescador Sincero, que amansado
Tem o pégo Prochyta co'o canto
Por as sonoras ondas compassado,

D'este seguindo o som, que pode tanto,
E misturando o antigo Mantuano,
Façamos novo estylo, novo espanto.

A fórma da genialidade de Camões não foi a de uma sobreexcitação da sensibilidade, mantendo em estado morbido os elementos nervosos; a bôa cultura synthetica, completando-se pela synergia da sua vida em diversissimos meios, teve um objectivo para onde convergiram todas as assimilações mentaes e adaptações praticas, por uma fórma serena, deliberada e consciente-foi a expressão sympathica da Patria portugueza pela creação da Epopêa moderna. Maudsley caracterisa estes genios exemplificando-os com as individualidades supremas de Shakespeare e de Goëthe. No meio de todos os acontecimentos da vida, as altas individualidades « fazem a integração das suas faculdades mentaes, pelas quaes de facto se formam a imaginação verdadeiramente creadora dos maiores poetas, e a rasão potente e quasi intuitiva dos maiores philosophos. -Embora se possa dizer descuidadamente, que é exacto que o genio de um poeta subjectivo e de uma sensibilidade delicada indica uma condição morbida dos elementos nervosos, não se póde comtudo sustentar, apoz um momento de reflexão, que o genio de homens como Shakespeare e Goëthe tivesse origem n'um estado morbido. O impulso que leva estes homens a realisar a sua grande obra, não é o resultado de um

descontentamento, mas de uma não satisfação de um desejo de adaptação; elles têm necessidade de sentir, e de conhecer cada vez mais a natureza sob os seus numerosos aspectos, e de se pôrem em relações cada vez mais intimas com ella; as suas potencialidades internas manifestam-se por um sentimento de necessidade, por um desejo, um instincto não satisfeito, taes como os elementos organicos inferiores manifestam a sua sêde... - Os actos do genio podem ser novos, sahirem fóra da rotina do pensamento ou do procedimento: apezar d'isso, embora pareçam estranhos ou surprehendentes aos que trabalham Com regularidade automatica no organismo social, elles contém de uma maneira consciente ou inconsciente, um designio bem determinado; implicitamente, ha n'elles o reconhecimento das relações exteriores, resposta intelligente a estas relações; por outras palavras, elles têm por fim a satisfação de um impulso que lhes é inherente, e não se exerce menos reflectidamente, embora seja inconsciente da sua natureza e do seu fim.» (Op. cit., p. 322.) Mostrando tambem como uma grande imaginação coexiste sempre com uma grande intelligencia, observa Maudsley: « No genio verdadeiro póde haver o desvio do curso habitual das cousas; mas a organisação do existente é reconhecida como a base de um desenvolvimento mais elevado: o passado fusiona-se com o futuro em molde novo.» ( Ib., 224.) Isto explica a obra de Camões, na corrente da Renascença, na tremenda reacção catholica, e ainda no meio da decadencia da nacionalidade, revivificando as tradições de

um passado glorioso e aspirando a um futuro no seu Poema ou Pregão eterno.

Camões não alcançara com os seus dois annos de Ceuta o despacho de uma Com. menda; trazia comtudo um signal evidente da sua coragem, que lhe dava mais audacia e bravura: perdera o olho direito em uma refrega, e isto o expunha aos motejos alvares, como os que o pseudo Avelaneda vibrara contra Cervantes no prologo da parte apo. crypha do Don Quixote. Pedro de Andrade Caminha, no Epigramma cx, refere-se indubitavelmente a Camões apóz o seu regresso de Ceuta, alludindo caricatamente a ter um olho de menos:

CONTENDA DE DOIS

Um tem dois olhos, e com vista clara,
Outro um só tem, e esse co'a vista estreita;

Um diz áquelle:

«

Amigo, eu apostara

A qual de nós tem vista mais perfeita?.

Quem houvera que a si nom se enganara,
Como o outro, que enganado a apósta acceita?
Diz-lhe este: « Vê que vejo mais que ti,
Pois dois olhos te vejo, um só tu a mi.

Contra a interpretação historica d'este Epigramma, oppõe o Dr. Storck: «seria mui pouco nobre e circumspecto da parte de Caminha motejar injuriosa e maliciosamente de um signal ganho no campo da honra, quando batalhava pelo rei e pela patria; ... » (Vida, p. 416.) A este argumento moral contrapômos outro argumento moral decisivo: foi este mesmo Caminha, que desceu á indignidade de ir denunciar á Inquisição Damião de Góes,

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