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exibindo o titulo de Chefe temporal da Egreja, ao mesmo tempo que tinha prisioneiro o seu chefe. A Allemanha invocada para a resistencia contra os Turcos, que ameaçavam todo o Occidente, declarava temer mais a tiara do Papa do que o turbante de Mahomet. Quando o papa Leão x procurava congregar todos os monarchas da Europa a formarem uma Cruzada contra os Turcos, entre os recursos para essa campanha contava com o producto das Indulgencias, como se fizera para as Cruzadas da Edade média. Luthero, ainda obscuro frade augustiniano, insurgiu-se contra esse expediente, protestando contra o plano de Leão x: «E' um peccado resistir contra os Turcos, visto que a providencia se serve d'esta nação infiel para visitar as iniquidades do seu povo.» Assim perante a Dieta de Ratisbonne, a Cruzada foi combatida por ser mais um expediente da Côrte de Roma para explorar a credulidade popular e dirigir os reis. Tambem Erasmo considerava o augmento do poder dos Turcos como um castigo do céo infligido aos christãos degenerados, enviados pela providencia irritada; com a sua ironia de erudito, chasqueava da Cruzada em que entram um Cardeal general, um bispo capitão, um padre centurião, que se lhe affiguravam estatuas de ouro e barro, um centauro meio homem meio cavallo. Dividida a Allemanha pelas querellas theologicas da Refórma, este movimento, que tomava uma tendencia social, apagou os fervores religiosos tornando irrealisavel ainda uma vez a cruzada. O philosopho Raynal, fallando das consequencias dos Descobrimentos dos Portu

guezes, proclamou que elles salvaram a Europa da invasão dos Turcos: «Que seria da liberdade? Morreria, se os Portuguezes não embaraçassem o progresso do fanatismo mussulmano fazendo-o parar na impetuosa carreira das suas conquistas, cortando-lhe o nervo das riquezas.» As luctas contra o poder mussulmano no Oriente, deram a Portugal uma missão humana tão grandiosa como a da Grecia derrotando as hordas do imperio dos Persas.

Quando Carlos v, em Tunis, e Philippe II, em Lepanto, se empenharam em combater os Turcos, foi para se tornarem chefes de um imperialismo catholico, e converterem a Egreja em agente do seu despotismo. Pensando em avassallar a Italia, Carlos v, pelo seu engrandecimento como rei de Hespanha, chefe do Imperio germanico, soberano dos Paizes Baixos, e dos dominios da America hespanhola, visava á empreza de enfraquecer a França, e não atacava os Ottomanos já por complacencia com os partidarios da Refórma da Allemanha, já por causa dos seus inimigos na republica romana (França, Italia e Inglaterra.) 1 E quando contradizendo-se, o proprio Luthero appellava já para a lucta contra os Turcos, Carlos v limitava-se a atacar os estados berberescos, que organisados pelo poder ottomano infestavam as costas da Hespanha e da Italia com os seus corsarios. A tomada de Tunis, em 1535, libertando vinte mil cativos, veiu mascarar todas as inconsequencias e

1 Michaud, Op. cit., t. IV, p. 65.

egoismo de Carlos v exercendo o seu imperialismo germanico; como é tambem depois da victoria de Lepanto que Philippe II torna sangrenta a Liga catholica. A acção portugueza no Oriente, é que assegurou á Europa a possibilidade de inaugurar a harmonia mental da Republica litteraria da Renascença; e pelo effeito dos nossos Descobrimentos suscitamos a intelligencia e paixão pela Natureza, dando ás verdades racionaes a base verificavel que as tornou a manifestação invencivel do Espirito moderno.

No canto VII dos Lusiadas verberou Camões estas dissidencias dos monarchas da Europa, que enchiam de ousadia as invasões dos Turcos, pondo em relêvo a missão grandiosa da pequena Casa lusitana:

Fazei que torne lá ás sylvestres covas
Dos Caspios montes e da Scythia fria,
A Turca geração, que multiplica
Na policia da vossa Europa rica.

Mas emtanto, que cegos e sedentos
Andaes de vosso sangue, oh gente insana,
Não faltarão christãos atrevimentos
N'esta pequena Casa lusitana:
De Africa tem maritimos assentos,
E na Asia mais que todas soberana,
Na Quarta parte novos campos ara,
E se mais mundo houvera, lá chegara.

(Lus., vii, 12, 14.)

Camões, reservando-se no alvará de privilegio de 23 de Septembro de 1571 a faculdade de accrescentar mais alguns Cantos aos Lusiadas, reconheceu que lhe faltava coroar

a assombrosa empreza das Navegações com o final surprehendente da circumducção do globo pelo aggravado Lusitano. Nas Estancias ditas omittidas, mas verdadeiramente augmentadas, como considerou o Dr. João Teixeira Soares, synthetisou Camões esse feito de Fernando de Magalhães:

D'aqui sahindo irá d'onde acabada
Sua vida será na fatal Ilha;
Mas proseguindo aventurosa armada
A volta de tam grande maravilha;
Verão a Náo Victoria celebrada

Ir tomar porto junto de Sevilha,

Depois de haver cortado o mar profundo
Dando uma volta em claro a todo o mundo.

O Dr. João Teixeira Soares, consciencioso investigador da historia dos nossos Descobrimentos maritimos, conclue sobre esta estrophe: «E' este visivelmente um trabalho complementar em que Camões condignamente inteirou a narração do facto.» E em seguida põe em relevo a maxima influencia d'esse Feito, com verdade, portuguez, sobre o engrandecimento colonial dos hespanhoes: «O campo que esta navegação audaciosa abriu, o mais directamente possivel, á actividade maritima dos Hespanhoes foi immenso: todo o Oceano Pacifico com suas infinitas Ilhas.

«Dominavam já então os Hespanhoes em boa parte da costa occidental da America, e conheciam este mar nas proximidades d'ella; mas a sua grande navegação n'elle proveiulhes do feito de Magalhães.

<A sustentação do pretendido direito da Hespanha ás Molucas; o conhecimento, trans

mittido por Portuguezes, da navegação d'ellas para a China; a necessidade de receber ali auxilios directos do Mexico e do Pacifico; e finalmente as ideias systematicas sobre a existencia de um continente austral, fôram os principaes moveis das suas navegações por aquelles mares e regiões.

«Uma das suas notaveis consequencias foi o reconhecimento que no estio de 1545 fez D. Inigo Ortis, commandante do galeão S. Joannilho, de toda a costa oriental da Nova Guiné e da Australia até aos 20o de latitude sul. D. Inigo pertencia á armada de Ruy Lopes Villalobos, que em 1542 sahira da Hespanha para as Molucas pelo Estreito de Magalhães, e d'aquellas ilhas sahira a buscar soccorros á Nova Hespanha, (Mexico) navegando pelo hemispherio do sul, depois de uma tentativa infructuosa que no mesmo galeão fôra feita pelo norte. Na lista dos grandes navegadores por parte da Hespanha no mar do Sul, apparecem ainda dois illustres portuguezes: João Fernandes, piloto açoriano, descobridor da Nova Zelandia em 1572 e tambem do Archipelago que d'elle se denomina na costa do Chili; e Pedro Fernandes Queiroz, o descobridor das Novas Hébridas.> 1

Quando se realisavam no mundo estes atrevimentos da pequena Casa Lusitana, o

1

Coisas camonianas, IV. No jornal Velense, n.o 43, de 8 de Septembro de 1881. (Da ilha de S. Jorge.) -Id. na Epoca, n.o 37, de 16 de Septembro de 1882. (Ilha de S. Miguel.)

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