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dos Cavalleiros da Segunda Tavola Redonda. N'essas apparatosas festas appareceu no Tejo uma barca com a deusa Diana, acompanhada de duas Nymphas, uma com uma harpa, outra com um arrabil cantando estancias da Egloga primeira de Garcilasso. Seria uma d'essas Nymphas, ou melhor a Diana a sobrehumana Nathercia? Pela narrativa de qualquer dos seus amigos que o visitavam no Tronco, pôde representar á sua mente o quadro que tracejou no Soneto

CCCIX:

Em um batel, que com doce meneio
O aurifero Tejo dividia,

Vi bellas Damas, ou melhor diria,
Bellas Estrellas e um Sol no meio.

Em Novembro de 1552 chegava a Lisboa o poeta Jorge de Monte-Mór,, no séquito da princeza D. Joanna; se as lembranças do tempo de Coimbra não estavam apagadas, elle iria visitar Camões á cadêa do Tronco. Não é banal a hypothese, por que a elaboração dos Lusiadas, então, suggerira a Jorge de Monte-Mór a paixão por esse thema épico: < Monte-Mór determinou-se escrever em verso o Descobrimento da India oriental, mas a morte, que logo lhe sobre veiu, lhe atalhou o intento. (Craesbeck, ed. da Diana de 1624.) Em 5 de Dezembro de 1552 celebrou-se o desposorio do Princepe D. João, com todo o regosijo, mas não houve um indulto para o esquecido Camões. «A piedade humana me faltava » exclamou elle em um verso eterno. D. Antonio Pinheiro esqueceu-o no seu egoismo de padre e de favorito da côrte.

Como salvar Camões da pena maior que competia ao crime de lesa magestade, por ter arrancado espada estando o rei e sua casa em Lisboa? Era preciso que Gonçalo Borges The perdoasse; assim havia base para Camões requerer o perdão regio, evitando o julgamento, que seria condemnatorio. A generosa D. Francisca de Aragão, sempre acatada na côrte, obteve o perdão de Gonçalo Borges, e a liberdade para Camões. Como provar isto? Por uma tradição repetida, mas não comprehendida pelos que a archivaram. Examinemol-a a esta luz.

Nos Apophtegmas de Pedro José Supico vem attribuida a Camões uma anecdota, cuja situação se pode fixar por 1552, pouco antes da sua prisão: «Achava-se no Terreyro do Paço conversando com Luiz de Camões Jorge de Monte-Mór, celebre poeta d'aquelles tempos. Estava em uma janella do quarto das Damas, D. Francisca de Aragão, dama mui formosa da rainha D. Catherina. Chegou-se um pobre a pedir-lhe esmola, e Jorge de Monte Mór apontando para a dita senhora, lhe respondeu :

Si. hermano, pedis por Dios,
A'quel Serafin pedid,
Y pedid para los dos,
La libertad para mi,

La limosna para vós.» 1

No Ms. 133, da Collecção Pombalina, fl. 124, vem este mesmo Epigramma com a

1 Apothegmas, Liv. 1, P. 1, p. 38. Ed. 1761.

rubrica: « Estando Camões a hú canto respondeu a hum pobre que lhe pediu esmola:

Pobre, que pedis por Dios,

Llegad y pedid alli.
Y pedid para los dos :
La limosna para vós,

La liberdad para mi

D'esta estrophe reproduzida na Communicação academica, escreve Lopes de Mendonça: « é perfeitamente intelligivel e consentanea com a feição madrigalesca de Camões. Pode sem desdouro, quer-me parecer, figurar entre as suas mais galantes redondilhas. >>

Não importa ligar veracidade a estas anedoctas; basta-lhes, para valorisal-as, o representarem o meio social, as ideias e preconceitos dominantes, o espirito incomprehendido que ellas transmittiram, para se reconstituir uma verdade moral.

Depois de ter sido alcançada de Gonçalo Borges a desistencia de toda a acção criminal ou civel contra Camões, quasi ao fim de um anno de prisão no Tronco da cidade, foi lavrado e assignado um Instrumento de perdão pelo tabelião publico das Notas de Lisboa Antonio Vaz Castello Branco, pelo qual constava, que Gonçalo Borges estava curado e sem deformidade. Em vista d'este instrumento, datado de 13 de Fevereiro de 1553, dirigiu Camões em requerimento petição a El rei D. João III, para que houvesse por bem perdoal-o do ferimento de Gonçalo Borges como constava da devassa tirada sobre esse caso. Foi a informar aos Desembargadores do Paço a Petição, e sobre o seu Pare

cer, teve o Passe da respectiva Carta de Perdão, pagando préviamente quatro mil reis para a Arca da Piedade. Obtido o Assignado do Bispo de San Thomé, de que lhe fôra entregue essa multa, e o recibo pelo escrivão Alexandre Lopes em como o carregou em receita, foi a final assignada Carta de Perdão a Luiz de Camões, em 7 de Março de 1553, pelos dois desembargadores D. Gonçalo Pinheiro e Dr. João Monteiro. Levou onze dias este processo de indulto, o que perante a morosidade da justiça do tempo, leva a inferir que teve Camões pessoa influente que interveiu para lhe ser dada a liberdade; e que, apesar de constar na propria Carta de perdão que era um mancebo pobre, a exigencia dos quatro mil reis para a Arca da Piedade só poderia ser satisfeita por uma sublime generosidade, para depois ser solto. Vencida a reluctancia de Gonçalo Borges, accedendo ao que se lhe impoz por cortezania, faltava o caso de lesa-magestade, e para conseguir-se o perdão real, foi preciso quasi como uma commutação de pena offerecer-se o poeta para ir servir como soldado na India, partindo logo na Armada d'esse anno!

Carta de perdão a Luis de Camões

D. Johão Et. A todollos corregedores. ouvidores Juizes e Justiças officiaes e pessoas de meus reinos e senhorios a que esta minha Carta de perdão for mostrada, e o conhecimento d'ella com direito pertencer, saude: faço-vos saber que Luis Vaaz de Camões filho de Symão Vaaz, Cavalleiro fidalguo de minha casa morador em esta cidade de Lisboa, me enviou dizer per sua petiçam que elle estáa preso no tronquo desta

cidade por ser culpado em huma devassa que se tirou sobre o ferimento de Gonçallo borges que tinha carreguo dos meus arreos por se dizer que andando o dito gonçallo borges passeando a cavallo no rocio desta cidade dia de Corpore Xpti na rua de Sancto antão alem de S. domingos, defronte das casas do pero Vaaz que dous homens emmascarados a cavallo se poseram a passear e a zombar com o dito gonçallo borges, e que na dita zombaria vieram a haver brigas d'arrancar e que elle supplicante acudira em favor dos ditos emmascarados conhecendoos por serem seus amiguos. E que de proposito com huma espada ferira ao dito Gonçallo borges de huma ferida no pescoço junto do cabello do toutiço, estando eu nesta cidade com minha côrte e casa de supricaçam e levando outros em sua companhia. E o dito gonçallo borges he são e sem aleijão nem deformidade, e lhe tem perdoado como se mostra do perdão junto a sua petiçam, e elle supricante he hum mancebo e pobre e me vay este anno servir á India, enviando me elle supricante pedir por mercê ouvesse por bem de lhe perdoar a culpa que no dito caso tem da maneira que diz, e o instrumento de perdão que apresentou parecia ser feito e asynado por antonio vaaz de Castelbranco pubrico tabalião das notas em esta cidade de Lixboa e seus termos aos XXIII dias do mez de fevereiro do anno presente de mil quinhentos cinquenta e trez annos pello qual se mostrava gonçallo borges que tem carreguo dos meos arreos por ser ja são da ferida sem aleijão nem desformidade para que o senhor deus lhe perdoe seus peccados de sua boa livre vontade perdoar ao dito Luiz Vaaz de Ca mões toda sua justiça, que contra elle possa ter e o não queria por ello acusar nen demandar crimemente nem civelmente e lhe perdoava toda justiça dano corregimento, e todo o que contra elle per dereito podesse alcançar com tanto que o dito supricante se livre do dito caso a sua custa e despeza e me pedia por mercê lhe perdoasse minha justiça segundo que todo esto melhor e mais compridamente em o dito instrumento de perdam se conthem. E eu vendo o que me elle supricante assi dizer e pedir mandou se asy he como elle diz e hy mais não ha, visto um parecer com o meu passe e querendo-lhe fazer graça e mercê tenho por bem e me praz de lhe perdoar a culpa que tem no caso conteudo em sua pitiçam pelo modo que nella de

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