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Vinganças com a lingua: Calumnias dos cobardes, que o desacreditavam na côrte a occultas, para que não os prejudicasse a sua superioridade mental e moral; fazendo-o passar como perdulario, brigão e motejador implacavel.

A fatalidade dos acontecimentos: 0 caso fortuito do encontro de Gonçalo Borges, tendo de acudir a dois amigos, que fugiram e o deixaram nas garras da justiça, e que elle com toda a nobreza nunca denunciou, carregando com a responsabilidade tremenda do crime de lesa magestade.

A partida de Camões para a India, pareceu aos biographos que no seculo XVII colligiram tradições da vida do poeta, ainda um desterro, como o escreveu Paiva de Andrade nas suas Lembranças. Nas tradições ha sempre um residuo de verdade; nos Lusiadas vê-se o reflexo da emoção pessoal do poeta, quando na despedida dos nautas deixa este traço:

Certifico-te, oh rei, que se contemplo
Como fui d'estas praias apartado,
Cheio dentro de duvida e receio.

Que apenas nos meus olhos ponho o freio.

(Cant. IV, st. 87.)

Com uma grande intuição sentimental de esta scena de despedida, o Dr. João Teixeira Soares considera como reminiscencia do ultimo abraço de sua mãe estes versos:

Oh. filho, a quem eu tinha

Só para refrigerio e doce amparo
D'esta cansada já velhice minha,
Que em chôro acabará, penoso e amaro:
Porque me deixas, misera e mesquinha?
Porque de mi te vás, oh filho caro?

(Ib., st. 90.)

EPOCA TERCEIRA

Dezeseis annos no Oriente

(1553 a 1569)

Abandonada a Africa, no plano da administração de D. João III, a viagem da India era o recurso das familias fidalgas para a carreira dos seus filhos; dil-o Diogo do Couto nos Dialogos do Soldado pratico: que os mais dos homens fidalgos querem mandar seus filhos á India; porque como não ha já Africa, não lhes podem dar despezas para estas partes, e o tempo está de tal maneira, que não ha homem tão abastado n'este reino que possa sustentar mais que um filho, ainda com trabalho, e todos se querem lançar n'essa India ás más fadas...» (p. 38, 1.a redacção.) < seus paes não fazem pouco em lançar sua carga em outro, e mandam-nos á India aonde S. Alteza os sustenta muito differente do que seus paes o podem fazer, em casas de gran des alugueis com pagens desbarretados, gen

tes bem ataviadas, que dizia o Conde VisoRei pelos fidalgos da India, que sempre andavam ás cannas... e ha mancebos fidalgos tão ditosos, que em sahindo do ninho e casas de seus paes, lhes manda dar S. Alteza para sua despeza trezentos ou quatrocentos cruza. dos, ou tres ou quatro mil por anno, que é uma boa merçê, e que se antigamente dava a fidalgos velhos no serviço e cheios de muitas cas, e por isso não ha dinheiro que baste á India para as grandes despezas que S. Alteza faz;... mas o peior he, que nenhum quer ser soldado, todos querem ser Capitães, por que dizem que o serviço do soldado he muito, e que não tem nome nem preço para o requerimento das mercês... (Id., p. 39.) Camões inscripto como soldado, obrigado ao serviço militar de cinco annos, estava inhibido de receber essas mercês regias, e a India não lhe apparecia como uma esperança salvadora. Não era equiparado ao << Fidalgo mancebo, que vem do Reyno sem hum cruzado, querer logo ter casas de trinta de alugueis por mez, cavallo ajaezado de prata, caprazões ricos...> trajando calção de veludo, espadas douradas, tranças de ouro, passamanes de guarnições de ouro e prata...» (Ib., 140.) Substi tuindo entre a gente de armas a um filho do povo, competia a Camões como aos soldados de bom tempo, como descreve Diogo do Couto: sayo de guingão pardo, ceroulas de cheila, gibão do mesmo, coura de couro golpeado, gôrro de milão, espada curta em talabarte de anta... (Ib., 142.) Esta desegualdade evidenciava-se logo na formação das Armadas em Lisboa, como observa o chro

«

nista: «por onde, já nas Armadas que fazem não tratam dos navios que são necessarios para a jornada, senão dos Fidalgos a que hamde dar embarcação, as quaes as não tomam para mais que levar os seus môços; e os soldados ficam na terra, e as mercês que lhes fazem não lh'as medem pela despeza da gente que levam, senão pelo appellido que têm... (Ib., 39.) Camões não tinha illusões sobre a administração politica e economica dos Vice-Reis na India, como o manifestou logo no seu juizo em uma das Cartas que chegou até nós; deixando a Africa quando o poder real a abandonava, seguiu para a India quando o nosso Imperio oriental se dissolvia. por uma depradação governativa. Esta tremenda crise é apontada por Diogo do Couto: < As rendas da India não bastam para as despezas ordinarias.» (Ib., 34.) E pondo em contraste as duas épocas: «na India quando n'ella não havia mais do que dois mil homens; que gastavam o tempo de inverno e de verão nas Armadas da Costa da India e no Estreito, e não tinham outra vida, então servia (sc. a matricula); mas agora, que ha quinze ou dezeseis mil homens repartidos pelas Fortalezas, cidades, villas e castellos de S. Alteza, e outras que elles por si fizeram em terra e logares de inimigos, que estão povoados com filhos e netos e uns e outros vivem como naturaes com fazenda de raiz e muita renda, vivem negociando seus proveitos, como abelhas, e para as Armadas de S. Alteza acham-se muitos para receber e poucos para servir, estando vencendo sempre na Matricula de S. Alteza, sem nunca o ser

virem sendo necessario.» (p. 33.) Era o que ainda hoje se chama viver á mesa do orçamento. Diogo do Couto aponta alguns d'esses boeiros por onde se esgotavam as riquezas da India: «vem esta pobreza dos muitos ordenados de Arcebispos, Bispos, Inquisidores e outros officiaes, despezas dos Mosteiros que agora ha... (Ib., p. 48.) Paga adiantada de cinco mil pardáos aos Capitães de Chaul, Baçaim e Diu que estava em costume a fazer-se aos Capitães, para poderem ganhar alguma cousa em suas Fortalezas, e que para isso davam fiança para segurar a Fazenda de S. Alteza...» (Ib., p. 52.) Era a pilhagem organisada na administração: «Todos os cargos de Escrivães, Commissarios, Juizes, e outros officiaes das Indias, são distribuidos pelo termo de tres annos, e devem ser exercidos pessoalmente, sendo por grande favor transferidos a um genro como dote da mulher.» Facto notado pelo hollandez Linschott, no seu Itinerario, (p. 59.) Cada funccionario fazia render o officio quanto possivel n'este triennio; e o peor é o que se dava com o governo dos Vice-Reis, sempre voluntariosos e sem plano. Diogo do Couto o notava: «de maneira que cada tres annos vêdes a India demudada, que se não conhece, como homem que entra em Auto por muitas figuras com differentes trajos; por que não ha nenhum Vice-Rei que queira conservar e sustentar o que achou feito por outro.» (Ib., p. 74.) Camões seguiu para a India quando os ViceReis se succediam no mais desaforado delirio de se enriquecerem; e com o exemplo de cima, todo o funccionalismo medrava na concussão e peculato.

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