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1.o Periodo: Cinco annos de vida militar

A) Viagem para a India Chegada a Goa - Expedição contra
o Chembé (1553)

Embora se conhecesse tarde o documento official que authentica em que Armada partiu Camões para a India, a Elegia III, em que de screve a sua viagem, as grandes borrascas, na passagem do Cabo da Boa Esperança, a chegada a Goa e logo o primeiro feito de armas contra o Rei da Pimenta em que tomou parte, levava a precisar datas irrefragaveis, rigorosamente historicas. Essa admiravel Elegia, que tem a rubrica vaga Da India a um amigo, acha-se no Cancioneiro manuscripto de Luiz Franco, (fl. 4) com a dedicatoria Da India, a Dom Antonio de Noronha, o seu joven amigo, filho do segundo Conde de Linhares, o enamorado de D. Margarida da Silva, prematuramente morto na terrivel surpreza de Tetuão em 18 de Abril de 1553, quando Camões levava já vinte e seis dias de viagem. Na Elegia III, ao descrever a chegada áquella terra: De todo o pobre honrado sepultura, narra com singeleza o seu baptismo de sangue: Foi logo necessario termos guerra.

Não escaparam a Manoel Severim de Faria estas circumstancias, e por ellas deduziu com rigor em que Armada partira Camões para a India, determinando pelo feito de armas a data da chegada a Goa: Foi esta empreza, segundo referem as historias da India, no fim do anno de 1553. Pelo que consta que

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partiu de Lisboa no março de 1553 com Fernando Alvares Cabral, que indo por Capitão mór de quatro náos, só elle chegou á India no primeiro de septembro do mesmo anno.» (Fl. 3.) Effectivamente Diogo do Couto refere que « a Náo San Bento, em que vinha Fernão Alvares Cabral, que o Março atraz passado tinha partido do Reino por Capitão-mór de quatro náos, e d'ellas só chegou esta a Goa.» Interessantes noticias d'esta viagem tormentosa encontram-se na Relação summaria da Viagem que fez Fernão d'Alvares Cabral, desde que partiu d'este Reyno por Capitão-mór da Armada que foi no anno de 1553 ás partes da India, escripta por Manoel de Mesquita Perestrello, que se achou no naufragio da torna-viagem, em 23 de Abril de 1554, na Terra do Natal. Era composta a Armada de cinco navios; como a náo Santo Antonio, que devia ser commandada por D. Manoel de Menezes, se queimou no Tejo quando ainda estava recebendo carga, partiram apenas quatro, nos dias 23 e 24 de Março de 1553, em um domingo de ramos, como indica Perestrello. Storck, corrige pelo Kalendario universal de Kisselmeyer fixando pelo domingo de ramos o dia 26. Variam os nomes de algumas nãos nas indicações de Perestrello, Figueiredo Falcão e Diogo do Couto, que são uniformes quanto aos nomes dos Capitães. Belchior de Sousa commandava a Con

1 Decada vi, liv. 10, cap. 14. O Bispo de Viseu, na sua Memoria, p. 183, nota C, seguiu estas referencias destacando os factos positivos.

ceição (ou Cerveira), D. Pedro de Noronha, a Loreto, ou Rosario ou Santa Cruz), Ruy Pereira de Sousa a Santa Maria da Barca; e Fernão Alvares Cabral, como Capitão-mór ia na Náo San Bento que era então a melhor que então havia na carreira » e levava por piloto Diogo Garcia, o Castelhano, por mestre Antonio Ledo, e por contra-mestre Francisco Pires, todos homens muito estimados em seus cargos... » Foi desastrosa a viagem d'esta Armada, como narra Perestrello: «Partiram do porto d'esta cidade de Lisboa em Domingo de ramos, 24 de Março do dito anno, e seguiram sua róta alguns dias, assim em conserva, até que andando o tempo, succederam tão diversos acontecimentos, que foi forçado a apartarem-se uns dos outros, ajudando-se cada um do caminho que melhor lhe parecia, segundo a paragem em que se achavam, para salvamento das vidas e fazendas que levavam a seu cargo... » Antes de seguir-se o roteiro da náo San Bento, através de tremendas borrascas, é tambem commovente o estado moral de Camões, que exprime na Carta I, na Elegia III e ainda nos Lusiadas; sentia que caminhava para a morte, certo de que nenhuma esperança lhe restava: «Despois que d'essa terra parti, como quem o fazia para o outro mundo. A familia de Catherina de Athayde planeara casal·a com outro, mas fôra baldado esse empenho; dil-o o poeta no Soneto XCI, alludindo aos

1 A Relação de Perestrello vem na Historia tragico-maritima, t. 1, p. 41.

domesticos venenos, nunca provados, e antes certo de que era mais o amor, quanto as causas eram de ser menos. Elle na despedida lembra-se das danadas vontades, nascidas de pura inveja, de vêrem su amada yedra de si arrancada, y en otro muro asida...» 1 Magoava-o a situação em que ficava, exposta ás solicitações prementes da familia, em uma tristeza nostalgica, contrariada no seu amor, vindo a morrer de saudade, ao fim de tres annos, tão cedo. Com este desmoronamento de esperanças e pensamentos, o poeta procurou fugir a quantos laços n'essa terra me armavam os acontecimentos...»

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A impressão da partida vibra intensamente na estancia dos Lusiadas quando descreve a sahida da Armada de Vasco da Gama, cujo roteiro syncretisa com o seu proprio:

Já a vista pouco e pouco se desterra
D'aquelles patrios montes que ficavam;
Ficava o caro Tejo e a fresca serra
De Cintra, e n'ella os olhos se alongavam.
Ficava-nos tambem na amada terra
O coração, que as magoas lá deixavam;
E já despois que toda se escondeu,
Não vimos mais, emfim, que mar e céo.
(Cant. v, st. 3)

Era ainda a emoção do amor, que o alentava n'esta situação de completa incerteza, que elle na ironia de tantas decepções ca

Magnin explicava: Esta phrase poderia fazer suppôr que a sua eleita se havia casado com outro.» Não é possivel tal supposição diante dos documentos authenticos; revela a tentativa da familia, que o poeta conhecia.

racterisa assi posto em estado, que me não via se não por entre lusco e fusco... No Soneto CXLIII, talvez communicado na despedida, faz a profissão de fé de um sentimento que é o seu viatico:

Gentil senhora, se a fortuna imiga,

Que contra mi com todo o céo conspira,
Os olhos meus de vêr os vossos tira,
Porque em mais graves casos me persiga;
Commigo levo esta alma, que se obriga
Na mór pressa do mar, de fogo e d'ira,
A dar-vos a memoria, que suspira
Só por fazer comvosco eterna liga.

N'esta alma, onde a fortuna póde pouco,
Tão viva vos terei, que frio e fome
Vos não possam tirar, nem mais perigos;

Antes, com som de voz, trémulo e rouco,
Por vós chamando, só com vosso nome
Farei fugir os ventos, e os imigos.

No Soneto XXII exprime o protesto, da infinda lembrança que o acompanha:

De vós me parto, oh vida, e em tal mudança
Sinto vivo da morte o sentimento;

Não sei para que é ter contentamento,
Se mais hade perder quem mais alcança.

Mas, dou-vos esta firme segurança:

Que postoque me mate o meu tormento,
Por as aguas do eterno esquecimento
Segura passará minha lembrança.

Antes, sem vós, meus olhos se entristeçam,
Que com cousa outra alguma se contentem;
Antes os esqueçaes, que vos esqueçam.

Antes, n'esta lembrança se atormentem,
Que com esquecimento desmereçam
A gloria que em soffrer tal pena sentem.

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