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cheia de erros de datas calendaricas, e de excursos alheios a um diario de bordo. As referencias pessoaes da róta nos Lusiadas esclarecem-se com os dados apontados por Linschott, que navegou na mesma carreira. "

De Mauritania os montes e logares,
Terra que Anteo n'um tempo possuiu,
Deixando á mão esquerda...

Passámos a grande ilha da Madeira,
Que do muito arvoredo assi se chama,
Das que nós povoámos a primeira,

Mais celebre por nome, que por fama.

Linschott aponta a mesma direcção: «A 8 de Abril do anno de 1583, dia de sexta feira santa, epoca em que as Náos partem ordinariamente, fizemo-nos á vela, tomando a róta da ilha da Madeira.» (p. 4.)

« A 15 de Abril descobrimos a Madeira e Porto Santo, onde os navios se separam uns dos outros e tomam diversas rótas, cada um fazendo tudo para adiantar-se ao seu companheiro na esperança de maiores lucros ao que chegar mais cedo á India; esta emulação

1 F. Ayala, no Oriente portuguez - Revista da Commissão archeologica da India portugueza, vol. II, p. 596 a 604.

• Histoire de la Navigation de Jean Hugues de Linschott, Hollandois, aux Indes Orientales. Contenant diverses Descriptions des lieux jusques à present descouvertes par les Portugais. Observations des Coustumes et singularités de là et d'autres declarations. Avec Annotations de B. Paludanus... Item, quelques Cartes geographiques et autres Figures. 2.a ed. A Amsterdam, 1619, 1 vol. ( A viagem é de 1581.)

torna por vezes a navegação desgraçada, não se podendo soccorrer uns aos outros, quando se acham de noite em perigo ou em tempo de tormenta.» Explica-nos este costume como se dispersou a Armada em que ia Camões, antes mesmo das inevitaveis borrascas da estação.

Aponta Linschott outro costume para notar o que se passou na náo San Bento: « As Náos que vão ás Indias tem por costume levar cada uma 400 a 500 homens e ás vezes mais soldados e marinheiros, segundo as exigencias do tempo. - Logo que os navios estão no mar alto, faz-se a revista de todos os marinheiros e soldados. Os que arrolados se acham ausentes, são notados pelo Escrivão, para que na volta se dirijam aos fiadores, por que todos são fiados, e os bens e bagagens dos ausentes que se acham no navio são vendidos em leilão, postos em inventario entregue á guarda do Capitão do navio. O mesmo com os que morrem a bordo.» Toda a descripção da costa africana é exclusivamente do roteiro de Camões, por que Vasco da Gama seguiu ao largo sempre directamente para o Cabo. Prosegue o poeta alludindo á costa da Numidia:

Deixámos de Massylia a esteril costa
Onde seu gado os Azenegues pastam;

Passamos o limite aonde chega

O sol, que para o Norte os carros guia,
Onde jazem os povos, a quem nega
O filho de Clymene a côr do dia;
Aqui gentes estranhas lava e rega
Do negro Sanagá a corrente fria,
Onde o cabo Arsinario o nome perde,
Chamando-se dos nossos Cabo-Verde.

e

Passadas tendo já as Canarias ilhas,
Que tiveram por nome Fortunadas,
Entrámos navegando pelas filhas

Do velho Hesperio, Hesperidas chamadas,
Terras por onde novas maravilhas
Andaram vendo já nossas Armadas;
Alli tomámos porto com bom vento,
Por tomarmos da terra mantimento.
A'quella ilha aportámos, que tomou
O nome do guerreiro Sanct'Iago...
D'aqui, tanto que Bóreas nos ventou,
Tornámos a cortar o immenso lago
Do salgado Oceano, e assi deixámos
A terra, onde o refresco dôce achámos.
Por aqui rodeando a larga parte
De Afriea, que ficava ao Oriente,
A provincia Jalofo, que reparte
Por diversas nações a negra gente;
A mui grande Mandinga, por cuja arte
Lográmos o metal rico e luzente,
Que do curvo Gambêa as aguas bebe,
As quaes o largo Atlantico recebe.

As Dorcadas passámos, povoadas
Das irmãs, que outro tempo alli viviam,
Que de vista total sendo privadas
Todas tres de um só olho se serviam. 1
Sempre emfim para o Austro a aguda prôa,
No grandissimo golfão nos mettemos

1 O Dr. José Maria Rodrigues, nos seus valiosos novos estudos sobre as Fontes dos Lusiadas, escreve: << Onde foi o Poeta buscar a designação de Dorcadas para dar a um grupo de ilhas situadas na foz do Gambia e a Serra Leoa? E em nota esclarece: « Confrontando a est. 11 com a 10 e 12.a, 1-3, não é difficil identificar as Dorcadas do poeta com o Archipelago de Bijagoz. Estas tres estancias ligam-se immediatamente com a 7.a e referem-se não á viagem de Vasco da Gama, como a 8.a e a 9.a, mas á do proprio poeta. Quando este, no Oriente, remodelou o seu Poema... encorporou no que já tinha escripto uma parte do Roteiro da Náo San Bento em que fôra á India. (Instituto de Coimbra, vol. 52, p. 627.)

Deixando a Serra asperrima Leôa

Co'o Cabo a quem das Palmas nome demos;
O grande rio, onde batendo sôa

O mar nas praias notas que alli temos,
Ficou co'a ilha illustre que tomou

O nome de um que o lado a Deus tocou.

Alli o grande reino está de Congo,
Por nós já convertido á fé de Christo,
Por onde o Zaire passa claro e longo,
Rio pelos antiguos nunca visto.
Por este largo mar emfim me alongo,
Do conhecido polo de Callisto,

Tendo o término ardente já passado,
Onde o meio do mundo é limitado.

Vejamos em Linschott os accidentes que soffriam os navegadores n'estas regiões das calmas: A 24 de Abril nos appareceu a Costa da Guiné, a qual começa no 9°, estendendo-se até á linha Equinocial. Ouviam-se trovões e raios, com tanta quantidade de chuva repentina, que se viam muitas vezes forçados a recolher as velas... Aproximando-se mais da terra, o mar não é tão bravo, e ordinariamente ha taes calmarias que os Navios ficam ás vezes dois mezes n'esta costa antes de poderem passar a Linha, a qual logo que a passam são levados por um vento geral que é o Sulsudeste. Ora a róta que têm n'esta costa é penivel e incerta. Porque nas alturas do Brasil sob o gráo 18 ha certos escólhos, que os Portuguezes chamam Abrolhos, que se estendem no Oceano por 70 leguas, á direita do lado da terra baixa. Os marinheiros para evitarem o perigo aproximam-se o mais que podem das Costas de Guiné, porque se se aproximam d'estes escolhos são forçados de arribar a Portugal, não sem grande perigo de naufragar.

< O Piloto bem previdente, para evitar esta calmaria não se aproximará muito da costa da Guiné, e tambem não costeará o Brasil com medo de cahir nos escólhos, tendo assim de manter-se n'umà róta média, que servirá muito ao avanço da sua viagem.» (p. 6.)

A arribada da náo de Belchior de Sousa a Lisboa foi para fugir á sua perda inevitavel nos Abrolhos. No seu roteiro Linschott esclarece esta circumstancia: «A 12 de Junho, escapámos e sobrepujamos os escolhos do Brasil, o que deu a todos uma grande alegria, ficando por isso fóra do receio de arribar a Portugal.» Referindo-se no seu diario a 26 de Maio, escreve Linschott: «passámos a linha equinocial, que divide a ilha de San Thomé pelo meio na costa de Guiné, e então começamos a ver a Estrella do Polo austral, tendo perdido a do Norte, tendo o Sol do meio dia ao Septentrião.» Camões descrevendo a ilha de San Thomé (st. XII) e passado o meio do mundo (st. XIII), descreve o espectaculo da Estrella Nova, ou o Cruzeiro do Sul, que o deixou deslumbrado:

Já descoberto tinhamos diante

Lá no novo hemispherio a Nova Estrella,
Não vista de outra gente, que ignorante
Alguns tempos esteve incerta d'ella;
Vimos a parte menos rutilante

E por falta de estrellas menos bella,
Do polo fixo, onde inda se não sabe
Que outra terra comece ou mar acabe.

Ha uma reminiscencia dos celebres versos de Dante allusivos á Estrella nova ou o Cru

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