Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub
[ocr errors]

1

zeiro do Sul; a parte menos rutilante designa essa assombrosa agglomeração de astros, que os astronomos chamaram as Nuvens de Magalhães objecto unico no mundo dos phenomenos celestes, e que augmenta ainda o encanto pittoresco do hemispherio austral,» como diz Alexandre de Humboldt. Arago, na sua Astronomia popular, collocou as Nuvens de Magalhães a Grande e a Pequena entre as Constellações admittidas; e lamentando não ter tido a fortuna de contemplar este phenomeno da abobada estrellada, transcreve do Cosmos de Humboldt alguns traços do quadro: «As duas Nuvens de Magalhães, que naturalmente receberam primeiro dos Pilotos portuguezes o nome de Nuvens do Cabo, captivam a attenção do viajante pelo seu bri

1 Escreve o Dr. João Teixeira Soares : « Nos primeiros quatro versos d'esta estancia (xiv) ha uma re miniscencia do Dante... No Purgatorio, canto 1, verso 22 e seguintes, disse o Florentino

[ocr errors]

Io mi volvi a man destra, e posi mente
All' altro polo e vidi Quattro Stelle
Non viste mai fuor chealla prima gente.

Goder pareva il Ciel di lor fiammelle:
O settentrional vedovo sito,

Poi che privato sei di mirar quelle!

Dante não viu a Cruz do Sul, mas teve conhecimento d'ella pela tradição dos negociantes italianos e dos navegadores arabes do Oceano Indico.

« O primeiro documento portuguez em que se menciona esta Constellação pertence ao seculo xv. E' a Carta que o Physico Mestre João, medico da Armada de Pedro Alvares Cabral, participa desde o Brasil a el rei D. Manoel em Abril de 1500 a Descoberta d'este paiz. (A Epoca, n.o 36, 1882.)

lhantismo, pelo seu isolamento que as faz sobresahir mais e pela orbita que descrevem de concerto em roda do polo austral, ainda que em distancias deseguaes. Seu nome actual tem evidentemente por origem o de Magalhães, postoque não foi elle quem primeiro as observou. A maior das Nuvens de Magalhães cobre 42°, e a menor 10° quadrados da abodada celeste.- Herschel achou na Grande Nuvem 582 estrellas, 291 nebuloses, e 46 agglomerações estellares; na Pequena contou 200 estrellas, 37 nebulosas, e 7 agglomerações estellares. As Nuvens de Magalhães offerecem aos olhos do observador uma especie de miniatura do céo estrellado: descobrem-se n'ellas constellações, agglomerações estellares e materia nebulosa em differentes estados de condensação. (Cosmos, III. 403.)

Camões concentra em uma inimita vel estancia todos os aspectos d'esta arrojada travessia :

Contar-te largamente as perigosas

Cousas do mar, que os homens não entendem,
Subitas trovoadas temerosas,

Relampagos, que o ár em fogo accendem;

Negros chuveiros, noites tenebrosas,

Bramidos de trovões, que o mundo fendem,
Não menos é trabalho, que grande erro,

Ainda que tivesse a voz de ferro.

(St. xvi.)

Na Elegia III, em que communica as suas impressões pessoaes ao joven D. Antonio de Noronha, descreve esta mesma situação logo depois do desembarque:

Debaixo estando já da Estrella nova

Que no novo Hemispherio resplandece,
Dando do segundo axe certa prova;

Eis a noite com nuvens se escurece,
Do ár subitamente foge o dia.

E todo o largo Oceano se embravece.

A machina do mundo parecia

Que em tormentas se vinha desfazendo ;
Em serras todo o mar se convertia.

Lutando Bóreas fero e Noto horrendo,
Sonoras tempestades levantavam,
Das náos as velas concavas rompendo.

As cordas co'o ruido assoviavam;
Os marinheiros, já desesperados,
Com gritos para o céo o ár coalhavam.

Os raios por Vulcano fabricados

Vibrava o féro e aspero Tonante,
Tremendo os Polos ambos de assombrados.

Amor, alli mostrando-se possante,

E que por algum medo não fugia,

Mas quanto mais trabalho, mais constante;

Vendo a morte presente, em mi dizia :
Se algum'hora, senhora, vos lembrasse,
Nada do que passei me lembraria.

Apesar d'estes incomportaveis trabalhos, não deixava a marinhagem de divertir-se, como refere Linschott, depois de terem passado a linha: «A 29 de Maio, dia de Pentecostes, segundo certo antigo costume, foi eleito no navio um Imperador e todos os Officiaes substituidos, e fez-se um banquete, que dura ordinariamente tres ou quatro dias.» Os typos graciosos de Leonardo e de Velloso, nos Lusiadas, com os seus contos para distrahirem

a marinhagem, foram suscitados pela pratica d'este antigo costume. Linschott descreve a approximação do Cabo da Boa Esperança com factos que esclarecem a idealisação de Camões: « A 11 de Julho, o Governador julgou que estavamos a 50 leguas do Cabo da Boa Esperança, -approximando-se da terra para considerar o Cabo pelo engano causado por uma nuvem e obscuridade, elle se achou a duas leguas da terra firme, o que nos fez medo. Os afamados navegadores Cook e La Peyrouse fallam n'estes enganos a que chamaram Terras de bruma; os nossos antigos navegadores acreditaram n'essas Ilhas empoadas ou encantadas, que desapparecem, e em cujo descobrimento confiavam, chegando até a premunirem-se com alvarás de privilegios. Essas apparições das Terras de brumas suscitavam a imaginação de Camões para a idealisação do seu episodio da Ilha dos Amores, mais do que as classicas tradições das Ilhas Fortunatas ou do Sonho de Scipião. A sublime creação do Adamastor, com que representa a passagem do Cabo da Boa Esperança, é sob a fórma de uma d'essas brumas que se annuncia, depois dos cinco dias da partida da bahia de Santa Helena até ao Cabo:

Porém já cinco sóes eram passados,
Que d'alli nos partiramos, cortando
Os mares nunca d'outrem navegados,
Prosperamente os ventos assoprando;
Quando uma noite, estando descuidados,
Na cortadora prôa vigiando,

Uma nuvem, que os áres escurece,
Sobre nossas cabeças apparece.

Tão temerosa vinha e carregada,

Que poz nos corações um grande medo...
Bramindo o negro mar de longe brada,
Como se desse em vão n'algum rochedo.

Que ameaço divino ou que segredo
Este clima e este mar nos appresenta,
Que mór cousa parece que tormenta?

Achada esta mythificação grandiosa e incomparavel, o episodio do Adamastor constituiu-se synthetisando todos os clamorosos desastres da inimaginavel historia tragico-maritimo portugueza.

«

Uma circumstancia da róta da India era se poderiam passado o Cabo ir refrescar a Moçambique. Escreve Linschott no seu diario: < Estavamos nas alturas da Terra da Natividade... N'este ponto os Capitães ordinariamente tomam conselho, se devem levar a sua róta entre a terra de Africa e a ilha de San Lourenço, ou se elles devem deixar a ilha á mão esquerda. Levando a róta entre a Ilha e a Terra, vae-se a Moçambique e a Goa. Deixando a Ilha á esquerda, a corrente impede

1 Com o nome de Olho de boi mythificavam os marinheiros os perigos do Cabo da Boa Esperança; escreve Diogo do Couto, no Soldado pratico: «Não ouviu v. s. dizer de um fuzil, que deu na volta do Cabo da Boa Esperança na Armada do Pedro Alvares Cabral, que por não amainar logo, por não terem experiencia d'elle, que, tanto que dá n'aquella paragem, se ajunta um tempo novo e tormentoso, se perderam quatro Náos umas á vista das outras, e as que ficaram foi porque não levavam os traquetes de gávea e as mezenas dadas; e d'este desastre nasceu o aviso que se dá por Regimento, que n'aquella paragem não dem as náos as velas perigosas.» (p. 9.)

« VorigeDoorgaan »