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que se possa surgir em Goa, mas é-se levado adiante tomando porto em Cochim, distante cem leguas de Gôa... Os que passam o Cabo em Julho chegam facilmente a Moçambique, têm meio de refrescar de agua e repousar-se dez ou doze dias. Mas os que passam em Agosto são obrigados a irem a Cochim. ..> (p. 7.)

Referindo a viagem da Náo San Bento, em que ia Camões, diz do capitão-mór Fernão d'Alvares: «o qual sobrepujando com sabia experiencia a todos os contrastes que lhe sebrevieram, dobrando o Cabo da Boa Esperança em tempo que não podia já ir a Moçambique, se lançou fóra da ilha de San Lourenço, e só entre todas as da sua Armada passou aquelle anno á India e foi surgir na entrada do mez de (Septembro ') á barra de Gôa, onde esteve descansando dos enfadamentos do mar.»

1 Ha na Relação da Viagem da náo San Bento evidente equivoco escrevendo-se Fevereiro por Septembro, por que a ser assim, era Fevereiro de 1554, e não d'aquelle anno de 1553, em que se estava. D. Carolina Michaelis opina pelo mesmo equivoco, em que Fevereiro está escripto por Septembro. (Vida, p. 455, nota 1 *)

O Dr. Storck, não tendo reparado no facto da náo San Bento passar por fóra da Ilha de San Lourenço (Madagascar) e por isso não podendo refrescar em Moçambique, dá por seu mero arbitrio á viagem de Camões «dez a doze dias de refresco em Moçambique,▸ (Vida, p. 453.) Confessa, que pela exactidão d'esta hypothese tem direito a contradictar Perestrello, > (p. 447) fundando-se em outras viagens, que dão todos os visos de certeza á conjectura que a San Bento aportara a Moçambique em fins de Julho de 1553.. (Vida, p. 448.)

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Na Carta I da India, refere Camões ter passado seis mezes de má vida por esse mar.» Tomando á letra este periodo usual das viagens, contam-se effectivamente seis mezes, descontando os ultimos dias de Março, da partida, do mez de Septembro, o que colloca a chegada em 25. Deu-se com a chegada da Náo San Bento a Gôa, unica vinda do reino n'esse anno de 1553, a entrada de uma outra náo que invernara em Moçambique, trazendo outo tripulantes e quatorze escravos e quatro escravas que tinham escapado do espantoso naufragio do Galeão San João, e que através dos desertos conseguiram chegar a Moçambique em 25 de Maio de 1553. Desembarcando ao mesmo tempo em Gôa, recebeu Camões a impressão profunda do miserando naufragio que em 1552 soffrera Manoel de Sousa de Sepulveda, na Costa do Natal, morrendo com sua mulher a formosissima D. Leonor de Sá e seus filhos. E' mesmo crivel que ouvisse da bocca do guardião da Náo Alvaro Fernandes a narrativa oral, por elle redigida depois na impressionante Relação. Ahi em Gôa ouviu Camões a sombria lenda dos amores de Sepulveda e de D. Leonor de Sá, que se ligava com agouro ao naufragio. Dizia-se que Luiz Falcão de Sousa, capitão de Ormuz, fôra morto á espingarda por mando de Manoel de Sousa de Sepulveda, por intentar casar com Dona Leonor de Sá, que era mulher formosa, filha de Garcia de Sá, de quem o Sepulveda andava enamorado, e se casou depois, e todos foram a esperar o castigo de Deus á Terra do Natal.>

A impressão produzida na mente de Ca

mões conjunctamente com estas mysteriosas coincidencias, depois de ter affrontado as tempestades do Cabo da Boa Esperança, que n'esse anno de 1553 foram as mais tremendas, levaram o poeta a dar relêvo com essa catastrophe ás ameaças do Adamastor; essas tres estrophes dos Lusiadas são inexcediveis de tragica belleza pela impressão viva da recente realidade:

Outro virá tambem de honrada fama,
Liberal, cavalleiro, enamorado,

E comsigo trará a formosa dama,
Que Amor por grão mercê lhe terá dado.
Triste ventura e negro fado os chama,
N'este terreno meu, que duro e irado
Os deixará de um crú naufragio vivos
Para vêrem trabalhos excessivos.

Verão morrer com fome os filhos caros,
Em tanto amor gerados e nascidos;
Verão os Cafres ásperos e avaros,
Tirar á linda dama seus vestidos;
Os cristalinos membros e preclaros
A' calma, ao frio, ao ár verão despidos,
Despois de ter pisada longamente
Co'os delicados pés a areia ardente.

E verão mais os olhos, que escaparem
A tanto mal, a tanta desventura,
Os dois amantes miseros ficarem
Na férvida e implacabil espessura.
Alli, depois que as pedras abrandarem
Com lagrimas de dôr, de magoa pura,
Abraçados as almas soltarão

Da formosa e miserrima prisão.

(Lus., v, est. 46 a 48.)

A chegada das Nãos do Reino era sempre um motivo de anciedade, pelo receio das catastrophes. Rodrigues da Silveira, nas Me

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morias de um Soldado da India, (p. 18) contrastando com o desdem com que eram tratados os soldados recem-vindos, escreve: < Porque vêr as ancias, os cuidados e afflic ções com que tanto que chega o mez de Agosto se esperam estas Náos, e o regosijo e alvoroço com que se festejam depois de chegadas, que não fica sino em egreja que se não quebre... Este regosijo era uma expansão superficial, por que os desgraçados que tinham escapado aos naufragios, ao escorbuto, ás infecções pestilentes, eram deixados ao abandono depois do desembarque. Escreve o Silveira, nas pittorescas Memorias: « Chegam estes pobres soldados pela maior parte desembarcam sem um real de prata para com elle comerem aquelle primeiro dia. Depois de desembarcados e de receberem uma copiosissima salva de gritos e appellidos infames, não só dos môços e negros, mas tambem dos praticos da sua mesma nação e patria; aquelle que não leve dinheiro ou cartas para algum amigo ou parente, logo aquella primeira noite alberga pelos alpendres das egrejas ou dentro de algum navio dos que na ribeira estão varados, com tanta miseria e desventura, como se com gram fortuna os houvera o mar lançado em algum porto ou terra de inimigos. Assim passam o segundo e terceiro dia, empenhando ou vendendo a capa e a espada se a levam, até se desenganarem do estylo da terra. E vão de quatro em quatro e de seis em seis tomando suas casinhas, d'onde se estão pasmando e consumindo de pura fome, de que muitos vêm a enfermar e morrer. E os que são de tão robusta natureza que podem

superar com saude todos estes contrastes, vão entretendo o tempo e suas miserias como melhor podem, á sombra das esperanças, que os praticos lhes dão da Armada que d'alli a dois ou tres mezes se hade fazer para o Malabar; etc.» (p. 17.)

Camões conheceu este miserando espectaculo da chegada a Gôa, e na Elegia III, a Dom Antonio de Noronha, depois de lhe ter descripto as tempestades do Cabo, refere:

D'est'arte me chegou minha ventura

A esta desejada e longa terra,
De todo pobre honrado sepultura.

Vi quanta vaidade em nós se encerra
E nos proprios quam pouca; contra quem
Foi logo necessario termos guerra.

A vida de Gôa, á medida que o poeta a conhece mais intimamente, foi descripta em Sonetos, que são como ferro em braza sobre pustulas. Camões referindo-se logo a uma entrada em campanha, confirma o que tanto condemnava Silveira, por mandarem para a guerra os soldados sem que « quando menos se refresquem cinco ou seis dias depois de tão larga e prolixa navegação...» (Mem. p. 18.)

E' de presumir que não se veria Camões em Goa tanto ao abandono como os outros soldados; se não trouxe cartas do reino, tinha parentes na India; nas noticias genealogicas da familia Severim, descendente de Vasco Pires de Camões, encontra-se um João de Camões, que serviu na India onde casou, filho de Pedro Alves de Camões, senhor do Morgado de Camões de Alemquer, e de D. Luiza de Carvalho. Conhecel-o-ia do tempo do des

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