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terro do Ribatejo. Tambem estava na India a este tempo Gonçalo Vaz de Camões, filho de Simão de Camões da Camara, que era Capitão de Damão; Gaspar Gil Severim, que morreu solteiro na India, e Antonio Gil Severim, seu irmão, que serviu muitos annos na India e se achou no segundo cêrco de Diu, e recebeu depois do Cardeal Rei o cargo de Executor-mór da Fazenda real, alli conheceriam Camões, por que eram contemporaneos. Tambem Manoel Pegado, casado com D. Ignez de Camões, irmã dos antecedentes, estava na India; e Duarte Frade de Faria, egualmente casado na familia dos Severins. Qualquer de estas familias o teria agasalhado? Pelo menos na Carta da India, escripta para Lisboa na torna viagem de 1554, diz: «vivo mais venerado que os touros da Merceana, e mais quieto que a cella de um frade prégador.» Cumpre notar que foi da familia dos Severins que Luiz de Camões recebeu as melhores homenagens publicas no seculo XVII, uma excellente biographia critica e um retrato gravado. O Vice-Rei D. Affonso de Noronha, que bem conhecia a valentia do poeta, levou-o logo em fins de Novembro de 1553 á expedição contra o Chembé. Na Elegia III, dirigida ao sobrinho do Vice-rei, descreve essa primeira empreza em que:

Foi logo necessario termos guerra:

Uma ilha, que o Rei de Porcá tem,
E que o Rei da Pimenta lhe tomara,
Fômos tomar-lh'a e succedeu-nos bem.

Com uma grossa Armada, que juntara
O Viso-Rei, de Gôa nos partimos

Com toda a gente de armas que se achara.

E com pouco trabalho destruimos
A gente no curvo arco exercitada:
Com morte, com incendios os punimos.

Era a Ilha com aguas, alagada,

De modo que se andava em almadias,
Emfim, outra Veneza trasladada.

N'ella nos detivemos sós dois dias,

Que foram para alguns os derradeiros,
Pois passaram da Estyge as ondas frias.

Que estes são os remedios verdadeiros
Que para a vida estão apparelhados
Aos que a querem ter por cavalleiros.

Oh Lavradores, bem aventurados!

Se conhecessem seu contentamento,
Como vivem no campo socegados!

Depois da rapida descripção do feito guerreiro, transita o poeta para a idealisação da vida rustica do trabalho pacifico e productivo, de um desejo de tranquillidade meditativa e de harmonia moral, aspiração que já confessara na guarnição de Ceuta a D. Antão de Noronha nas Outavas I. N'este estado de espirito amesquinha pois a sua primeira campanha, que Diogo do Couto descreveu extensamente na Decada VI e que durou não dois dias mas quinze. Quando Camões chegou a Gôa já se estava em fervoroso preparativo de uma Armada em que iria o proprio Vice-Rei Dom Affonso de Noronha castigar um regulo que hostilisara os outros régulos alliados de Portugal, embaraçando o commercio da pimenta. Era o rei do Chembé ou da Pimenta, que se apoderara de certas ilhotas do rei de Porcá, cujo reino constava de algumas aldeias

de pescadores e de piratas. Que tinha o ViceRei com estas pugnas, frequentes entre os pequenos regulos de Cananor, Calicut, Tanor, Cranganor, Cochim, Repolim, Chembé, Porcá, Coulão e Travancor na costa ao sul de Gôa? Pela importancia da Armada que partiu em fins de Novembro de 1553 de Gôa, perigavam os interesses do commercio portuguez e da auctoridade real. Os reis de Chembé ou da Pimenta, conspiravam sempre desde 1549, ligavam-se com o Çamorim de Calicut, que com outros princepes Malabares difficultavam os carregamentos da pimenta, forçando a proteger com uma Armada os mercadores que levavam a Cochim a Armada annual da tornaviagem. O pensamento da expedição ao Chembé não era uma aventura, mas um plano decisivo para pôr termo a essa hostilidade do régulo, como succedeu. Contava a Armada, em que se juntaram quantos soldados se encontraram, e em que tambem foi Camões sem ter repousado da fadiga da tormentosa viagem de seis mezes, de cem navios, galés, galeões, galeotas latinas, fustas e caravellas, indo o Vice-Rei na náo Reliquias. Por esta circumstancia de ter saído de Gôa o Vice-Rei é que Diogo do Couto descreve na Decada VI a expedição do Chembé, em que além de muitos capitães e cavalleiros, iam D. Fernando de Menezes, filho do Vice-Rei, Bastião de Sá, D. Alvaro de Noronha, filho do anterior VisoRei Dom Garcia de Noronha, que voltara da Capitania de Ormuz, Vasco da Cunha, Dom Antão de Noronha, amigo e companheiro de Camões em Ceuta, Francisco Barreto, que se fez notar pouco tempo depois pela sua austeri

dade como Governador, Gil de Goes, Manoel de Mascarenhas, irmão de Dom Pedro de Mascarenhas que ia entrar na successão da vicerealeza, Antonio Moniz Barreto, D. Diogo de Athayde e outros mais.

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Ao seguir a Armada a sua róta, pelas costas do Malabar, n'esta primeira campanha indiana mostrou Camões a verdade da sua divisa: N'uma mão sempre a espada, na outra a penna. Dom Affonso de Noronha aportou a Cananor, recebendo ahi a noticia de ter chegado a Cochim a náo Santa Maria da Barca, da Armada de 1553, em que vinham os despachos de segunda via. Houve ahi desembarque de alguns cavalleiros e soldados; ahi, na capella de San Thiago estava a sepultura de D. Henrique de Menezes, glorioso Vice-Rei da India, que falecera em Cananor. E' natural que fosse essa visita ao tumulo do heroe, ainda parente do Vice-rei, que motivasse aquella paragem. Camões compoz um Soneto exaltando a memoria de D. Henrique de Menezes, talvez diante do seu tumulo, lisonjeando o Vice-rei e seu filho, que mezes depois acompanha sob o seu commando na Armada do Norte. O Soneto dá a impressão da realidade:

Esforço grande, egual ao pensamento,
Pensamentos em obras divulgados,
E não em peito timido encerrados,
E desfeitos despois em chuva e vento;

Animo, de cobiça baixa isento,

Digno por isso só de altos estados,
Fero açoite dos nunca bem domados
Povos do Malabar, sanguinolento;

Gentileza de membros corporaes,
Ornados de pudica continencia,

Obra por certo rara da natura;

Estas virtudes e outras muitas mais,
Dinas todas da homerica eloquencia,
Jazem debaixo d'esta sepultura.

1

A emoção moral que este Soneto exprime é traduzivel na incomparavel melodia de Beethoven In questa tomba oscura... 0 poeta alcançava um ascendente moral entre os cavalleiros da expedição, mas feria inconscientemente o governo da India que se afundava na expoliação desvairada e nas fraudes de todo o funccionalismo. Fôra em D. Henrique de Menezes, septimo Vice-Rei da India, que acabara a pleiade d'esses extraordinarios caracteres que cimentaram o Imperio portuguez no Oriente. Largando de Cananor, tocou a Armada em Cholé, chegando á barra da ria de Cochim, onde com o capitão João da Fonseca, se fez conselho sobre a fórma do ataque. Como o rei de Chembé estava bem armado, aconselhou o capitão de Cochim que lhe arrasassem o Pagode de Baiqueta e destroçassem todos os palmares. A Armada tendo ancorado defronte de Tecancute, e feito o desembarque com pequenas galés, como refere Couto: «começou a assolar e destruir e pôr a ferro e fogo todas aquellas ilhas d'aquella parte, matando e ca

1 Escreve Pedro de Mariz, segundo os testemunhos contemporaneos: « Mas nella (India) foy sempre muyto estimado, assi polo valor de sua pessoa na guerra, como pola excellencia do seu engenho.»

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