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ptivando muita gente, e depois de não haver cousa alguma de pé, se tornou a embarcar para a Armada.» Assegurada a victoria, a Armada voltou para Cochim, onde se carregavam as Náos para o reino; alli chegaram depois os emissarios do rei da Pimenta a pedir paz e acceitando todas as condições. Storck fundado em computos de Diogo de Couto, conclue: Toda a expedição desde a sahida de Gôa até ao regresso durara entre oito e doze semanas, de fins de Novembro a principios de Fevereiro.» (Vida, p. 512.) Vê-se por tanto que Camões não quiz alardear valentias nos versos em que descreveu a expedição; e isto explica-nos porque é que Diogo do Couto na Decada VI não incluiu o seu nome entre os outros guerreiros: elle não se fazia lembrado, como os demais usavam. O filho do Vice-Rei, D. Fernando de Menezes teve de recolher a Gôa mais cedo para preparar a Armada do Norte, que no começo do anno de 1554 tinha de ir fazer o cruzeiro em uma das estações contra a pirataria dos Arabes, ou no Golfo Persico ou no Estreito do Mar Roxo. Era o commando de uma Armada uma distincção que gosavam os filhos dos Vice-Reis, como o declara Diogo do Couto no Soldado pratico: «Os filhos dos Viso-Reis têm outra

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1 Sobre estas omissões de Diogo de Couto, sendo aliás amigo de Camões, escreve D. Francisco Álexandre Lobo: «um d'aquelles mysterios que deixam perplexa a critica mais aguda, e em cuja explicação me parece superfluo consumir tempo e diligencia.» (Mem., p. 204.) Couto trabalhava sobre dados officiaes e informações pessoaes que lhe forneciam.

preeminencia, e lhes têm os homens outro respeito para folgar de servir com elles; e ainda isto não bastou, que sempre nas Armadas que foram, eu vi que as mandavam acompanhadas de Fidalgos velhos e experimentados na guerra, como v. s. pode saber pelos que se acharam com D. Fernando no desbarato das Galés dos Turcos.» (p. 45, 1.a red.) Camões acompanhou o filho do Vice-Rei D. Affonso de Noronha n'esta Armada; parece que o joven commandante o estimava, porquanto o poeta o compararia com o seu parente Dom Henrique de Menezes, que foi ViceRei da India aos vinte outo annos:

Outro Menezes... cuja edade

E' maior na prudencia que nos annos,
Governará, e fará o ditoso Henrique,
Que perpetua memoria d'elle fique.

Não vencerá sómente os Malabares, .
Destruindo Panane com Coulete,
Commettendo as bombardas, que nos áres
Se vingam só do peito que as commette,
Mas com virtudes certo singulares
Vence os imigos de alma todos sete,
De cubiça triumpha e incontinencia,

Que em tal edade é summa de excellencia.

(Lus. x, est. 54-55.)

Estas comparações da edade e da virtude, longe de lisongearem o Vice-Rei, feriam-no inconscientemente, por que o poeta ignorava toda a fraudulenta administração de Dom Affonso de Noronha. Camões revelou a sua decepção, quando ouviu e soube vêr o que se passava em volta de si.

A Armada do Norte, que em Fevereiro de 1554 tinha de partir de Gôa em expedição ao

Estreito de Méca com ordem de ir invernar no Golfo Persico para esperar as galés que sahiam de Bassorá em Agosto, era composta de seis galeões com 1200 homens, de seis caravellas e de vinte e cinco fustas. (Couto, Dec. VI, 1. 10, c. 18.) Em quanto se chamavam os soldados, se equipavam a capricho, e se provia a Armada de mantimentos para outo mezes, demorou-se Camões n'esse curto periodo em Gôa, ainda distrahido com o espectaculo de tudo quanto o rodeava:

Vendo nações, linguagens e costumes,
Céos varios, qualidades differentes,
Só por seguir com passos diligentes
A ti, Fortuna injusta...

Cabe aqui um pequeno quadro da vida de Gôa e do seu aspecto, tal como a vira Camões, e como nol-a representa o viajante hollandez Linschott com todo o seu realismo descriptivo:

« A cidade de Gôa é a capital de toda a costa da India oriental, onde os Portuguezes estancêam. O que torna esta cidade afamada é a residencia que ahi faz o Vice-Rei em nome do rei de Portugal. E' tambem ahi a séde do Arcebispo e do Conselho real, que estende a sua auctoridade por quasi todas as regiões do Oriente. Ahi se fazem feiras e mercados, onde se encontram todas as mercadorias do Levante, e a que concorrem grande numero de mercadores da Arabia, Armenia, Persia, Cambaia, Bengala, Pegu, Sião, Malaca, Java, das Molucas, da China, e de outras paragens, concorrendo ahi tanto para venderem como para comprarem. Gôa está cercada de um rio que corre entre a Ilha e a costa, conservando

uma mesma largura no espaço de tres leguas, que é o que tem de extensão a ilha do lado da terra firme; depois torneada para dentro do lado septemtrional da cidade; d'ahi por um circuito quasi em fórma de crescente vae para o mar do lado do meio-dia. Entre a ilha e a terra firme ha algumas outras ilhotas habitadas por naturaes do paiz. Em certos sitios a agua é tão baixa de uma das costas da ilha, que se poderia facilmente passar a váo, no verão, em cujo sitio a ilha está defendida por um Forte levantado outr'ora pelos portuguezes para impedir as correrias dos habitantes da terra firme, que andavam quasi sempre em guerra, tendo Hidalcão planeado estabelecer assedio d'este lado da embocadura. Do lado septemtrional da ilha é a terra de Bardez, cuja altura serve de defeza e de protecção aos Navios portuguezes, que descarregam com mais segurança. Esta terra está sob o dominio dos Portuguezes, contendo muitas aldeias habitadas por aldeãos chamados Canarins e que são na maior parte christãos, andando não obstante nús, segundo o seu antigo costume, tendo apenas cobertas as partes pudendas. A palmeira da India, que dá as nozes de côco, cresce ahi abundantemente como nas outras ilhas da embocadura. Esta ilha de Bardez é separada da terra firme por um estreitissimo riacho. Na costa meridional da ilha de Gôa vê-se uma outra ilhota chamada Salsete, que pertence egualmente aos portuguezes, tambem com habitantes parecidos aos de Bardez e com fructos semelhantes... As ditas terras de Bardez e de Salsete são arrendadas em nome de El Rei,

para as despezas do Arcebispado, dos Conventos, do clero, como do Vice-rei e de outros officiaes do Rei, que são pagos pela renda annual d'estas ilhas por privilegio real. Quanto á ilha de Gôa propriamente, é muito montanhosa e em alguns sitios tão lamacenta, que com difficuldade se póde ir a pé até á embocadura da ribeira.- Pela pouca fundura da ribeira, os navios de cem toneladas são forçados a descarregarem em Bardez.

« A cidade é ornada de bellos edificios á moda dos de Portugal, mas não tão altos por causa dos calores. Detraz das casas vêem-se geralmente jardins e vergeis cheios de fructas da India de toda a especie. Tambem os ha muito agradaveis, que servem aos portuguezes de passatempo, e onde as indianas se recreiam. E' embellezada de templos e mosteiros de todas as ordens, nem mais nem menos que Lisboa. Mas não ha nenhum convento de freiras, por que é difficilimo submetter os indios ao jugo da castidade...»

« Os Portuguezes têm ahi as mesmas leis e costumes de Portugal, e ahi permanecem misturados com indios, pagãos, mouros, judeus, armenios, guzerates, banianos, birmanes e outros povos das Indias, que frequentam e habitam ahi com liberdade da sua religião, salvo que lhes é prohibido queimar corpos humanos mortos ou vivos, nem as cerimonias dos seus casamentos, nem outras superstições diabolicas...

« A ilha não produz quasi nada do que é necessario á vida, sómente ha ahi algum gado, gallinhas, cabras e pombos; o terreno é deserto, esteril e pedregulhento, improprio

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