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para cultura, de sorte que tudo quanto é preciso para a alimentação vem de Salsete e Bardez e principalmente da terra firme.

« Os cereaes, o arroz e outros grãos e tambem o azeite e outras cousas necessarias são trazidas por mar dos paizes estrangeiros, como de Cambaia, do Malabar e outros logares. O vinho de palma ahi se fabrica, podendo exportar-se com abundancia. Ha em Gôa pouca agua potavel, e essa só se encontra em uma fonte chamada Baganin a um quarto de legua da cidade; todos os habitantes bebem d'ella, e lá mandam os seus escravos buscal-a em talhas de barro, as quaes vendem pela ilha. Quanto á agua necessaria para cosinhar a carne e para lavar, ha nas casas póços d'onde a tiram.

<< Ha tambem na cidade de Gôa encontro diario e ajuntamento de habitantes e estrangeiros das Indias e outras nações visinhas, como na Bolsa de Anvers, mas com alguma differença: nobres e plebeus misturam-se com os mercadores, e todas as cousas ahi se vendem como em um mercado ou feira. Este ajuntamento diario executa-se todo o anno, excepto nos dias de festa, empregando algumas horas antes da missa... Os pregões das cousas que estão para vender fazem-se na rua principal chamada Rua Direita; chama-se-lhe Leilão. Os que ahi concorrem trazem correntes de ouro, perolas, anneis e outras joias, trazendo uns ranchos de escravos de um e outro sexo que são para vender, facilitando a escolha aos compradores... Acham-se ahi tambem cavallos da Arabia, drogas e especearias de toda a sorte, gomma odorifera,

bellas tapeçarias, e infinitas outras curiosidades de Cambaia, Sinda, Bengala, da China e outras partes. Tambem ahi se trazem os espolios dos falecidos para serem vendidos com pregão publico sem distincção de pessôa, de tal modo, que mesmo que o Vice-rei morresse, os seus bens seriam logo postos em almoeda, para que o direito dos pupillos e das viuvas ficasse melhor guardado e as dividas se pagassem. E o que torna este mercado tão celebre, porque acontece muitas vezes n'este logar que muitos pelo vehemente calor e injuria do ár, assim como falta de regimen na alimentação, ahi são arrebatados de morte subita:» (Cap. xxix, p. 37.)

A vida de Camões em terra pode bem ser conhecida pelo que Linschott escreveu dos soldados em Gôa e que Pyrard repetiu mais pittorescamente: «Elles vivem em commum muitas vezes aos dez ou doze, na mesma casa, tendo um servo commum ou dois para lhes escovar o fato. Entre os moveis do seu aposento tem cinco ou seis cadeiras, uma meza e um leito, conforme o numero. Sua comida é arroz cosido com agua, peixe salgado e outras cousas de pouco valor sem pão; sua bebida é agua da fonte. Servem-se de dois ou tres fatos em commum, que vestem quando sáem, emquanto que os que ficam em casa apenas se contentam com a camisa e roupas brancas por causa do calor do dia. (p. 61.)

<< Em relação aos privilegios e immunidades da cidade, ninguem pode gosal-os se não fôr casado ou chefe de familia, ou soldado pago, o que é um muito honesto estado. Porque estes soldados não estão sob commando,

nem adstrictos por juramento a alguma companhia; esta maneira de arrolar a gente de guerra não é usada nas Indias. E quando os Portuguezes chegam ás Indias, é-lhes livre ir para onde lhes apraza, sem obrigação de se fixar em um ponto. Comtudo os seus nomes e soldos que devem receber são apontados em Portugal em um Rol que é enviado todos os annos ás Indias com os navios. >>

E' este o aspecto o aspecto da pobreza em que viveu Camões na India, a que alludem os biographos, em contraste com a opulencia dos jovens fidalgos privilegiados. A sahida na Armada do Norte parecia-lhe um refugio para as calmas e impaludismo de Gôa, e é com um certo espirito marcial que dirige um Soneto ao joven commandante D. Fernando de Me

nezes:

Illustre e digno ramo dos Menezes,

Aos quaes o providente e largo Céo
(Que errar não sabe) em dote concedeu
Rompessem os mahometicos arnezes;

Desprezando a Fortuna e seus revezes,
Ide para onde o Fado vos moveu;
Erguei flammas no Mar alto Erythreo,
E sereis nova luz aos Portuguezes.

Opprimi com tão firme e forte peito
O Pirata insolente, que se espante
E trema Taprobana e Gedrosia.

Dae nova causa á côr do Arabo Estreito,
Assi, que o Roxo mar, d'aqui em diante
O seja só com sangue de Turquia.

(Son. vi.)

Este Soneto fôra escripto antes da partida da Armada, exprimindo ainda os venturosos

augurios; é certo que já Camões não estava em Gôa, quando se fizeram as apparatosas festas pela chegada dos ossos de San Francisco Xavier e sua inhumação no Collegio de San Paulo. D'essas festas falla o P.e Belchior em uma carta: «depois de alguns mezes o levaram para Gôa... Chegado o corpo a Gôa, o sahiu a receber toda a cidade até o caes, e com grande solemnidade o pozeram no Collegio de San Paulo, da Companhia de Jesus, e deixando os do povo de trabalhar alguns dias pela alegria, acudiu tanto numero de gente a visitar o corpo, que conveo pela quietação, Padres e Irmãos tornal-o outra vez a meter ao caixão... Não escaparia á emoção de Camões este enthusiasmo publico passado em 13 de fevereiro de 1554, se elle ainda estivesse em Gôa; é justa esta conclusão, que Storck tira da de «não existirem versos seus em celebração do acto solemne. > (Vida, p. 524.) Esta expedição ao Estreito de Meca foi ter o seu principal campo de acção no Golfo Persico; d'aqui, o syncretismo de uma só expedição em 1554, em que a Armada do Norte não estacionou no Guardafui, não tendo por isso o poeta a oppressão de um cruzeiro atroz como aquelle que lhe inspirou a assombrosa Canção x: Junto de um seco, duro, esteril monte...

O Dr. Storck, não destacou as duas Expedições navaes no Estreito de Meca: a que combateu e estacionou depois no Golfo Persico em 1554, e aquella que em 1555 se passou na es

1 Mem. e hist. da Academia, t. x, P. 1, p. 115.

tação ou cruzeiro do Monte Felix. E' notavel como a observação psychologica leva a achar a incongruencia historica e a discriminal-as: na primeira Expedição está Camões animado do espirito marcial que lhe inspira o Soneto a D. Fernando de Menezes, o joven commandante filho do Vice-Rei; na segunda Expedição manifesta-se uma profunda desolação moral sob a calmaria e doenças pestilenciaes do prolongado cruzeiro, em que toda a sua insondavel angustia se expande na incomparavel Canção x. Como se operou esta alteração no seu espirito? As causas d'este abalo decisivo deram-se por factos que historicamente discriminam as duas expedições

navaes.

B) Os dols Cruzeiros na Armada do Norte: no Golfo Persico (1554) e no Estreito de Meca (1555)

A situação em que se achava o Imperio portuguez na India, sustentando-se pelas suas Armadas, esclarece-se pela acção da Inglaterra no meado do seculo XIX, luctando ainda com os mesmos factores. Em um estudo O Mar Vermelho e o Golfo Persico, encontram-se elementos e considerações que fazem bem comprehender pelo proceder de Inglaterra a resistencia portugueza: A necessi dade de reprimir a pirataria tem sido um pretexto para intervir nos negocios dos pequenos estados do litoral do mar de Osman; os Arabes não se mostravam menos ardentes em pilhar os navios, do que as caravanas. A seus olhos os marinheiros hindus são pagãos, os navegadores europeus infieis, os navega

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