dores persas scismaticos; isto assente, os Arabes faziam o côrso com as suas pezadas barcas armadas de dois canhões. Os negociantes de Benchir e de Bassorá eram arruinados pelos piratas, continuando esta situação até que os Inglezes, com os recursos modernos da navegação a vapor se impozeram de uma fórma definitiva. O que se estava passando em 1844 era em tudo semelhante ao que os portuguezes affronta vam no seculo XVI, tendo contra si as monções que lhes fechavam os Estreitos; occupavam os mesmos pontos estrategicos. Lê-se no referido estudo: A Inglaterra que monopolisa o commercio do mundo, tem sempre na lembrança que ha duas vias pelas quaes a Europa communica de uma maneira mais directa com as Indias: o Mar Vermelho e o Golfo Persico; ella sabe que por esta dupla via o Occidente recebia outr'ora os productos do Oriente. Importa mais a esta nação do que a todas as outras reunidas o tornar praticaveis e seguras estas paragens, que se descuravam desde a decadencia do commercio veneziano e os Descobrimentos dos Portuguezes.» 'Eram justamente estes dois pontos que os Vice-Reis da India occupavam annualmente por um Cruzeiro de outo mezes pela Armada do Norte. Linschott falla da formação d'esta Armada, com particularidades que illuminam para nós hoje a vida de Camões. Na entrada do verão, quando a neces 1 O Mar Vermelho e o Golfo Persico. Revue des Revues, t. II, 1844. sidade impõe que se equipe a Frota para libertar o mar dos piratas malabares, escumadores do mar e grandes inimigos dos Portuguezes, pouco mais ou menos pelo mez de Septembro publica-se o embarque ao som de tambor, a fim dos que desejam ir para o mar venham receber a sua paga. E então o VisoRei estabelece um General, abaixo do qual estão todos os outros chefes e capitães particulares tendo o commando das galés e fragatas, tripuladas por cem homens aquellas, e estas por trinta. Todos estes recebem os seus soldos aos trimestres conforme a matricula e grão do seu officio. O simples soldado recebe sete pardáos, que valem tres tostões, moeda de Portugal. Esta Armada estaciona no mar e espia os Piratas até ao mez de Abril, impedindo que exerçam alguma hostilidade. No fim de Abril recolhe a Gôa, por que então começa o inverno n'estas paragens. Acabada esta viagem, os soldados recebem a sua baixa e podem retirar-se para onde quizerem, e não recebem mais paga do rei.» (p. 59.) No livro da Fazenda da India encontra-se nota do mantimento que competia por mez a estas Armadas, com as rações de cada soldado; ' estes factos apparentemente sem interesse revelam-nos o tratamento a que resistiu Ca 1 Biscouto, 1 arratel por dia; carne, o mesmo; arroz, 2 medidas a cada pessoa; manteiga, 1 canada por mez; azeite, 1 quartilho por mez; assucar, 1 arratel, id; vinagre, 1 quartilho id; litões, 16 peças id.; peixe serra, 1 por mez id.; 1 Vaca (de Gôa) 5 arrobas. Meio cruzado a cada pessoa por mez para conducto dando-se-lhe só biscouto. mões. Não é menos curiosa a maneira como se equipavam as Armadas, dando-nos ao vivo o meio em que o poeta gastou os cinco annos de serviço militar a que estava obrigado. Nas Memorias de um Soldado da India descreve Silveira como se apparelhavam as Armadas: Chegado o tempo de fazer Armada, a que precedem sempre muitos avisos que cada dia ora de uma parte ora de outra vem de navios de Corsarios que são sahidos e de muitos damnos que têm feito; nomêa o Viso-Rei ao Capitão-mór... com a somma de galés e navios, e assim os demais capitães, dando-lhes copia de soldados que se devem embarcar; que são de ordinario a trinta por navio e sessenta por galé... << Depois de publicados os capitães da Armada, emquanto se fornece de bastimentos, munições e de chusma, a qual muita vez se faz de negros tomados aos seus donos pelas ruas com grandes forças e extorsões, precedendo outro numero de desordens... têm cuidado nossos Capitães (que sempre são fidalgos, e alguns sem ponta de barba, chegados aquelle mesmo anno de Portugal) de adquirir para seus navios aquelles soldados que mais bem vestidos e galantes encontram pelas ruas, procurando logo saber-lhes as pousadas onde os vão obrigar com suas visitas e promessas e dadivas.» Esta classe constava, como escreve Silveira, «na maior parte d'estas de adulteros, malsins, alcoviteiros, ladrões de noite, homens que acutilam e matam por dinheiro, e outros de semelhante raça. (p. 20.) « Como nossos Capitães têm o numero de soldados que cada um deve levar, se tocam os atambores, e se vão chegando aos paços do Viso Rei, onde se faz o pagamento, e se dá a cada soldado a quarta parte do que em cada um anno tem de soldo, conforme á usança de Portugal e ao assento que se lhe fez em Lisboa na Casa da India; revolvendo, primeiro que se lhe meta na mão o dinheiro, muito maior copia de Livros do que tem um famoso jurisconsulto. < Recebida esta paga (a que os portuguezes chamamos quartel) que no geral serão dez xerafins, e valerão pouco menos de tres mil reis; lança-se o pregão pela cidade pelo qual se manda embarcar, limitando o dia e a hora precisamente; e se embarcam todos, cada um com as armas que póde ou quer levar. O que tem vestido e camisas bastante para outo mezes, que de ordinario se anda na Armada, compra com os dez xerafins de sua paga uma espingarda, e o que não tem vestido e camisas compra aquelle até onde pode abranger o dinheiro, e leva uma espada e rodela: outros levam cada um sua alabarda; e alguns pretendem andar nas galés e nos navios bem ataviados, e sahir em os portos ou terra de paz mui vestidos e galantes, ainda que não tenham com que pelejar ao tempo de menear as armas. Outros ha que, ainda que possam levar espingarda, por fidalguia e doçura querem antes uma rodella e uma espada curta de bom córte com uma guarnição prateada. Com esta soldadesca, assim apercebida e armada á eleição de cada um sáem as Armadas de Gôa, indo cada navio a volumado de caixas, canastras, tarros, jarras, barris e cheio de môços e negros...> (p. 21.) Seguir a marcha da Armada do Norte commandada pelo joven D. Fernando de Menezes, que se dirigiu de Goa para o Estreito de Meca ou costas do Mar Vermelho, é tomar conhecimento da vida aventurosa d'esta empreza contra os piratas malabares, em que combatera Camões. A derrota seguiu para a costa da Arabia, pairando junto do Monte Felix, o Bar-ef-Fil, esperando as náos de Achem, Malaca e Cambaia carregadas de ricas mercadorias: ouro, cobre, pedras preciosas, betel, enxofre, benjoim, camphora e pimenta. Pelas fustas que foram á exploração do Estreito, soube-se que no porto de Meca estavam algumas galeotas, e por se entrar em Abril no periodo da invernia trataram de irem estacionar a Ormuz, cujo Estreito communica o mar da Arabia com o Golfo Persico, onde existe o principal centro de commercio em Bassorá. Navegando para leste sem encontrarem corsarios, quasi a meio da costa perto de Dofar foram atacar os Fartaquins, com grandissimo perigo no desembarque dos bateis, saltando os soldados ao mar e avançando com fuzilaria contra os Fartaquins que resistiram em numero de trezentos em cavallos e elephantes. Como pela grande resaca a artelheria, não pôde ser desembarcada, abandonando-se o plano de assalto á fortaleza, embarcaram outra vez, costeando a Arabia Felix, passaram o cabo de Rosalgate e foram dar fundo a Mascate, centro de commercio importante na ponta avançada da Arabia do lado da India e á entrada do Golfo Persico. |