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de Camões para a China é cheia dos maiores absurdos pela sua descoordenação. Vê-se que colligira tradições que confundiu, com plena ignorancia historica. Pelo espirito d'essa tradição, esclarecido pelos conhecimentos historicos, é que nos poderemos approximar da verdade.

E' certo que o poeta obteve um provimento, e com o intuito de que o provimento foi para ver se o podia levantar da pobreza em que sempre andava envolto.

Foi esse provimento nas partes da China; e por elle lá grangeou a enchente de bens. O provimento feito por Francisco Barreto para beneficiar Camões pelos seus serviços só podia ser uma viagem de mercê na carreira da China, em que então no negocio da seda se ganhava outenta por cento.

A' lenda em que Mariz fez Camões preso na India pelo Governador Francisco Bar. reto, accrescentou Severim de Faria o fundamento imaginario, que depois passou como definitivo, attribuindo a causa á Satira do Torneio: « chegando Luiz de Camões a Gôa, fez aquella Satira contra alguns moradores d'aquella cidade, com o titulo de Festas que se fizeram na successão do Governador, do que sentindo-se Francisco Barreto ou por zelo da justiça ou por queixas dos amotejados, o

1 Os absurdos começam quando particularisa o despacho no cargo de Provedor dos Defunctos em uma epoca muito anterior áquella em que Macáo começou a ser habitada pelos Portuguezes; sendo depois preso por Francisco Barreto, quando eram necessarios tres annos para que chegassem a Gôa as accusações e se dessem as ordens para serem a final cumpridas.

mandou prender e desterrar para a China, no anno seguinte de 1556, em que despachou alguns Capitães para o Sul.»>

Não era possivel tanta severidade e malvadez contra Camões, sómente por lhe attribuirem uma descripção picaresca de um Torneio, que passara de poucas mãos era inteiramente impessoal. Dos textos poeticos em que se estribara Severim de Faria, observa o Dr. Storck: « Em todas as Obras de Camões não ha uma linha que falle directa ou indirectamente do desterro e prisão decretados por Barreto.» (Vida, p. 543.) D'aqui resultou, que todos os biographos atacaram a fundo Francisco Barreto como ferrenho perseguidor de Camões, acobertando o seu odio com o despacho do Provedor dos Defunctos para Macau (então inhabitado e pertencente ao Imperio da China); apenas Juromenha, reconhecendo o valor moral de Francisco Barreto, attribuiu esse hypothetico despacho á boa vontade com que o quiz salvar dos seus inimigos de Gôa. Já Faria e Sousa notara o contra-senso: « Pero yo no puedo entender como Francisco Barreto le desterrou con tanta comodidad, pues le executaba con tanta ira.

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1 Sobre o facto da nomeação de Camões para Provedor dos Defuntos e Ausentes em Macau, escreveveu judiciosamente o Dr. João Teixeira Soares, reclamando uma séria reconstrucção n'este periodo da vida de Camões:

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O logar de Provedor dos Defuntos e Ausentes ali, foi logo desde o seu comêço mui importante pelas qualidades de intelligencia e de caracter que exigia na pessoa que o desempenhasse.

Lançados, como vimos, os primeiros fundamen

Ha n'este sonhado odio de Francisco Barreto a confusão com a hostilidade de Pedro Barreto Rolim, sobrinho do Governador, que em Moçambique mais tarde perseguiu o poeta por uma divida, como refere Couto.

Antes de partir na Armada do Sul, nos poucos mezes de descanso em Gôa de Septembro de 1555 a Abril de 1556, o poeta trabalha na sua Epopêa, e já lhe fixara o titulo; sabe-se pelo traslado do primeiro Canto, compilado por Luiz Franco Corrêa no seu Can

tos áquella povoação em 1557, só no anno de 1558 podia Camões partir de Gôa para Macau revestido d'aquella auctoridade.

A navegação de Gôa para ali era feita com escala por Malaca, e por monções em determinadas epocas do anno; assim, eram as relações annuaes entre Goa e Macau poucas. longas e demoradas

A duração do cargo de Provedor, segundo o principio geral então seguido na nossa administração publica, devera ser de tres annos.

Francisco Barreto governou a India, desde 23 de Junho de 1555 até 8 de Septembro de 1558. Attribue-se a Francisco Barreto a nomeação de Camões para aquelle cargo, e bem assim a sua revocação d'elle, depois de dois annos de serviço: chegando o poeta a Goa nos ultimos tempos d'aquelle Governador

<< Estes factos confrontados com a chronologia inconcussa que estabelecemos ficam grandemente dissolvidos e insubsistentes, carecendo esta parte da vida de Camões de uma séria e profunda reconstrucção.

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Só uma ideia fixa e systematica de malquistar Camões com Francisco Barreto podia estabelecer taes factos, chegando a auctorisar-se contraproducentemente com o proprio Fernão Mendes Pinto, para fazer Camões sahindo em Março de 1556, na armada de Francisco Martins para Macau, ainda n'esse anno Ilha deserta! (Cousas camonianas · Velense, n.o 51, de 8 de Janeiro de 1582.)

cioneiro, onde tem o titulo: ELUSIADAS de Luis de Camões, a El Rey D. Sebastião. A ideia da dedicatoria revela uma emoção primeira, substituindo o Principe Dom João, para cujo talento por essa fórma se queria fazer lembrado. E' certo porém que a dedicatoria não foi mantida na publicação definitiva do poema em 1572. Assim como o titulo da Illiada era derivado da fortaleza de Illion, Camões tambem pensou em derivar a denominação de Lusiadas do territorio, em que se desenvolveu a nacionalidade, como o dá a entender:

Seguindo as armas que contíno usou,
Do Douro e Guadiana o campo ufano
Já dito ELISIO, tanto o contentou,
Que alli quiz dar aos já cansados ossos
Eterna sepultura e nome aos nossos.

(Cant. vii, est. 3.)

No titulo definitivo, seguiu depois Camões a maneira virgiliana (Eneida de Enéas) adoptando o patronymico do heroe, e de Luso ou Lysa, (Cant. III, st. 21) deixando a fórma Lysiade, já determinada pelo humanista Jorge Coelho e pelo jurisconsulto Manoel da Costa, o Sutil, escolheu a de Lusiadas, creada em 1531 por André de Resende quando esteve em Bruxellas junto do illustre diplomata Dom Pedro de Mascarenhas, a quem dedicara o poemeto Vicentius, Levita et Martyr. 1 O

1 D. Carolina Michaelis, Lucius Andreas Resendius, inventor da palavra - Lusiadas. - Dr. José Ma ria Rodrigues, no Instituto, de Coimbra, vol. LI, p. 754.

pensamento da Epopêa, em que se absorvia, suscita va-lhe a vontade de visitar o Extremo Oriente, para completar pelas impressões da realidade a descripção da Asia, que tinha de contrapôr á da Europa. A resolução de se alistar na proxima Armada do Sul, não obedecia á preoccupação dos lucros mercantis da carreira da China. Vivendo n'aquella fórma que descreve Pyrard, com companheiros de armas, de porta aberta, e em convivio franco e alegre, Camões trasladava os seus versos e esboçava planos de trabalhos para as horas de isolamento e como um refugio moral. Mas aquella natureza oriental, que pouco o impressionava com a exhuberancia da sua vegetação opulenta, seduzia-o, fascinava-o pelos typos acariciantes da sua feminilidade; passavam diante d'elle essas figuras phantasticas e encantadoras de raparigas indianas, malayas, javanezas, dravidas e malabares desde o branco eburneo á côr retinta, quasi metallica, enfeitadas com arrecadas e manilhas de ouro, com um olhar languido convidando a paraisos de volupia. Linschott descrevendo a vida de Gôa, em que os portuguezes viviam á custa do trabalho dos seus servos que vendem agua pela cidade, accrescenta: «As cativas fazem toda a qualidade de dôces das fructas da India, tratam de roupa branca, de diversas peças que ellas mesmas vão vender ao mercado, onde apparecem bem paramentadas, para tornarem mais agradaveis aos compradores as suas pessoas, a que não põem nenhum embaraço, de facultar por dinheiro. D'este ganho se enriquecem os seus patrões com que sustentam suas familias.» Pyrard

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