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tor maritimo. Elle batalhara ao pé do Atlas, no imperio de Marrocos; tinha combatido sobre o Mar Vermelho e no Golfo Persico; duas vezes dobrara o Cabo, e durante dezeseis annos, penetrado de um profundo sentimento da natureza, elle tinha escutado attento sobre as ribas da India e da China, a todos os phenomenos do Oceano. Descreve-nos o fogo electrico de Santelmo, que os antigos personificavam sob os nomes de Castor e Pollux. Elle chama-lhe: «O lume vivo, que a maritima gente tem por santo»-e pinta a formação successiva de trombas ameaçadoras e mostra

como nuvens tenues se condensam em um vapor espêsso que se enrola em spiral e d'onde desce uma columna que suga avidamente as aguas do mar; como esta nuvem sombria, quando está saturada recolhe em si o pé do funil, e voando pelo céo, espalha a agua doce nas ondas do mar, que a roncadora tromba lhe tinha tomado.

«Camões não se mostra sómente um grande pintor na descripção dos phenomenos isolados, elle realça tambem em abranger as grandes massas de um simples relance. O terceiro canto do seu poema reproduz em alguns traços a configuração da Europa, desde as frias regiões do Norte até ao reino da Lusitania e ao Estreito onde Hercules realisou o seu ultimo trabalho. Por todo elle faz allusão aos costumes e á civilisação dos povos que habitam esta parte do mundo tão ricamente articulada. Da Prussia, da Moscovia e dos paizes que lavam as aguas frias do Rheno, (que o Rheno frio lava) passa rapidamente ás planicies deliciosas da Grecia,-que creas

tes os peitos eloquentes, e os juizos da alta phantasia. No decimo canto, o horisonte alarga-se mais ainda; Thetys conduz o Gama a uma alta montanha para lhe desvendar os segredos da estructura do mundo (a machina do mundo) e o curso dos planetas, segundo o systema de Ptolemeu. E' uma visão contada no estylo de Dante; e como a terra é o centro de tudo o que se move com ella, o poeta aproveita a occasião para expôr o que se sabia dos paizes recentemente descobertos e das suas diversas producções. Não se limita, como fez no terceiro canto, a representar a Europa; todas as partes da terra são passadas em revista, mesmo o paiz de Santa Cruz (o Brasil) e as costas descobertas por Magalhães...

<Louvando sobretudo em Camões o pintor maritimo, quiz mostrar que as scenas da natureza terrestre o tinham menos vivamente attrahido. Já Sismondi notara que nada no seu poema indica que elle se demorasse a contemplar a vegetação tropical e as suas fórmas caracteristicas. Elle não menciona senão os aromas e as producções de que o commercio tirava lucro. O episodio da Ilha encantada, appresenta em verdade a mais graciosa de todas as paizagens, mas a decoração só se compõe, como competia a uma ilha de Venus, de myrtos, de cidreiras, de romanzeiras e de limoeiros odoriferos, tudo arbustos proprios do clima da Europa meridional. Christovam Colombo, o maior dos navegadores do seu tempo, sabe melhor gosar as florestas que bordam as costas e dá mais attenção á physionomia das plantas. Mas Colombo escreve um diario de viagem, e ahi consigna as im

pressões de cada dia, ao passo que a Epopêa de Camões celebra as emprezas dos Portuguezes.» O influxo das Navegações acordava-nos o genio esthetico em outras fórmas de arte.

Apesar de existir a influencia italiana na architectura em Portugal, desde que aqui se demorou André Contucci, de 1485 a 1494, conforme refere Vasari, sob o reinado de D. Manoel o gothico flammejante não cede o passo ás fórmas da architectura classica; em certo ponto assimilam-se, fundem-se, estabelecendo a transição para uma nova eschola. A ogiva gothica e o pleno-centro romano enlaçam a severidade com a elegancia; os ornatos abundantes do gothico terciario cobrem caprichosamente a simplicidade das ordens gregas. Fallando da sacristia da egreja de Belem, o artista Isidore Taylor, comparando-a á sala do Capitulo da cathedral de Senlis, nota-lhe: «a riqueza do gothico flammejante unida á graça e á sciencia dos mestres da Renascença. >

O viajante aventureiro Lichnowsky, passando por Portugal em 1842, notou no mosteiro de Belem a fusão de estylos architectonicos, que elle caracterisava como semi-mauresco-byzantino, semi-normando-gothico, mas através d'essa liga extravagante e confusa, via destacar-se de vez em quando «na primitiva pureza, uma peça qualquer das mencionadas architecturas, como triumphando completamente do contagio da liga estranha. »

1 Cosmos, t. II, p. 64 a 68. Trad. Galusky.

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Esses vestigios de uma pureza primitiva não podiam ser referidos pelo aventureiro viajante ao typo tradicional da raça lusa; e era isso o que fazia Rackzinsky sentir um encanto indefinido em uma immensa quantiIdade de edificios e ornamentos que se encontram em todas as provincias de Portugal.» Esse «estylo particular e caracteristico, que tanto participa do gothico como da renascença» chama-se manoelino por formar-se na época da maior vitalidade nacional, em que aconteceu reinar D. Manoel; mas é uma manifestação da raça acordada no seu genio e tradição esthetica. D'esta fusão tem os criticos da arte pretendido formar um quarto periodo do gothico, chamado quaternario ou gothico florido, a que em Portugal se deu o nome particular de Architectura manoelina. Emquanto em Italia e França se imitam servilmente os monumentos gregos e romanos, nós tornámos esse estylo de transição definitivo até ao tempo dos Philippes e da degenerescencia classica dos Jesuitas. Sob este aspecto é uma verdadeira originalidade; o mosteiro de Belem, o Convento de Thomar, a Capella imperfeita da Batalha, a egreja de S. Francisco do Porto, são modelos de um momento passageiro da feição gothica, substituida pela perversão do gosto jesuitico. Qual seria a rasão porque não seguimos a norma classica da Renascença? O artista francez Isidore Taylor define bem este caracter propriamente portuguez: Mas em Portugal este estylo não corresponde ao que assim é denominado em França ou mesmo na Italia; esta observação é commum a todos os munumentos d'este rei

no construidos pela mesma epoca. A architectura antiga e a architectura gothica ahi conservaram o caracter que ellas appresentam em toda a Europa; porém, o estylo da Renascença, tornou-se em Portugal um typo particular, que pertence á nação, typo de força e de graça, de riqueza e de originalidade, que não tem outro exemplar na historia da Architectura. Elle não surgiu completamente armado do genio portuguez; no emtanto elle produziu não menos de tres monumentos deliciosos, dos quaes se procuraria debalde por toda a parte o modelo e a copia. São Belem, Cintra, e Batalha. E' verdadeiramente a fusão do gosto oriental e do estylo occidental. A ornamentação, como os melismos na musica, é que dá ás nossas obras architectonicas o aspecto oriental; mas ha uma parte organica, tradicional, que se liga ao genio da raça lusitana, e é o que constitue a originalidade do estylo occidental. A grande acção historica da nacionalidade acordou todas as fibras ethnicas, e esta do genio architectonico não é a menos assombrosa.

Porque esse typo chamado manoelino era tradicional na raça, como se verifica em toda a região lusitana; depois, porque o desenvolvimento ornamental vinha exprimir os symbolos dos nossos Descobrimentos. A Architectura emquanto foi uma fórma espontanea da expressão do sentimento era toda symbolica; Hegel explica-a por uma comprehensão imperfeita das ideias abstractas. Nós, povo meridional, sem tendencias para a abstracção, adoptámos a fórma que melhor quadrava com o nosso genio expansivo e scismador.

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