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tambem descreve estes typos femininos com traços realistas, que nos fazem comprehender o meio em que se viu Camões empolgado: « Entre as escravas encontram-se alli raparigas e mulheres mui bellas e lindas, de todos os paizes da India, as quaes pela maior parte sabem tanger instrumentos, bordar, cozer mui delicadamente e fazer toda a sorte de obras, doces, conservas e outras cousas. Entre estas raparigas ha algumas mui bellas, brancas e gentis, outras trigueiras, morenas, e de todas as côres. Mas as de que alli gostam mais são as môças cafres de Moçambique... -As môças adornam-se muito para agradar mais e vender melhor a sua mercadoria; e ás vezes são chamadas ás casas, e se alli lhes fazem proposições amorosas, de nenhuma sorte se mostram esquivas, antes acceitam logo a troco de alguma cousa que se lhes dê.

Todas estas mulheres da India, assim christãs ou mestiças desejam mais ter trato com um homem da Europa, christão-velho, que com os indios, ainda em cima lhes dariam dinheiro, havendo-se por mui honradas com isso, por que ellas amam muito os homens brancos de cá, e ainda que haja indios mui brancos, não gostam tanto d'elles,» « não se vestem ao modo de Portugal, e usam grandes peças de panno de seda, que lhes servem de saias, e tem tambem roupinha de seda mui fina a qual chamam bajú. Entre estas escravas acham-se as mais lindas môças de todas as nações da India.»

A influencia d'este exotismo na alma de Camões ficou representada pela fórma encantadora da Endecha a húa cativa, com quem

andava de amores, na India, chamada Barbora. (Rim., fl. 159. Ed. 1595.) A mesma seducção encontrou na Asia Anquetil du Pérron, que só pôde oppôr á magia voluptuosa das bailadeiras a paixão profunda que o levava a descobrir a lingua zend e os livros sagrados da India. Camões era um homem da Renascença, e os heroes e philosophos da antiguidade classica incitavam-o a deixar-se seduzir:

Eu nunca vi rosa...
Em suaves mólhos,
Que para meus olhos
Fosse mais formosa.

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Rosto singular,
Olhos socegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar.

Pretidão de amor,
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a côr.
Leda mansidão

Que o siso acompanha,
Bem parece estranha,
Mas barbara não.

Como poderia Camões resistir a uma mulher que lhe cantava estrophes da apaixonada poesia popular indu e industanica? Um pad como este: Eu acordei pensando em ti, sem ti não hei contentamento...» bastava para accender-lhe todos os desejos. Escreveu Goëthe: «Que ventura é ser amado! E o amar, que ventura!» E' o caracter do temperamento

erotico dos grandes genios, como Raphael, Mozart e Goëthe, que sentiram o eterno feminino, através de tantos amores que lhe inspiraram as bellas concepções lyricas. Em Camões a exuberancia da sensibilidade affectiva levou-o a confessar que em amor nunca andou a um só rêmo. A mulher oriental, uma floração da feminilidade exotica, fascina-lhe os sentidos como um perfume acre que hallucina e adormenta. O poeta não podia ficar frio diante da flexuosidade voluptuosa d'aquellas curvas que vivificavam movimentos que o envolveram; nem d'aquelles olhares languidos de uma morbidez que magnetisa e quebra a vontade pelo desejo. Barbora era o typo da rapariga gentia nativa, de um moreno escuro, de uma raça inconfundivel com a negroide; braços e collo como de uma esculptura de bronze de uma correcção completa, ancas desenvoltas pelo habito das dansas hieraticas, que lhe davam a todos os movimentos uma flexuosidade felina, envolvente, completando a seducção pelo fulgor estonteante de uns olhos negros, azevichados que provocam um desejo infindo, que alumiam o sorriso da bocca pequena, orlada de alvissimos dentes com que mastigava as plantas aromaticas; um andar leve como de gazella solta; uma graça primitiva como de animal submisso, que se entrega á primeira caricia. Camões não podia resistir ás mulheres que o dominavam pela desconhecida espontaneidade e ternura com que se rendiam. O exotismo da raça é um dos fortes estimulos do amor, como o confessou Chateaubriand, nas Memorias de além da campa, justificando-se com Camões, do qual traduziu

algumas das Endechas á Barbora cativa. N'este trato dos amores, ha costumes orientaes que mais acirravam o goso. O Dr. Garcia da Orta, fallando do uso de mastigar o betel para perfumar o halito, diz que o usam « assi a mulher que hade tratar de amores, nunqua falla com o varão sem que o traga mastigado na bocca primeiro. E em um moderno escriptor goense encontra-se: «Consideram como um signal de sympathia e amisade receber da bocca de uma mulher um boccado de betle mastigado por ella.» Faria e Sousa, com o seu obtuso criterio de erudito compilador, deturpou esta figura graciosa da Barbora cativa fazendo d'ella uma escrava negra, inspirando uma paixão grosseira, sem a minima comprehensão da realidade ethnologica. O sr. Alberto Osorio de Castro, magistrado em Gôa, dá-nos a sua impressão viva sobre estas Endechas de Camões: « o mais encantador poema europeu á graça da mulher da India. Uma mulher india lh'os inspirou, sem nenhuma duvida, alguma pobre calavanthe, alguma gracil escravasinha calumbina.» Em Gaspar Corrêa encontram-se referencias ás bailadeiras, chamadas em concani e maratha Calavamt ou Calvant; eram Deva-Dassi ou escravas dos Deuses. A designação de Barbora cativa tem um sentido mais elevado e hieratico.

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1 Repositorio de Noções de Botanica applicada, p. 57. Hong-Kong, 1904.

8 A cinza dos Myrtos, p. 170.

3 O cativeiro era uma exploração mercantil; lê-se em uma carta regia de 1 de Março de 1543: eu sou enformado que muitas náos e champanes que partem

Não foi só na sentida Endecha que revelou Camões a sua fascinação pela mulher oriental; na Ode x o poeta como que se justifica de andar de amores com uma cativa. Vê-se pela fórma classica horaciana, e pelos -exemplos classicos que cita, que se dirigia a pessoas cultas que o increparam d'aquelle seu gosto. Tomando por comparação Achilles apaixonado pela cativa Briseis:

Alli se viu cativo

Da cativa gentil, que serve e adora;
Alli se viu, que vivo

Em vivo fogo mora,

Porque de seu senhor a vê senhora.

Se agora foi ferido

Da penetrante ponta e força d'herva,
E se Amor é servido

Que sirva á linda serva,

Para quem minha estrella me reserva?

O gesto bem talhado,

O airoso meneio e a postura,

O rosto delicado,

Que na vista figura

Que se ensina por arte a formosura;

Como pode deixar

De render a quem tenha entendimento?
Que quem não penetrar

Um doce gesto attento,

Não lhe é nenhum louvor viver isento.

dos portos de Ceylão levam moços e moças furtadas da terra a seus paes, e muitas escravas furtadas a seus donos. Para atalhar a estes raptos continuados na costa do Malabar e em Ceylão, promulgou D. João 1 a provisão supracitada, mandando que os navios portuguezes andassem munidos com a lista dos passageiros, etc.

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