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das as Armadas os vêem passear pelas ruas muito lustrosos, e não enforcam quatro para terror dos mais; etc.» (Sold. prat., 141.) Silveira, nas suas Memorias, tambem observa: < Assim hei visto eu; refusando os soldados de se embarcarem sem paga, mandal-os o Viso Rey caçar pelas casas e ruas, e levaremnos ao tronco manietados como se foram ladrões, e da prisão os metterem na Armada, faltos de armas e vestidos, por terem empenhado e vendido para comerem aquella invernada que a malgrado seu ficaram em Gôa, onde não tiveram outro, algum soccorro mais que do céo e o de sua boa ou má industria.» (p. 184.)

N'este inverno de 1555 para 1556 descançava Camões em Gôa n'essa situação que vimos descripta por Silveira; o Governador Francisco Barreto, para ver se o podia levantar da pobreza em que sempre andaya envolto, (como refere Mariz) deu-lhe ordem para embarcar na Armada do Sul ou das Molucas, provendo-o de qualquer trato, ou mercê de viagem. Não seria agradavel a Camões esta partida repentina quando estava no momento mais exaltado do seu amor pela Barbora cativa; d'ahi talvez a sombra de hostilidade do Governador Francisco Barreto, e a referencia nas II Outavas á rédea dura e ao

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1 Lê-se nas Memorias de um Soldado da India: «tratos e viagens, que até agora se costumavam dar em satisfação de serviços; por quanto os homens até aqui com esperanças de virem no fim dos trabalhos a participar d'este premio, não recusavam offerecer-se aos perigos...» (Op. cit, p. 247.)

seu pezado governo. A Armada do Sul ou das Molucas partiu em Abril de 1556, levando o novo Capitão de Malaca Dom João Pereira, filho do segundo Conde da Feira, que ia succeder ao falecido D. Antonio de Noronha, filho do antigo Vice-rei D. Garcia. Com esta Armada iam de conserva os navios que para o Sul partiram ao mesmo tempo, aquelle que o mercador Francisco Martins levava para o trato da China, e a náo Santa Maria dos Anjos, capitaneada por Antonio Pereira Brandão. Em que navio partiu Camões? Storck entende que foi no que levava o novo Capitão a Malaca: «E' provavel que o Camões embarcasse n'esta fróta e abordasse na cidade dos Malaios namorados, na primeira entrada de Maio...» Storck não chegou á prova clara d'esta verdade. A partida de Camões na Armada do Sul ou das Molucas, com direcção a Malaca, não deixando prevalecer as obscuridades do problema de Macau, leva á resolução segura d'esse outro intrincado problema de Ternate, do qual escrevia Dom Francisco Alexandre Lobo: «Severim refere com effeito a este anno (1556) a sahida para o Sul, com um dos Capitães dos despachados por Francisco Barreto, de que o Couto faz menção na Decada VII, liv. 4, cap. 3. - Não é incrivel, que n'esta jornada, passado o estreito

1 Vida e Obras, p. 566. Juromenha é de parecer que embarcara no navio do mercador Francisco Martins; Evaristo Leoni julga que o poeta embarcara na náo Santa Maria dos Anjos. Só quando estes factos isolados se collocam no quadro biographico é que adquirem verdade.

da Sonda, fosse ás Molucas e tocasse em Ternate: tem ao contrario probabilidade, que rasões de politica ou de commercio levassem alli o Capitão que o conduzia, ou que do navio em que sahiu de Gôa, fosse passar n'aquella ilha para outro, que motivos de commercio trouxessem tambem a Ternate desde Macau ou desde as paragens de Macau. Mas este é ainda um dos pontos da historia de Luiz de Camões em que a commum opinião me não parece fundada em decisivo argumento.» Uma interpretação mais segura e luminosa da Canção vi, dá-nos a prova irrefragavel da estada de Camões em Ternate de Septembro de 1556 a Fevereiro seguinte, época do anno em que retoma a actividade o seu vulcão latente. Abriu-nos. està luz o Dr. João Teixeira Soares, nas suas Cousas camonianas.

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Podemos seguir o roteiro da não em que partiu Camões em 1556: «na monção de Abril derrota de Gôa para Malaca, com escala por Cochim, que se faz a dez leguas ao mar, e d'ahi se governa a passar 20 à 25 legoas ao longo de Ceylão para fugir aos ventos do sul, que reinam por aqui debaixo da terra. Correndo depois para léste até vir ganhar longitude para ir demandar o Canal entre as ilhas de Nicobar e d'ahi embocar o Estreito de Malaca.» A manifestação naval em Malaca tornava-se uma necessidade imperiosa, porque, como diz Couto, no Soldado

1 Mem. citada, p. 189.

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Almeida Eça, Mem. da Acad., t. x. P. 1, p. 122.

pratico: de uma importancia é o Achem para segurança de todo aquelle mar, e de nossas Fortalezas de Maluco e Malaca, e trato da China e Japão, porque com sua Fortaleza em seu porto se segurava tudo; etc.» (p. 144.) O mercantilismo desvairado apoderara-se de todos os espiritos, desde os cargos da Justiça até ao governo das Capitanias, que já não eram dadas aos que prestavam os serviços militares. Escreve Silveira: «Provendo-se as Fortalezas da India em homens militares e não em mercadores, como agora se usa, é cessarem as guerras contra aquelle estado, por meio de se atalhar ao capital odio que todas as náos de mouros e gentios da India têm ao nome portuguez, a causa das gran des forças e aggravos que por ordem dos Capitães das Fortalezas em nossos portos lhes fazem.» (Mem., p. 163.) Era com estes odiosos Capitães-traficantes que ia Camões defrontar-se na viagem da China, exposto implacavelmente ao arbitrio irresponsavel do seu injusto mando. Duas linhas das Memorias de um Soldado da India esclarecem a brutalidade frequente d'estes conflictos. Em

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como

1 < os cargos da Justiça da India estam pedindo uns (sc Officios de mais bico-revolto, por todos serem do muito negocio e importancia, e em que os providos d'elles se fazem ricos em pouco tempo, tenham grossas ordinarias, e a terra consente serem todos mercadores da foleca até o grou, fazem suas fazendas, respondendo-lhes seus empregos melhor que aos outros homens pela necessidade que d'elles podem ter os que lh'as feitorisam » Soldado pratico, p. 17.)

2 « O Capitão de Malaca tem trato na China e para outras partes, de cuja carga e retôrno não paga direitos, nem seus creados e feitores.» (p. 167.)

Ternate (reino de Maluco) estava desde Novembro de 1555 por Capitão Duarte d'Eça, monstro de rapacidade sanguinaria, que á maneira do Vice Rei D. Affonso de Noronha que expoliara o Thezouro do rei de Ceylão, tambem encarcerara o rei de Ternate e toda a sua familia. A guarnição portugueza não se conformando toda com esta fórma de governo do Capitão Duarte d'Eça revoltou-se, havendo lucta armada, que se tornou sangrenta com a chegada da Armada de Gôa em Abril de 1557 e com a de outros navios vindos de Malaca. Foi de Setembro de 1556 a Fevereiro de 1557, que se viu Camões no meio d'estes violentos conflictos, chegando a ser ferido, como se deprehende das referencias da Canção VI, em que é eloquente a expressão de desolamento do seu espirito continuando o estado moral em que se vira no cruzeiro do Monte Felix:

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Nem é para que recitemos as insolencias dos Capitães de Malaca, aonde recebem drogas por um pezo grande e as tornam a vender por outro pequeno. E são absolutos senhores de todas as mercadorias que n'aquelle porto desembarcam. Elles as recolhem todas: elles as trocam : elles as pagam pelo preço que querem. Aos chincheos e jaus pagam com as fazendas dos mercadores da India, a estes com as dos jaus e chincheus; de maneira que ninguem é senhor de vender o que traz nem comprar o que hade levar, por que os Capitães abarcam tudo. Por esta causa engrandecem muito a excellencia d'aquella Fortaleza sobre todas as demais que sem tirarem dinheiro da bolsa, de uma mão para a outra, recebem os Capitães em cada monção os trinta ou quarenta mil cruzados... d'aqui nasce serem os portuguezes tão odiados para com todas aquellas nações do Sul. .» (Silveira, Mem. de um Soldado da India, p. 170)

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