de Ternate, em 1557, mostram-nos ter Camões tomado parte n'essa lucta. Sobre este ponto escreve o Dr. Storck : «Na epoca d'estas graves e funestas desavenças, que inquietaram durante dois annos o grupo das ilhas Molucas, é que na minha opinião recáe a estada do Poeta. — Mas nada arriscamos sup pondo que o procedimento de Duarte d'Eça o indignaria, causando-lhe profunda repu. gnancia. Bravo e valente como todos os seus compatriotas, teria tambem feridas que curar. O poeta pelojou portanto por mar nas regiões molucas.» ( Vida, p. 571-3.) Quando Humboldt, no Cosmos, caracterisa o sentimento da natureza expresso nos Lusiadas, deriva essa verdade das impressões immediatas recebidas por Camões: «Este caracter de verdade, que nasce de uma observação directa e pessoal brilha no mais alto gráo na Epopêa nacional dos Portuguezes. Sente-se exalar como um perfume das flores da India através d'este Poema escripto sob o céo dos tropicos, na gruta de Macau e nas Ilhas Molucas.» 'Os profundos conhecimentos geographicos de Alexandre de Humboldt dão ás suas palavras uma grande força comprobativa na interpretação definitiva da Canção vi. Camões percorreu as Ilhas das Especiarias, visitando a ilha da Banda, celebre pela sua producção da noz moscada: Tomo 11, p. 65. Trad. Galuski. Olha da Banda as ilhas, que se esmaltam *Cant. x, st. 133.) Depois de Ternate e Banda, era Amboina, que fechava o grupo em que se concentrava todo o commercio da especiaria. A provisão dada por Francisco Barreto a Camões para o levantar da pobreza em que sempre andava envolto, (Mariz) seria pois no trato das Molucas. Pela interpretação que démos a uma estrophe da Canção xvi, pareceu-nos vêr uma referencia á ilha de Amboina, formada por duas peninsulas montanhosas, entre as quaes, pela revolução geologica que as separou está á volta a bahia, que não ultrapassa setecentos metros; do lado da cidade, corre entre opulenta verdura para o mar uma ribeira. Agora a estrophe camoniana : Por meio de umas serras mui fragosas, No poemeto intitulado Historia da Arvore triste, em outava rima, acham-se algu , mas estancias com successos que só condizem com Camões, na sua passagem por Amboina: 1 Vid. retrò, p. 406, a interpretação de Juromenha. Impresso pela primeira vez na Fenir Renascida, t. iv, p. 1 a 33, com o nome de Francisco Rodrigues Lobo, por a ttribuição gratuita. . Depois, minha senhora, que partido Algumas terras vi, que andei vagando, Um dia pois, já tarde, que pousava Um Bramane, d'aquelles moradores, De muitas varias cousas foi tratando, - Agora (disse) attenta : (e apontando Segue-se em setenta e seis estancias a Historia da Arvore triste, cuja lenda se acha tambem referida pelo Dr. Garcia da Orta, e era muito popular no Oriente. No quadro do poemeto, as ultimas estancias de uma prophecia do Brahmane ácerca dos amores do Poeta: Aqui não te desmaies, se constante E de uma mesma fé remunerados. Aquella emoção que tanto predomina na segunda parte da Canção vi, feita em Ter. nate, sob uma tão grave penitencia, revela-se ainda no mesmo estado psychologico do Poemeto da Arvore Triste, em Amboná. A não ser pela provisão do trato da especiaria, não se pode explicar este facto allegado pelo annotador da edição dos Lusiadas de 1585 (dos Piscos) relativo a Camões: «começando a fortuna a favorecel.o, e tendo algum fato de seu... » Pedro de Mariz deu mais relevo a esta revelação: «Mas nem a enchente de bens, que lá grangeou o pôde livrar que em terra não gastasse o seu liberalmente.» Bem comprehendidas estas affirmativas, não se entenda que Camões se entregou pessoalmente ao tráfico nas Molucas, mas sim que vendeu a mercadores ou tomou parte nos lucros correspondentes ao privilegio exclusivo da sua provisão. Escreve Linschott, no seu Itinerario : « A carreira da China e de Malaca é pelo contrario livre a todos os mercadores, que podem carregar á vontade.-Comtudo, ninguem póde vender, comprar e carregar se não depois da náo official ter a sua carga completa.» (Cap. 25.) Acompanharia a provisão do trato a mercê de uma viagem? Assim, era um ganho certo e immediato, apezar da rapinagem dos Capitães das Fortalezas. Uma viagem para a China era para deixar um homem rico; uma viagem para o Japão, era uma mercê para guindar um ambicioso á opulencia. Escreve Diogo do Couto, no Soldado pratico: «uma viagem para a China, e uma náo pela via de Bengala, e d'ahi para Malaca, e de Malaca a Sunda; com estes favores e ajudas tirará de lá mais de cincoenta mil cruzados. » (pag. 46.) - « uma viagem do Japão, setenta a outenta mil pardáos cada uma.» (Ib., p. 157.) O sabio Dr. Garcia da Orta, que deu intimidade a Camões, falla d'este espan. toso commercio da China: «E sabei que as mercadorias que d'ella vêm, são: leitos de prata e baixella ricamente dourada, seda solta o tecida, ouro, almique, aljofre, cobre e porcelana, que vale ás vezes tanto, que é mais que prata duas vezes. » Camões regressou das Molucas ao emporio de todo o commercio do Sul, á - Opulenta Malaca nomeada, (Lus., x, 44) a Aurea Chersoneso da tradição classica; alli se accumula vam todas as mercadorias : <os cravos de Tidore e de Ternate, a canella de Ceylão, a flôr e massa da noz moscada de Banda, o sandalo de Timor, o benjoim e ouro de Sumatra, o zinco de Branca, prata e cobre do Japão, as sedas, louças e mimos da China e de Siam, os rubis e laccas do Pegu, os tecidos finos de Bengala, o aljofar e as perolas |