Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub

de Calecaré, diamantes de Narsinga, e muitas outras preciosidades... » N'este meio activissimo pôde Camões ter algum facto de seu, ou grangear alli uma enchente de bens. Como é que elle subitamente se dirige para Macáo na corrente d'esse anno de 1557 ? 1

1

2

O commercio dos portuguezes com a China, obteve amplas faculdades desde 1554, dando ao mesmo tempo logar a uma terrivel pirataria chim contra as cidades maritimas de Cantão. Os mercadores portuguezes accudiram a este perigo, dando uma campanha naval decisiva contra esses piratas em 1557. Como vimos, partira de Gôa em 1556, comboiando com a Armada do Sul, uma esquadrilha de seis velas commandada pelo mercador Francisco Martins; d'ella falla o celeberrimo viajante Fernão Mendes Pinto, como tendo aproado ao porto de Lampacau. Foram os navios d'esta frota, que acudiram para desfazer o bloqueio posto pelo terrivel pirata Cham-si-lau ás cidades maritimas do Cantão; tendo alcançado completa victoria sobre elle, foram perseguilo ao seu reducto na ilha deserta de Macau, então um esteril escôlho.

1 Storck, Vida, p. 568, seguindo Barros, Decada 1, liv. 8, cap. 1.

४ Lê-se em Carta do P. Luiz Froes, de 2 de Dezembro de 1555: tudo será vir aqui a Malaca, e d'aqui ir á China a buscar passagem para Siam, e em Siam invernar esse anno até achar passagem para lá. O P. Belchior esteve aqui o anno passado mui movido quando soube que os Portuguezes tinham entrado em Cantão e que se começavam a tratar pazes e capitular concertos os portuguezes com os Chins para ir á volta da China.»

Depois d'este triumpho, é que os Mandarins de Cantão, para sua segurança, pediram ao Imperador da China, que consentisse que se estabelecessem os Portuguezes em Macau. O commercio portuguez com a China fizera-se até 1553 na ilha de San-choan, em cujo porto communicavam os mercadores que vinham de Malaca; em 1554 foram forçados a mudarem para o porto de Lampacau, seis leguas ao norte de San-choam onde negociámos até o anno de 1557, em que concederam o sitio ou ilha de Macau, em que hoje estamos,» A occupação graciosa de Macau é assim descripta em Reynal: «Os Portuguezes com as cabanas e feitoria que tinham em San-choan, e com a liberdade que o governo da China havia concedido ao seu commercio, quando se offereceu uma occasião de procurarem um estabelecimento mais solido e menos dependente dos Mandarins, que commandavam sobre a costa. Um pirata chamado Cham-si-lau, que se tinha feito poderoso por suas pilhagens, tinha-se senhoreado da pequena ilha de Macau, d'onde tinha em bloqueio os portos da China. Este pirata foi pôr sitio a Cantão; os Manda

1 Bispo Saraiva, Mem. sobre Macau, Vol. 1, p 142. (Ap. Ta-Ssi-Yang-Kuo, p. 160.)—«nós partimos d'esta ilha (San-Choam para outra que está mais adiante seis leguas para o norte, chamada Lampacau, aonde n'aquelle tempo os Portuguezes faziam sua veniaga com os Chins, e ahi se fez sempre até o anno de 1557, que os Mandarins de Cantão, a requerimento dos moradores da terra, nos deram este posto de Macau, aonde agora se faz, no qual, sendo antes ilha deserta, fizeram os nossos huma nobre povoação.....» (Peregrinações de Fernão Mendes Pinto, cap 221.)

rins das visinhanças recorreram aos Portuguezes, que tinham navios em San-choam; estes correram em soccorro de Cantão e fizeram levantar o sitio; alcançaram uma victoria completa sobre o pirata a quem perseguiram até Macau, onde elle se matou a si mesmo. O Imperador da China, informado do serviço que os Portuguezes lhe acabavam de fazer, lhes ficou reconhecido e lhes fez presente de Macau.» O feito deu-se em 1557, e por tanto a occupação effectiva dos Portuguezes fixa-se em 1558. Como podia o Governador Francisco Barreto nomear em 1556 Camões Provedor-mór dos Defunctos e Ausentes de Ma. cau, quando era então um esteril escôlho, refugio de piratas chinezes? E como podia vir Camões em 1558 capitulado sob prisão para Gôa, por actos d'essa gerencia? Elimine-se por anachronico e moralmente absurdo esse facto incongruente na vida do Poeta. 1

1

1

O biographo D. Francisco Alexandre Lobo, com lucido criterio psychologico reconheceu a incongruencia do cargo de Provedor dos Defunctos e Ausentes com o caracter garboso do Poeta: Não dizia muito o officio com a nobreza de Luiz de Camões e ainda menos com as suas inclinações marciaes e exaltado amor da gloria. (Mem. cit., p. 192.) A corrente dos biographos continuou até Storck a investir Camões do imaginado cargo de Provedor dos Defunctos de Macau, e Camillo Castello Branco, para explicar a prisão do poeta, chega a accusal-o do crime de peculato! Eis o que escreveu nas suas Notas biographicas: « Sem umas intermittencias de estouvanice dissipadora e destemperada desordem de costumes, Camões seria a excepção do genio. Tem o talento transcendente crises vertiginosas, doudices sublimes que o extraviam de prompto do bem viver. — Parece que não procedeu com o

Porque apparece, tendo partido de Malaca em 1557 Camões, logo no momento da occupação portugueza em Macau? E' porque Francisco Martins pedira navios de Malaca para dar a sua batalha decisiva contra Cham-si-láo, e Camões d'ahi partiu a tomar parte na gloriosa campanha. E' a logica dos acontecimentos; Juromenha, por outras inducções, chegara ao mesmo resultado: «O numero de velas de que se compunha a Armada de Francisco Martins, e a epoca em que se achava estacionado no porto de Lampacau, induzem-nos a acreditar que ao nosso Poeta coube a ventura de partilhar a gloria d'este feito militar.» (Obr., I, 73.) E' admissivel que a partida da Flotilha

espolio dos Defunctos e direitos dos Ausentes de modo mais zeloso e exemplar que o commum dos Provedores das cidades asiaticas.» (p. 59 e 60.) — Camões não poderia ainda illibar-se da nota de peculato, quando o Conde de Redondo lhe deu liberdade. (p 56.) a sua liberdade foi acto arbitrario e por ventura equitativo de dois governadores...» (p. 58.) «Se Luiz de Camões, em pureza de costumes, condissesse com a sobrexcellencia do engenho, seria um exemplar unico do talento irmanado com o juizo.» (Op. cit., p. 77) E para escrever isto, dizia Camillo ao editor Chardron: admiro pouquissimo o poeta, e não sei soprar a bexiga da admiração convencional...» E pelas 32 paginas das Notas biographicas, inclue em outra carta: « Se quizer pode entregar ao portador 16 libras.» (No Instituto de Coimbra, vol. 53, pag. 510 e 511)

Declarou Camillo que admirava pouquissimo o poeta, mas a Camões podem-se applicar as palavras que dizia Goethe sobre Shakespeare: « é um ser superior para o qual levantamos os olhos, e que devemos

venerar.»

Antes de Camões chegar á India em 1553, já se sentia a necessidade de tirar aos Provedores dos Defunctos e Ausentes as funcções de Thesoureiros das ar

de Francisco Martins em 1556 estivesse no plano de Francisco Barreto, de um ataque aos piratas chinezes para proteger o commercio do Japão; que o provimento de Camões se relacionasse com a condição d'este serviço: Até á longinqua China navegando.

Severim de Faria, sempre o mais bem informado dos biographos, fixa com nitidez: << A assistencia de Macau parece que foi a ultima do tempo que andou no Sul, pois vindo de lá padeceu naufragio, que foi o derradeiro trabalho antes de chegar a Gôa.» A época d'esse naufragio, collocada por todos os biographos em 1558, tornava breve a perma nencia de Camões em Macau; sabe-se hoje

recadações dos espolios; assim o reclamava o celebre védor Simão Botelho: «parece que havia de haver Thesoureiro do dinheiro dos Defuntos, porque será melhor despacho para as partes, e andará o dinheiro mais liquido e certo, quando o não houver de arrecadar a pessoa que houver de julgar.» (Carta, na Collecç. dos Man. ineditos para a Hist. das Cong. port., t. v). Como eram frequentes as reclamações acerca das heranças ultramarinas, em 2 de Janeiro de 1556 era expedido para a India o Regimento do Thesoureiro dos Defunctos. Como é que o Provedor podia guardar em si dinheiros que só deviam ser arrecadados por um Thesoureiro? Em 1557 recebia o Viso-Rei D. Constantino de Bragança, antes de partir, Instrucções para a boa arrecadação: Assy mesmo vos recommendo muito o bom recado das fazendas dos finados E de mandardes ao Provedor-mór e Provedores d'elles, que tenham grande cuidado de se fazerem os inventarios com toda a fidelidade em tudo o que tenho mandado por meus Regimentos. (Ap. Jur., Obras, 1, p 496, not. 42.) Como podia Camões, na phrase de Mariz, que «no mar perdesse o das partes, em um naufragio horrivel?» Pura imbecilidade, ante o Regimento do Thezoureiro dos Defunctos.

« VorigeDoorgaan »