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diz, por que Camões andando na India, começando a fortuna a favorecello, e tendo algum fato de seu perdeu-se na viagem que fez para a China, donde elle compoz aquelle Cancioneiro, que diz:

Sobre os Rios que vão

Por Babylonia, etc. »

Referia-se ás incomparaveis redondilhas paraphrasticas do Psalmo 138.

O valor d'esta nota á estancia 80 do Canto VII dos

das qutro portas da cidade, sobre a qual se elevam torres em fórma de tiára. No seu recinto existem templos, palacios, pyramides, arruinados pelo vigor da vegetação tropical. Ha outras ruinas proximo de NakhorVat; e as descriptas por Kein e Aymonier remontam a sua antiguidade ao anno de 667 da nossa éra; os monumentos de Ankor datam em parte do seculo Ix, notando-se que estas construcções foram interrompidas subitamente no seculo XIV: «Representam uma phase particular da religião buddhica, quando sob a influencia da India e de Ceylão se cruzaram os mythos de Brahma, de Siva, de Vichnu, de Rama com os da Grande Doutrina, e personagens das Epopêas hindus representadas a par da Trimurti e do Brahma de quatro cabeças; figura ahi o culto das Serpentes, sendo a Naga de sete cabeças o motivo dos motivos mais empregados (Vivien de Saint-Martin, Nouv. Dicc. de Geographie universelle, t. IV, p. 13 e 14.)

«

Nakhor-Vat appresenta um plano collossal: tres galerias cencentricas em andares com porticos no meio d'ellas, e nos seus angulos; ligadas entre si por outras galerias e por escadarias cobertas, com vastos páteos em que se enfileiram symetricamente construcções isoladas, coroadas por nove torres, sendo a mais alta, no centro do terceiro andar das galerias que encerra o sanctuario. >>

1 O titulo de Cancioneiro dado a esta paraphrase não quer dizer, como entendeu Juromenha, uma Col

Lusiadas está em dar-nos a época em que escreveu Camões essa extraordinaria composição lyrica, que ficou desconhecida e inedita até 1595. O poeta symbolisa em Babylonia o mal presente e em Sião o tempo passado:

Alli lembranças contentes
N'alma se representaram;
E minhas cousas ausentes
Se fizeram tão presentes
Como se nunca passaram.
Alli, despois de acordado,
Co'o rosto banhado em agua,
D'este sonho imaginado,
Vi que todo o bem passado
Não é gosto, mas é magoa.

Vi aquillo que mais val
Que então se entende melhor,
Quando mais perdido fôr;
Vi ao bem succeder mal,
E ao mal muito peor.

Mas deixar n'esta espessura
O canto da mocidade,
Não cuide a gente futura
Que será obra da edade
O que é força da ventura;
Que edade, tempo e espanto
De vêr quão ligeiro passe,
Nunca em mi puderam tanto,
Que, postoque deixo o canto
A causa d'elle deixasse.

lecção mais copiosa de que ella faria parte; segundo os habitos litterarios do seculo XVI, chamava-se Cancioneiro a qualquer composição em redondilhas, resumindo a designação do genero: coplas ou trovas. de Cancioneiro.

Mas em tristezas e nojos,
Em gosto e contentamento,
Por sol, por neve, por vento
Tendré presente á los ojos
Por quien muero tan contento.

Terra bemaventurada,
Se por algum movimento
D'alma me fôres tirada,
Minha penna seja dada
A perpetuo esquecimento.
A pena d'este desterro,
Que eu mais desejo esculpida
Em pedra ou em duro ferro,
Essa nunca seja ouvida,
Em castigo de meu êrro.

Refere-se o poeta á longa ausencia ou desterro que liga com os erros de um venturoso passado; mas n'esta emoção da catastrophe de que escapou maravilhosamente, transita immediatamente para uma religiosidade mys

tica:

E faz que este natural
Amor, que tanto se présa,
Suba da sombra ao real,
Da particular belleza
Para a belleza geral.

N'estes mezes que andou errante pelo reino de Cambodja, reconcentrou-se Camões na mais intensa subjectividade, indifferente ás maravilhas deslumbrantes da natureza oriental. Ao contrario de Colombo que se elevava á mais absoluta eloquencia descrevendo as novas terras que descobrira, Camões representava acima d'esses effeitos a querida Sião, Lisboa das recordações da mocidade, e

na emoção mystica a harmonia moral perturbada pelos grandiosos symbolos indiaticos. 1 Já tranquillisado d'estes violentos abalos do naufragio e perda dos poucos recursos que alcançara, o poeta, ao repassar os Cantos do seu Poema, que salvara, accrescenta-lhe como prosopopêa da heroica narrativa o quadro da situação calamitosa em que se achava:

Olhae, que ha tanto tempo que cantando
O vosso Tejo e os vossos Lusitanos,
A Fortuna me traz peregrinando,
Novos trabalhos vendo e novos danos;
Agora o mar, agora exp'rimentando
Os perigos mavorcios inhumanos,
Qual Canace, que á morte se condena,
N'uma mão sempre a espada e n'outra a penna.

Agora, com pobreza aborrecida
Por hospicios alheios degradado;

1 O que a poesia tem o poder de exprimir não é a sensação immediata que nós recebemos dos objectus, mas sim o sentimento interior que se fórma em nós por occasião d'estes objectos; aquillo que ella é apta a exprimir são as relações. As bellas tempestades de Camões não foram descriptas no meio da borrasca; foram-no quando elle já se achava arrribado ao porto; o que elle cantava sob o céo ardente dos trópicos não era esta bella natureza grandiosa que se patenteava diante dos seus olhos, eram os rios da sua patria ausente, o ninho seu paterno, como lhe chama.

A eloquencia póde-se inspirar da sensação immediata; a poesia apenas póde guardal-a para um outro momento. Muito agitada pela sensação presente, muito emocionada pela paixão actual, a poesia só precisa da recordação da sensação, sómente a recordação. Charles Magnin, Da natureza do Genio poetico, p. 57. (Ap. Obras de E. Quinet, t. vi.)

Agora, da esperança já adquirida
De novo mais que nunca derribado;
Agora, ás Costas escapando a vida,
Que de um fio pendia tão delgado,
Que não menos milagre foi salvar-se,
Que para o rei judaico accrescentar-se.

E ainda, Nymphas minhas, não bastava
Que tamanhas miserias me cercassem;
Se não que aquelles, que eu cantando andava
Tal premio de meus versos me tornassem
A trôco do descanso que esperava,

Das capellas de louro que me honrassem,
Trabalhos nunca usados me inventaram,
Com que em tão duro estado me deitaram.

Vêde, Nymphas, que engenhos de senhores,
O vosso Tejo cria valerosos,

Que assim sabem presar com taes favores
A quem os faz cantando gloriosos!
Que exemplos a futuros escriptores,
Para espertar engenhos curiosos,
Para pôrem as cousas em memoria,
Que merecerem ter eterna gloria!

Pois logo em tantos males é forçado,
Que só vosso favor me não faleça,
Principalmente aqui, que sou chegado
Onde feitos diversos engrandeça;

Dae-m'o vós sós, que eu tenho já jurado

Que não n'o empregue em quem o não mereça,
Nem por lisonja louve algum subido,

Sob pena de não ser agradecido.

(Lus, vn, 79 a 83)

Como Dante, o poeta eleva-se ao juizo da immortalidade, não para lembrar nomes sob eterno stigma, mas para deixar em pleno esquecimento aquelles que ao bem commum antepõem o proprio interesse, e pela ambição sobem a grandes cargos para usarem mais largamente dos seus vicios; nenhum que use

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