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Mas, que valimento poderia Camões prestar junto do Vice-Rei ao riquissimo e affamado sabio Dr. Garcia da Orta, lembrando que elle era a gloria de uma epoca (em vosso tempo, em vossos annos,) unanimemente reconhecida? Estava estabelecida desde 1561 a Inquisição em Gôa, com todo o fervor de um fanatismo dominante, e o Dr. Garcia da Orta vivera a melhor parte dos seus trinta annos da India, por terras em que não havia confissão (Jesuitas) nem Inquisição, como se exprime Diogo do Couto. Era preciso evitar qualquer embaraço á publicação dos Colloquios posto pelo Inquisidor Aleixo Dias Falcão, que imperava espiritualmente em Gôa; e só o Vice-Rei é que poderia sustar com a sua parcella de poder soberano essas furias. N'isto consistiria o valimento de Camões.

Pouco se sabe dos dados biographicos do Doutor Garcia da Orta, cujas relações litterarias com Camões, tanto o elevam no meio mental da Renascença. Sabe-se que era natural de Elvas, e pelo escripto panegyrico do licenciado Dimas Bosque, medico valenciano, que se achava em Gôa, com que precede a obra, falla d'elle como: «homem, que do principio da sua edade até autorisada velhice nas lettras e faculdade da medicina gastou seu tempo com tanto trabalho e diligencia, que duvido achar na Europa quem em seu estudo

conhecidos. E' pois explicavel, que o Camões tivesse um momento esta opinião, e escrevesse Taprobanico Achem, embora mais tarde se encostasse ao parecer de João de Barros, e o significasse claramente nos Lusiadas (st. 51 e 107 do Canto x). Ediç. de 1891, p. 18.

The fizesse vantagem. Sahindo ensinado nos principios de sua faculdade das insignes Universidades de Alcalá e Salamanca, trabalhou de communicar o bem da Sciencia, que nas terras alheias tinha alcançado com sua propria pratica, lendo nos Estudos de Lisboa por alguns annos com muyta diligencia e cuidado, exercitando-se na cura dos doentes até vir a estas partes da Asia, onde por espaço de trinta annos, curando muyta diversidade de gentes não sómente na companhia dos VisoReys e Governadores d'esta oriental India, mas em algumas côrtes de reis mouros e gentios cummunicando com medicos e pessoas curiosas, trabalhou para reconhecer e descobrir a verdade das medecinas simples, que n'esta terra nascem, das quaes tantos enganos e fabulas não sómente os antigos, mas muytos dos modernos escreveram: etc.>>

N'esta observação se encerra o alto merito scientifico do Doutor Garcia da Orta; porque emquanto os sabios da Europa abandonando com fundamento as doutrinas medicas dos Arabes para restabelecerem as doutrinas de Hippocrates ou o puro hellenismo, e envolviam no mesmo desprezo os conhecimentos botanicos e pharmacologicos dos Arabes, o Doutor Garcia da Orta soube verificar pela observação e experiencia o que havia de positivo n'esta parte da sciencia dos Arabes, influindo por isso immediatamente na Europa no fim do seculo XVI e em todo o seculo XVII. A' necessidade polemica das duas escholas adaptou Orta a fórma do dialogo, que torna muito pittorescas as suas descripções e observações, mesmo ethnologicas e historicas. Só

mente no seculo XIX é que se pôde comprehender e reconhecer a verdade dos factos consignados nos Coloquios, em frente da Flora Indica de Raxburgh, da Flora of British India de Hookes, da Materia medica de Whitelaw Ainslie, e a Materia Medica of western India de Dymoik e das Useful plants of the Bombay Presidency do Dr. Lubsa; d'onde conclue o seu eruditissimo editor o Conde de Ficalho: «Este facto é todo em louvor de Garcia da Orta. Elle penetrou tão profundamente no assumpto, que os livros dos dois seculos seguintes ao seu elucidam o que deixou escripto. E foi só no nosso seculo, e sobretudo na segunda metade do nosso seculo, que numerosas publicações scientificas vieram confirmar, explicar, rectificar as suas observações. »

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Ha ainda um elemento biographico do Doutor Garcia da Orta na sua dedicatoria dos Coloquios a Martim Affonso de Sousa, de quem se diz seu creado. Tendo-o acompanhado para a India em 1534, na Armada em que fôra como Governador, a elle confessa deverlhe o impulso para escrever o seu livro: «Oh, quem pudera, illustrissimo Senhor, tornar-se Homero ou Virgilio pera escrever vossas grandes façanhas pera com isto deixar fruto de mi aos vindouros; mas pois que a fortuna isso me negou, e fui amoestado e reprendido d'esta ociosidade, da qual tambem fui accusado d'alguns, que esta terra governaram; e

1 Coloquios dos Simples e Drogas, p. xvi, Ed.

1891.

porque o vosso conselho é mandado para mi, determinei de fazer este breve tratado;...» «Bem podeis, illustrissimo senhor, defendello do envejoso povo aquelle a quem até o presente creastes, ajudastes e favorecestes e finalmente lhe destes o vosso nome, com o qual este livro será temido dos invejosos...»

A alta capacidade de Martim Affonso de Sousa avalia-se pelos problemas astronomicos, que ao recolher da sua expedição de reconhecimento ás costas austraes do Brasil, (1530) appresentou ao insigne mathematico Pedro Nunes, cujas explicações constituiram o Tratado sobre certas duvidas da Navegação. Por esta relação se comprehende como em 1534 o Doutor Garcia da Orta o acompanhou para a India na Armada por elle capitaneada, e ainda a seu pedido escreveu a obra dos Coloquios dos Simples e Drogas. Guiado pela noticia da Bibliotheca Lusitana, de que era Garcia da Orta natural de Elvas, procedeu o erudito investigador Antonio Tho. maz Pires ao exame de velhos livros findos de Vereações, de Receita e Despeza e tambem de Capellas e Morgados, e encontrou esta familia da Orta residindo em Elvas, dando-nos o seu quadro genealogico até ao seculo XVII. Diz Barbosa, que elle era por sua familia

1 Nos seus Estudos e Notas Elvenses CIA DA ORTA:

VIII-GAR

- Jorge da Orta, tendeiro (logista) em Elvas fornecendo em 1504 papel para a Camara. Possuiu uma casa na rua que sáe da Praça de Elvas para o Pôço de Alcalá, a qual veiu a pertencer em 1559 a seu genro o Bacharel Gabriel Luiz.

domestico dos Senhores do Prado; é certo que em Salamanca, onde em uma viagem por Hespanha se demorou Martim Affonso de Sousa, na sua mocidade, casando-se ahi com a formosa D. Anna Pimentel, filha do regedor de Salamanca e Talavera, D. Ayres Maldonado, frequentava por este mesmo tempo Garcia da Orta a Universidade. Foi isto por 1521; em 10 de Abril de 1526 concedia Dom João III a Garcia da Orta, morador em Castello de Vide, licença para curar de physica por todo o reino, tendo feito prévio exame de sufficiencia diante do Physico-mór. Declarada vaga a cadeira de Summulas na Universidade de Lisboa, concedeu o conselho n'esse mesmo dia, 27 de Janeiro de 1552, que se

Dr. GARCIA DA ORTA, nascido por 1490 approximadamente, como opina o Conde de Ficalho. A profissão de medico n'esta familia da Orta, leva a inferir a verdade da genealogia.

Beatriz da Orta, casada com o Bacharel Gabriel Luiz, de quem teve duas filhas: Anna Luiz e Branca Luiz, que casaram. Morreu em 24 de Julho de 1562. Bacharel Francisco da Orta, casou com Catherina Lopes, natural de Fronteira e residiu em Portalegre em 1569, 1571 e 1573.

- Jorge d'Orta, cirurgião em Elvas, sendo consultado em 1581 sobre a continuação da peste do anno anterior. Casou com Aldonça Gomes. Figura como homem abastado desde 1570, epoca em que o Conde de Ficalho colloca o falecimento do Doutor Garcia da Orta, sendo como parente proximo seu herdeiro.

Os estudos medicos eram desprezados pelos christãos velhos; e a predilecção d'estes estudos pelos Ortas de Elvas, dá á genealogia deduzida dos documentos, um certo nexo de familia. Garcia da Orta nos Colloquios (p. 206) declara que teve um seu parente Physico em Baçaim.

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