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lhado sob o mesmo commando na expedição contra o Chembé em 1553, e na Armada do Norte em 1554. A delicadeza moral de Camões não lhe consentiu fazer-se valer ante o novo Vice-Rei; D. Antão de Noronha é que veiu ao seu encontro, e familiarmente lhe pediu versos. Eis o motivo da Ode a um amigo, em que faz sentir esta circumstancia:

Não é de confiado

Mostrar-vos minhas cousas, pois conheço
Que tendes alcançado

N'isto o mais alto preço,

E quanto em mostral-as desmereço.

Mas, é de desejoso

De vos obedecer, por que estou vendo,
Que a nome tão honroso,

Mais ganho obedecendo

Que perco em demonstrar quão pouco entendo.

Camões recorda-lhe os feitos heroicos da sua mocidade, quando Africa era ainda a eschola da Cavallaria portugueza, essa primeira aurora, que vem um só momento depois do sol da Vice-realeza:

A vós, a cuja gloria

No mais antigo tempo e no presente,
O louro da victoria

Concede facilmente

Qualquer que de Thalia as obras sente;

A vós, cuja alta fama

Vi entre os Garamatas conhecida,
A' luz que o sol derrama

Por vós,

Na terra enobrecida

já tão de todo escurecida.

Referia-se Camões ao abandono de Africa por D. João III, quando começou o delirio

pelas riquezas da India; por isso escreve ao Vice-Rei:

Aquella primeira aurora

Virá depois do sol, um só momento;
Elle esqueça alguma hora

Ou possa o esquecimento

Tolher-lhe seu continuo crescimento. 1

Dom Antão de Noronha quiz ser prestavel a Camões com uma provisão de um logar rendoso; a India estava esgotada, e apenas se comprommetteu a melhor despacho, nomeando-o desde logo para a vagante da Feitoria de Chaul. Este facto que foi ignorado por todos os biographos até Juromenha, vem alludido no Padrão de 15$000, de 5 de Fevereiro de 1585 á mãe do poeta, allegando entre outros fundamentos de serviços: «a não entrar na Feytoria de Chaul de que era provido. Diogo do Couto fallando do rendi

1 Ode x. Pelo verso allusivo aos Garamatas, concluiu veridicamente Juromenha: «Por este verso se vê que foi esta poesia dirigida a um camarada de Africa, D. Antão de Noronha. Devia orçar mais ou menos pela edade de Camões quando serviu em Ceuta, com seu tio D. Affonso de Noronha, capitão d'aquella fortaleza.» (Obr, t. 11, p. 549.)

2 Camillo e o Dr. Storck entendem que a nomeação para a Feitoria de Chaul fôra feita pelo rei D. Sebastião quando Camões estava em Lisboa, e em quanto não entrava na sobrevivencia, lhe dera a tença por tres annos, que cessaria quando vagasse a Feitoria. Inadmissivel, por que se a Feitoria fosse dada por provisão regia a Camões, era facil obter o poeta o favor de a traspassar a outro, o que se concedia por vezes. Os dois biographos não conheceram o que era este provimento de Feitorias na India; era um embuste com que se tapava a bocca aos pretendentes, e como tudo es

mento das Capitanias e Fortalezas da India, aponta Chaul, rendendo setenta a outenta mil pardáos, (Sold. prat., p. 157.) E diz da Fortaleza: «Pois Chaul, já se não serve da Fortaleza senão por uma escada, que se fez, á torre da Menagem por uma bombardeira por onde passa o Capitão... » (Ib., p. 74.) Era odesmoronamento. Segundo o Orçamento mandado fazer pelo Vedor da Fazenda da India em 1574, lê-se:

« Feitor e Alcaide-mór de Chaul tem de seu ordenado cem milr eis por anno 100$000.

«E assim se lhe paga aposentadoria de dez pardáos por provisão do Vice Rei D. Antam, que he fóra do Regimento.

«Tem mais o dito Feitor um nayque que serve de lingoa e quatro piaes e huma tocha e o azeite para ella; importa esta despeza por anno vinte e nove mil e quinhentos e vinte reis: 29:520.>

A este cargo de Feitor de Chaul tambem andava annexo o de Provedor dos Defuntos e Védor das Obras.

Nomear Camões para a Feitoria de Chaul entrando pela sobrevivencia na vagatura effe

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*

tava esgotado, D. Antão de Noronha sacou sobre o futuro, dando a Camões esse despacho, que era simplesmente uma cathegoria para melhor cousa que apparecesse. Demais, existindo na Torre do Tombo muitas d'estas cartas para serem preenchidos nas vagantes com sobrevivencia a differentes individuos, a provisão de Camões não existe na Chancellaria de Dom Sebastião.

1 D'aqui se originaria a lenda do Provedor dos Defuntos em Macáo, com intenção malevolente? E do nayque a lenda do Jáo?

ctiva, parece quasi um ludibrio para compensar os serviços de Camões nas duas Armadas; mas não havia melhor recurso. Diogo do Couto explica o desaforado abuso d'estas nomeações ás dezenas para o mesmo logar: <por onde não ha poderem nunca vagar os cargos; e ainda n'estas se mantêm as trespassações... por onde venho a resumir, que quando se despacha um homem, seja em edade de vinte annos, não entra no seu cargo até aos sessenta: etc. >> «O mal não vinha só do Rei, que para quarenta logares vinham cada tres annos despachados mais de cincoenta favorecidos, sem serviço; o peior eram os poderes dados aos Viso Reys para poderem provêr todos os cargos da India de Feitorias para baixo; por que com ellas provê o Viso-Rei mais de trinta cargos, e ficam com isso tão entulhados, que nada ha poder um homem esperar vagar-lhe o cargo de que he provido. etc.» (Sold. prat., p. 98.) Tal era a situação administrativa; Camões conhecia a inefficacia da sua nomeação da Feitoria de Chaul, e não pensou em esperar pela vagante.

A vida de Gôa tornava-se odiosa, pelo fanatismo sangrento que se manifestava com apparato canibalesco da Inquisição depois de 1564; e não menos pela impunidade que nos seus crimes encontravam os Capitães fidalgos. A Gôa chegara o requerimento da viuva do chronista Gaspar Corrêa, auctor das Lendas da India, que fôra assassinado por mandado do Capitão de Malaca, D. Estevam da Gama, bisneto do celebrado Descobridor, que dava a sua protecção official aos assassinos. O facto de virem parar as Lendas da India ao poder

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de D. Miguel da Gama, conservando-se sonegadas por centenas de annos, fazem crêr que o assassinato de Gaspar Corrêa fosse por qualquer despeito de referencia historica ao seu orgulho nobiliarchico. Os assassinos ficaram impunes; nem o Vice-Rei D. Antão de Noronha nada ousaria contra os orgulhosos Gamas. A Camões não foi occulta esta as

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Transcrevemos aqui o requerimento da pobre viuva, que é uma espantosa pagina da nossa historia:

«Senhor. Diz Anna Vaz mulher forra que foi de Gaspar Corrêa, cavalleiro da Casa d'El Rei nosso senhor, e da ordem de S. Thiago, em seu nome e de seu filho orfão menor Antonio Corrêa, filho d'esta e do dito Gaspar Correa, diz e aqueixa e crama e pede justiça a Deus e a El Rei nosso senhor e a Vossa Mercê que em nome de sua Alteza vem para o fazer da morte, que sem causa e sem razão nem justiça foi pruvicamente dada ao dito Gaspar Corrêa, que saltaram uma noite com elle n'esta cidade de Malaca e o mataram com muitas feridas, que lhe deram e os matadores foram vistos e conhecidos quem eram, e sobre isso se não fez nenhuma diligencia, mas antes pruvicamente e sem temor de Deus nem das justiças andam e andaram sempre em companhia de D. Estevão, capitão.

E Anrique Mendes que foi o principal matador, sempre com elle comeu e bebeu; por onde eu e o dito orfão passamos muitas necessidades e ao desamparo nos perdemos. Pelo que. pedimos a Vossa Mercê e requeremos da parte de El Rei nosso senhor. queira saber os matadores quem foram e com justiça os castigue, porque D. Estevão com seu corpo o não quiz fazer, e eu com o seu temor o não ousei de requerer; no que receberemos justiça e mercê. »

Este documento derrama uma grande luz sobre a situação dos historiadores portuguezes. Pelas noticias colligidas pelo prof. A. M. Freitas (Nicoláo Florentino) Gaspar Corrêa era filho de Pedro Corrêa Payo; nasceu em 1495, pois declara ter embarcado para a India com dezasete annos, com Jorge de Mello Pereira

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