Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub

sombrosa iniquidade do Capitão de Malaca D. Estevão da Gama, como tambem a relacionaria com as loucuras de D. Chistovam da Gama commandando a expedição de 450 soldados, narradas por D. João Bermudes, Patriarcha de Alexandria e da Ethiopia, quando em 1556 chegou a Gôa fugido da prisão da Abyssinia. A impressão directa d'estes factos fez por certo nascer no espirito de Camões a animadversão contra o Gama e contra quem na estirpe seu se chama. Quando o poeta estava sob a pressão do injusto mando, prometteu no canto VII dos Lusiadas não dar fama a

Nenhum que use do seu poder bastante
Para servir a seu desejo feio...

(St. 85.)

Não era o resentimento pessoal que lhe inspirava esta estrophe em que affrontava o heroe do descobrimento da India :

em 1512, em 20 de Agosto, na Armada de outo náos que partiu para Cochim.

Por 1529 estava de regresso a Lisboa, apparecendo o seu nome nos assentos das Moradias da casa real com um recibo de junho d'esse anno assignado por sua mão.

Voltou para a India, e residia em Malaca,_occupando-se por 1561 em retocar as suas Lendas; D. Estevão da Gama, bisneto do primitivo descobridor vivia em 1565, tendo pouco mais ou menos vinte annos. Este D. Estevão da Gama, era protector do assassino do chronista Gaspar Corrêa, como se vê pelo requerimento da viuva; Henrique Mendes tinha intimidade com o veridico chronista, e foi simples executor de uma vingança. O Manuscripto das Lendas da India cahiu em poder de D. Miguel da Gama, tio de D. Estevam, e o trouxe para Portugal, pensando abafar a voz da historia.

A's Musas agradeça o nosso Gama
O muito amor da Patria, que as obriga
A dar aos seus na lyra nome e fama,
De toda a illustre e bellica fadiga;

Que elle, nem quem na estirpe seu se chama,
Calliope não tem por tão amiga,

Nem as filhas do Tejo, que deixassem

As telas de ouro fino e que o cantassem.
(Canto v, st. 99.)

A recrudescencia do fanatismo em Gôa tornava-lhe a vida perigosa n'aquella capital da India devorada pelo clericalismo: «Pois tantos clerigos, tantos frades, tantos mosteiros e conventos, tantas casas de prazer, quintas e jardins para recreação de religiosos, em partes tão pouco firmes e seguras, de que servem? E quanto mais acertado fôra converterem-se algumas d'ellas em armazens de armas?» (Sold. prat., p. 195.) Camões tambem participaria d'este modo de vêr do seu amigo Diogo do Couto; as suas opiniões religiosas, recebidas dos Augustinianos de Santa Cruz de Coimbra na época dos estudos, faziam vêr bem os funestos reflexos dos Jesuitas na decadencia do Humanismo, no retrocesso da Côrte, e na ambição politica com que dominavam na India. Tornava-se imperiosa a sahida de Gôa, para fugir á malevolencia perfida d'esses mil religiosos diligentes. Diogo do Couto, no Soldado pratico, aponta alguns factos que descobrem a garra inquisitorial: <Temos visto tomarem o filho de baniano rico e de ourives gentio, que tinham os cincoenta ou cem mil cruzados, passando-lhes pela porta, e sem mais outra causa que assacaremlhe que comeu vaca, o meterem dentro e que

rerem a torto e a direito fazel-o christão só para lhe herdarem a legitima, e ser necessario acudir o Viso-Rei a isto, e fazer que se tornasse o filho a seu pae.» (p. 197.)

Com a chegada do primeiro Arcebispo de Gôa D. Gaspar de Leão, acompanhado de dois Inquisidores Aleixo Dias Falcão e Francisco Marques Botelho, começou em 1561 o sangrento tribunal do Santo Officio, sendo a primeira victima da fogueira o bacharel em medicina Jeronymo Dias. Camões que fôra mexericado de amigos para com o Vice-Rei Dom Constantino de Bragança, presentiu que seria facil denuncial-o á Inquisição por qualquer dito ou phrase pittoresca proferida em familiaridade. O favor e até certo ponto amisade com o Conde Viso-Rei D. Francisco Coutinho, fez com que vencesse os receios temerosos até 1564, em que este falecera. A demora em Gôa era um perigo continuado. A nomeação de Camões para a sobrevivencia da Feitoria de Chaul, pelo Vice Rei D. Antão de Noronha, não se póde considerar um beneficio, por que eram muitos os nomeados para esse cargo que tinham de entrar antes de Camões. Para que nomear Camões para Feitor de Chaul? Para retêr o Poeta em Gôa, na espectativa de tornar-se effectiva a provisão. E' presumivel que o Poeta esperasse os tres annos, com que terminavam as funcções do antigo Feitor, de 1564 a 1567; mas desde que novos providos se apresentaram para o exercicio do cargo, o Poeta não se quiz prestar a mais ludibrio, e aproveitou a primeira circumstancia para se transferir para Moçambique. Em 1567 vagou a Capitania de Moçam

bique por morte de Fernão Martins Freire, sendo nomeado Pedro Barreto Rolim, que desistira do commando da Armada do Malabar (Couto, Dec. VIII, 1. I, c. 18.); tendo instado com Camões para o acompanhar a Sofala, empres tara-lhe duzentos cruzados. Pedro Barreto era um monstro, de temperamento irascivel, capaz de todos os crimes, procedendo assim nas guerras de exterminio que fizera nas cidades do Hidalcan, como Tata, Baudale, Dabul, em que não poupou mulheres nem creanças, em fins de 1558. Foi em contacto com este homem e sob a dependencia da divida de duzentos cruzados que se viu Camões retido em Moçambique tão pobre, que comia de amigos, conforme a phrase de Diogo do Couto. No Canto v dos Lusiadas, estancia 84, deixou Camões um traço vivo que reflecte a impressão dos dias amargos que pas. sou em Moçambique:

Na dura Moçambique emfim surgimos,
De cuja falsidade é má vileza

e

Já serás sabedor...

Já em Moçambique soube Camões do grande triumpho do seu amigo D. Leonis Pereira, em 1568, defendendo Malaca do cêrco que lhe puzera o rei do Achem; no Soneto CCXXVII celebra esse estremado feito, comparando o heroe portuguez a um heroe da antiguidade:

Oh Nymphas Cantae pois, que claramente
Mais do que Leonidas fez na Grecia,-

O nobre Leoniz fez em Malaca.

Seria o despeito de se não vêr tambem cantado em verso por Camões, que irrompeu

em odio no feroz Pedro Barreto. Esteve o poeta desde 1567 até 1569 distrahindo a sua indigencia em Moçambique, entregue ao labor poetico como Ariosto; coordenava o seu Parnaso, colleccionando todas as varias composições lyricas: Sonetos, Canções, Odes, Eglogas, Elegias, Sextinas, Outavas e Redondilhas. Trasladava em limpo os esparsos rascunhos, ou escrevia de memoria, como fez tambem Bocage com as suas Rimas. Pode-se fazer uma ideia precisa do conteúdo do Parnaso, n'este periodo de Moçambique, pela collecção que trasladou o P. Pedro Ribeiro em 1577, de cujo Cancioneiro existe por felicidade o indice, constituindo um verdadeiro Canon ly rico camoniano.

Terminado o seu governo em 1568, partiu de Gôa D. Antão de Noronha, succedendolhe em 18 de Septembro D. Luiz de Athayde, tambem amigo de Camões. Dom Antão de Noronha veiu invernar a Moçambique, acompanhado de muitos cavalleiros, que se repatriavam aproveitando a matalotagem do ex-Vicerei. Na Decada vIII, descrevendo este facto, refere Couto a circumstancia deploravel em que encontraram Camões: «Em Moçambique achamos aquelle Princepe dos Poetas do seu tempo, meu matalote e amigo Luiz de Camões, tão pobre que comia de amigos; e para se embarcar para o reino lhe ajuntámos os amigos toda a roupa que houve mister, e não faltou quem lhe désse de comer, e aquelle inverno que esteve em Moçambique, acabou de aperfeiçoar as suas Lusiadas para as imprimir, e foi escrevendo muito em um livro, que ia fazendo, que intitulava Parnaso de Luiz

« VorigeDoorgaan »