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pela ilha Terceira, que elle idealisou no impressionante episodio da Ilha dos Amores. A Náo Santa Clara chegou a Lisboa em 7 de Abril de 1570, 1 tendo Camões ainda o desgosto de vêr morrer Heitor da Silveira, já á vista de terra. Camões, depois de dezesete annos de ausencia, veiu ainda encontrar accesos os antigos odios, e luctar mais duramente com a desgraça, que agora já não era sómente pessoal, mas nacional. Em quanto outros traziam as ricas mercadorias das Indias, Camões trazia o manuscripto do seu Poema, sentido nos desterros injustos, nos cruzeiros doentios e combates contra os piratas, nas tempestades e naufragio: era o Tesoro del Luso, como lhe chamou Cervantes, traduzindo em uma phrase genial o sentimento collectivo dos Lusiadas. Alli estava eternisada a vida, a gloria da nação portugueza; trazia-o para lançal-o á publicidade, como o marinheiro que arroja ao mar a noticia do galeão que se afunda, para que um dia aconteça saberem quando e aonde succumbiram á fatalidade.

1 O dia da chegada vem apontado por Figueiredo Falcão, no Indice de toda a Fazenda, p. 170.

EPOCA QUARTA

Regresso de Camões Lisboa e sua morte

(1570 a 1580)

Depois de dezesete annos de ausencia, sempre entre perigos imprevistos, e sem esperança de tornar a vêr a patria, o momento em que se ouve o grito que annuncia a terra faz estremecer de alegria, e o coração estúa sob uma commoção tão forte como a do soffrimento. Camões sentiu esta impressão profunda, descrevendo com um eloquente laconismo nos Lusiadas, esse momento, quando da etherea gávea o marinheiro

Prompto co'a vista: - Terra! Terra! brada,

A sensação dolorosa d'esse jubilo ainda não foi expressa em linguagem humana com palavras mais sentidas do que as de Camões:

Esta é a ditosa Patria minha amada,

A' qual se o Céo me dá que eu sem perigo
Torne com esta empreza já acabada,

Acabe-se esta luz alli commigo...

(Lusiad., I, est. 21.)

O que o poeta diz do navegador que primeiro sulcou os mares do Oriente, competelhe por ser tambem o que conseguiu realisar a empreza da creação da Epopêa nacional e dar fórma ao ideal heroico nas Litteraturas modernas. Esse momento excepcional da vida, em que o espirito como que se renova pela lembrança do passado reflectido em todas as cousas sobre que descansam os olhos, torna a ser idealisado n'esta primorosa estancia dos Lusiadas:

O prazer de chegar á Patria cara,
A seus penates caros e parentes,
Para contar a peregrina e rara
Navegação, os varios céos e gentes;
Vir a lograr o premio que ganhara,
Por tão longos trabalhos e accidentes,
Cada um tem por gosto tão perfeito,
Que o coração para elle é vaso estreito.

(Lus., 1x, 17.)

A chegada da náo Santa Clara a Lisboa a 7 de Abril de 1570, em que regressara o poeta, é-nos descripta por Diogo do Couto: demos á vela, e chegamos a Cascaes em Abril e ahi surgimos, por estar a cidade de peste; e tinha el-rei ali regimento, que chegando as Náos surgissem fóra, e lhe mandassem um criado seu com cartas para saber novas da India, a que acudiu Fernão Peres de Andrade e D. Francisco de Menezes, o Surdo, irmão de D. João Tello, que ahi estava por capitão de uma Armada, que era de alto bordo, para ir esperar as náos ás ilhas (sc. dos Açores); e pelo regimento que tinha de el-rei, me desembarcaram com as cartas para lhe ir dar novas. Em Almeirim o esperei,

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aonde veiu ter d'ahi a dous dias, e de mim soube tudo o que quiz; e por os Fisicos assentarem estaria a cidade fóra do Mal grande que teve, mandou el-rei que entrassem as Nãos dentro. Vinham os matalotes e camaradas Heitor da Silveira, o Drago, Fernão Gomes da Gram e eu, e o dia que vimos a roca de Cintra faleceu Heitor da Silveira, por vir já muito mal; e as náos chegaram em fins de Maio ou já em Junho... » Poucas linhas adiante appresenta Diogo do Couto: «aquelle princepe dos Poetas de seu tempo, meu matalote e amigo Luiz de Camões... » Isto prova que o poeta fôra seu companheiro de viagem n'essa náo Santa Clara, excluindo toda a hypothese. No Soldado pratico, ainda o chronista allude com enthusiasmo a esse navio: «A náo Santa Clara, dizem que é agora o melhor pão da carreira;... (p. 8.) A náo pôde entrar a barra e vir fundear no Tejo, quando Couto voltou de Almeirim com essa permissão por ter declinado a peste; seria o desembarque, contando com os dois dias de espera em Almeirim, em 10 de Abril. Desde Outubro de 1569 começara a peste a desapparecer: «e pelo Natal estava já a cidade muito boa, porém com o temor do grande fogo que era passado, não se vinham para a cidade senão pessoas pobres, que já não tinham que comer, que as outras esperavam que passasse Março, por dizerem os medicos, que em

1 Diogo do Couto como recompoz de reminiscencia esta Decada VIII, que lhe fôra roubada, deu o titulo de Drago de Heitor da Silveira, falecido em 1535, a seu sobrinho do mesmo nome, o amigo de Camões.

o renovar das ervas podia tornar a renovar o mal, o que assim não succedeu.» No seu desembarque, no meio d'esta desolação geral, temendo-se ainda a recrudescencia da peste, foi Camões encontrar sua mãe D. Anna de Sá, muito velha e muyto pobre, como se lê em um documento legal. Moraria ella ainda á Mouraria, conforme o assento de dezesete annos antes feito na Casa da India, quando em 1550 foi a primeira inscripção do poeta. N'essa mesma rua estava o Collegio dos Meninos Orfãos, e quando a cidade de Lisboa fez o voto de uma procissão solemne á Senhora da Saude, alli se recolheu a sua imagem: «os vereadores tornaram a mandar denunciar ao povo nas egrejas ao domingo dezeseis de Abril da mesma éra de 1570, que a quinta feira primeira, que eram vinte do mez de Abril, se fazia a procissão, como se fez tão solemne, com tantas dansas e invenções, que fôra pouco de escrever...» Camões vinha assistir a este resurgimento da cidade, e sem se lembrar mais dos passados soffrimentos, todo o seu interesse moral estava em ouvir fallar das causas da temorosa decadencia e catastrophe que o impressionaram. Entre as Cartas de Camões, hoje perdidas, dá Faria e Sousa noticia de uma que fôra dirigida a um amigo do Porto, em que dizia que lhe custava ainda a crêr o ter conseguido voltar á patria; tinha esse amigo a carta encaixilhada como uma preciosidade, mas não obstou tamanha estima a que o acaso a destruisse.

1 Doc. no Summario de varia historia, t. 11, p. 167.

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