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A reproducção de versos caracteristicos generalisados pelos Lusiadas bem mostra que applicava a Estacio de Faria o mesmo louvor d'elle recebido. Isto basta para tornar as noticias da sua personalidade de algum interesse. Estacio de Faria era filho de Manoel de Sousa Homem, senhor de Val-de-melhorado em Pombeiro, e de D. Catherina de Faria, da villa de Guimarães. Seguiu nos primeiros annos a casa do Commendatario de Pombeiro, que por este tempo dava protecção a muitos cavalleiros. Diz-se que era a Casa de seu avô, visto acharem-se memorias que dão D. Catherina de Faria por filha de João de Faria, Commendatario da Travanca na Ordem de Christo, no tempo de D. Manoel, um dos tres embaixadores enviados ao papa Leão X, embaixador ao papa Adriano vi, e ao Imperador Carlos v, quando D. João III quiz casar com D. Catherina sua irmã, recebendo por este ultimo serviço o cargo do Chanceler-mór em 1525. A Commenda de Pombeiro passou para seu filho Affonso de Faria. Serviu Estacio de Faria nas Armadas do Reino; o afamado general Diogo Lopes Sequeira, tambem poeta do Canconeiro geral, louva-o pela coragem com que pelejara e pela segurança no desempenho dos postos difficeis. Teve um dos primeiros officios da Fazenda real, e assentamento nos livros das Moradias. Lê-se no manuscripto genealogico: «Foi douto em as letras humanas, grande luzido poeta, e um dos singulares cortezãos do seu tempo.» No verso

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Nobil. ms., de Meyrelles e Sousa, fl. 251.

de Camões: - Cysne - Cysne sonoro per Ribeira amena - ha referencia aos seus amores com uma dama chamada Francisca Ribeiro, no Couto de Pombeiro de Entre Douro e Minho, de quem teve uma filha chamada Luisa de Faria. Do casamento d'esta com Amador Peres de Eyró, houve, entre outros filhos, o acerrimo commentador das Obras de Luiz de Camões, Manoel de Faria e Sousa. De uns amores de Estacio de Faria com uma D. Bernarda, em Lisboa, ainda no seculo XVII eram conhecidos os netos. Faria e Sousa, phantasiando ácerca do roubo do Parnaso de Camões, diz: «Mi abuelo Estacio de Faria concorrió con Luiz de Camões en tiempo, y fué su amigo en Lisboa, después que el vino de la India.»

A commoção de despeito produzida pela publicação dos Lusiadas em alguns poetas, revela-se no desespêro com que Pedro da Costa Perestrello rasgou o seu poema inedito sobre o Descobrimento de Vasco da Gama. O projecto de uma Epopêa maritima formulada por João de Barros, e pelo Dr. Antonio Ferreira, attrahia as imaginações para essa luminosa empreza. Pedro da Costa Perestrello, que regressara glorioso do grandioso combate naval de Lepanto, cujo triumpho interessava a todo o Occidente, em vez de idealisar este ultimo feito épico da actividade guerreira do mundo moderno, occupara-se a tracejar um poema em 16 Cantos sobre o Descobrimento de Vasco da Gama, do qual diz Barbosa Machado: «Não publicou esta obra por ter saído o grande Luiz de Camões com a sua Lusiada, cujo argumento era o mesmo

que elle emprehendeu: «Viendo la Lusiada (são palavras de Manoel de Faria e Sousa, no Index dos Authores portuguezes), cujo original vimos, cayeronle sus osadias, y fuè su Poema por el suelo; fué todavia ventaja para el reconocer la ventaja ajena; hizo otras cosas buenas.» (Bibl. lusit.) A perda do poema de Perestrello não é para se lamentar; que verdade de sentimento nacional teria esse guerreiro de Lepanto, sendo elle um dos primeiros aduladores de Philippe II, acceitando benesses do invasor da sua patria? 1

1 Os despeitos contra o poeta não foram simplesmente litterarios; tambem o amesquinhavam com anedoctas pessoaes. No Livro das Visitações da Egreja de Santa Anna, lê-se no assento do anno de 1572: que os Confrades não mandaram fazer os objectos determinados na Visitação anterior, (um armario, dois confessionarios, outros objectos para o culto), e referindo-se ás pessoas amancebadas, vem o seguinte:

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BARBORA que vive junto ao adro com huma pessoa, que per justas causas se não noméa.» 1

Seria referencia áquella rapariga indiana, que o poeta celebrou nas deliciosas Endechas á Barbora cativa? A hypothese, que a Barbora viesse da India a Lisboa procurar Camões, como aventou Burton, é contradictada pela Elegia satirica A Luis de Camões sobre

os amores com a escrava:

Da sua negra absente o perseguia

A saudade, que inda hoje o maltrata;
Com o pensamento n'ella......

O nome de negra tem um sentido especial na India, como se vê pelas Memorias de Francisco Rodrigues da Silveira, designando as indianas e orientaes. Na Satira, escripta em Lisboa, depois da publicação dos Lusiadas,

1 De um resumo das Visitações feito pelo Visconde de Juromenha desde 1570 a 1637.

E' tradição, que depois de publicados os Lusiadas, o Licenciado João Fragoso, cirurgião-mór da rainha D. Catherina, que acompanhou a Infanta D. Isabel quando casou com Carlos v, e ficou em Castella, onde era conhecido pelo epitheto de el Doctor Português, escrevera algumas Cartas a Camões interrogando-o sobre phenomenos que encontrara celebrados na sua epopêa. Dupérron de Casterá, defendendo a sua traducção franceza dos Lusiadas em um opusculo separado, allude a tres Cartas de Camões, (hoje desconhecidas) em que o poeta se defendia de certas

a palavra negra tomou um sentido concreto, de quem só conhecia as pretas africanas; e assim termina:

Luiz, retrato negro dos amores

Negros seus- aqui jaz;— a endurecida
Luiza negra o fez, com negras dôres,
Mudar em negra morte a negra vida.

Faria e Sousa, commentando a Canção x, st. 10, aponta uma tradição de uma vendeira ambulante, que se condoía da indigencia do poeta: «Uma mulata d'este trato (chamava-se Barbora) sabendo da sua miseria dava-lhe ás vezes um prato do que ia vendendo, e algumas vezes dinheiro do vendido; e elle acceitava-o.. Faria e Sousa era um erudito compilador sem criterio psychologico; a tradição, incompativel com o genio superior e delicado de Camões, é um syncretismo do episodio de Gôa deturpado por uma profunda malevolencia. A mesma malignidade contra o poeta manifesta-se no cargo ridiculo de Provedor dos Defunctos de Macau, que lhe imputaram, cargo que só existiu em 1572, malsinando o injusto mando com que foi preso para Goa por irregularidades da sua administração! O assento da Visitação de Santa Anna de 1572 não se referia a Camões, por que n'esse tempo o seu desvalimento social a nenhuma auctoridade imporia attenções

ou reservas.

arguições do licenciado João Fragoso. Deprehende-se pela noticia de Casterá, que elle vira as tres cartas de Camões, uma em latim, outra em castelhano, outra em portuguez, contendo explicações sobre o seu Poema. Vêl-as-ia em collecção impressa ou inedita? Tambem no prefacio á sua versão dos Lusiadas, justificando-se de certas interpretações que dera ás allegorias de Camões no Canto IX, escreve: «d'ailleurs il s'en est encore expliqué plus clairement dans quelques unes de ses Lettres; ainsi l'on n'a que à le suivre pas a pas, et l'on verra que je ne lui prête rien.>> Esta abonação cathegorica é evidentemente feita com os documentos á vista. E' pena que nenhum erudito salvasse pela imprensa as preciosas Cartas, ainda existentes em 1735. O licenciado João Fragoso estava no auge da sua reputação, quando Camões regressara a Lisboa em 1570, e publicava então os Erotemas Chirurgicos, e o resumo dos Colloquios dos Simples do Dr. Garcia d'Orta com o titulo de Discursos de las Cosas aromaticas, arboles y frutales, y otras muchas medicinas simples que se traen de la India Oriental, y sierven al uso de la Medicina. Madrid, Francisco Sanchez. 1572. O poema dos Lusiadas, como se vê pelo Privilegio real, era considerado uma obra scientifica, e como tal interessara o Doctor Portugues em Madrid, onde o poema produziu vivissima impressão. Camões vira-se forçado a explicar a sua Epopêa; Thimotheo Lecussan Verdier assevera ter visto um exemplar dos Lusiadas de 1572, que pertencera ao Conde de Vimioso, que estava cheio de notas do proprio punho do Poeta. (Jur., 1,

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