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447.) Camões, entre os antagonismos litterarios, chegara a pedir a alguns amigos que fizessem commentarios aos Lusiadas; assim o escreveu Diogo do Couto em carta a um amigo em 1611, e o licenciado Manoel Corrêa, que se jactava da amisade de Camões, escreveu dos seus Commentarios, na declaração ao leitor: que fizera ha muitos annos estas annotações sobre os Cantos de Luiz de Camões a pedido de um amigo, sem intento de as imprimir, por que se o pretendera, o fizera em vida de Camões, que lh'o pedira com instancia.» Este empenho de Camões fundamenta a existencia de uma cabala de outros poetas da côrte, que o combatiam na sombra.

Em 1572 gravava o eximio calligrapho Manoel Barata as chapas para o seu livro Exemplares de diversas sortes de Letras, que por fatalidade ficou inedito até ao anno de 1590. Em uma das chapas vem a assignatura de Manoel Barata em anagramma: Scrip. à LEUNAM OTTARAB Lusit. Vlisb. Anno Dni 1572. Camões foi por elle convidado para coin pôr um encomio em verso para acompanhar o livro da calligraphia; eram conhecidos das antigas relações da côrte em 1545 a 1546, quando Manoel Barata era mestre de escrever da Infanta D. Maria e depois do Princepe D. João, sendo admirado como um dos ultimos illuministas portuguezes. Camões celebrou o seu amigo com o primoroso Soneto, que começa:

Ditosa penna. como a mão que a guia
Com tantas perfeições de subtil arte...

E termina alluldindo á sua velha amisade e convivencia na côrte outr'ora:

Teu nome, Emanuel, de hum n'outro pólo
Voando se levanta e te pregoa
Agora, que ninguem te levantava.
E por que im mortal sejas, eis Apollo
Te offerece de flores a coroa

Que de longe tempo te guardava. Manoel Barata estava com grandissimo desejo de sahir á luz com a sua Polygraphia, para commum proveito de todos. A morte atalhou esse desejo, ficando a obra inedita até 1590 em que a publicou o livreiro João de Ocanha; assim ficou tambem inedito até esse tempo o bello Soneto de Camões, que foi incorporado na edição das Rimas de 1685, colligido dos papeis de Faria e Sousa, numero CXXXVII, pela primeira vez attribuido a Camões.

O apparecimento dos Lusiadas em 1572 deu a Camões uma notoriedade, tornando-o procurado por varios escriptores, ou comparecendo em actos publicos, como o homem da moda. No convento da Madre de Deus, em Xabregas, fez em 1572 a sua profissão D. Maria de Menezes; assistiu D. Sebastião ao acto apparatoso, e dizendo-lhe a donzella que pe. disse o monarcha o que desejava, por que n’aquelle dia o céo lh'o concederia pela santidade do seu voto, respondeu-lhe, que pedisse a Deus que o fizesse seu Capitão. Camões assistiu a este acto, como se vê pelo Soneto CXLIV, onde diz com a sua costumada galanteria:

Que modo tão subtl da natureza
Para fugir ao mundo e seus enganos!
Permitte que se esconda em tenros annos
Debaixo de um burel tanta belleza !

N’esta solemnidade, a que assistiu a familia real, prégou o bispo D. Antonio Pinheiro, do maior valimento na côrte, conhecido de Camões desde 1545 como chôcho Mecenas.

Tambem em 1572 foi trasladado D. João III da sepultura provisoria em que estava junto do tumulo do rei D. Manoel desde 12 de Junho de 1557, no mosteiro de Belem, para o seu jazigo definitivo. Celebrou Camões este acto em o Soneto Lix, sob uma impressão de momento:

Quem jaz no grão sepulchro ? que descreve
Tão illustres signaes ao forte escudo?...

Ahi se encontraria com toda a córte e outra vez com o rei D. Sebastião.

Nas grandiosas festas que se fizeram em 1572 pelo regresso do grande Vice rei Dom Luiz de Athayde, Conde de Athouguia, vencedor dos radhjas indianos que se tinham col. ligado para extinguirem o dominio portuguez no Oriente, correram-se jogos de canas, assistindo D. Sebastião e a Infanta D. Maria. Para essas apparatosas festas escreveu Camões, o Soneto LXIV, exaltando o heroe, seu amigo:

Que vençaes no Oriente tantos reis,
Que de novo nos deis da India o Estado...

Mais vencer é na Patria, desarmado
Os monstros e as chimeras que venceis.

O que vos dá mais fama inda no mundo,
É vencerdes

, Senhor, no Reino amigo
Tantas ingratidões, tão grande inveja.

Camões assistiu a estas grandiosas festas feitas em Santo Amaro; elle dirigiu um Epi

gramma ao Senhor Dom Duarte sahindo em Jogo de Canas:

:

Não voa pelo céo com tanta graça
O formoso falcão, dando mil voltas,
Seguindo mui cruel a leve garça
Com curvo bico e unhas tão revôltas :
Como hoje tu correste aquella praça
No ligeiro ginete, a rédeas soltas,
A cara dando á contraria parte
Com acertado assalto, graça e arte.

(Canc. ms. fl. 35.)

Vê-se por estes actos publicos em que appareceu Camões, que se encontrara por mais de uma vez com o rei D. Sebastião. Certas anedoctas tradicioriaes o confirmam. No exemplar dos Lusiadas de 1572, da Livraria velha do Duque de Palmella, está escripto nas guardas da encadernação esta anedocta: Vendo o rei passar Camões em um dia de frio (talvez o inverno aspero de 1572) com uma capa muito usada, dissera ao poeta :

Con esa capa, no mas?
Replicou logo Camões, em forma de glosa:

Si Adam, Señor, no pecara
Pecado tan sin compas,
Ni vuestra Maestad reynara,
Ni yo solo me quedara
Con esta capa, no mas.

Sem ficar pela authenticidade da anedocta, ella dá-nos a impressão da pobreza de Camões e da sua isempção philosophica ante a familiaridade do monarcha.

N’esta phase da vida do poeta, via-se elle cortejado pelos principaes fidalgos, corre

a

spondendo ás suas graciosidades com bons ditos, que nos chegaram apontados por collecções do curiosos. De um d'esses manuscriptos colligiu Juromenha a seguinte anedocta: <Indo o Duque de Aveiro ouvir missa a N. S. do Amparo, ahi encontrou o Poeta, e perguntando-lhe o que queria da sua mesa, respondeu-lhe logo: Que lhe mandasse uma gallinha. Esqueceu-se o Duque, (ou fingiu esquecer-se) e depois de haver jantado, quando já não havia outra cousa, lhe mandou uma peça de carneiro; e o poeta pelo mesmo creado lhe remetteu estes versos:

Já eu vi a taverneiro
Vender vacca por carneiro;
Mas não vi, por vida minha,
Vender vacca por gallinha
Se não ao Duque de Aveiro.» 1

A anedocta do Marquez de Cascaes, Dom Antonio, pertence a esta mesma epoca: «Dom Antonio, Senhor de Cascaes, prometteu a Luiz de Camões seis gallinhas recheadas por uma Copla, que lhe fizera, e mandou-lhe em principio da paga meia gallinha recheada:

Cinco gallinhas e meia
Deve o Senhor de Cascaes;
E a meia vinha cheia
De apetites para as mais. , 8

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1

Jur., Obr. t. 1, p. 135.-- Fixamos esta anedocta depois do regresso do Poeta a Lisboa, por que este titulo só foi creado em 1557. Sobre vender ha o duplo sentido de mercadejar e impingir.

D. Carolina Michaëlis restabeleceu a versão de 1616, fl. 40 °, apetitos significando recheio, e d'ahi a graça amphibologica. Storck, Vida, p. 277.

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