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Outras anedoctas foram transcriptas com variantes curiosas pelas circumstancias que se lhes associaram. Em paga de uma carta de que escrevera para um fidalgo, e tendo recebido em paga quatro frangãos, enviou-lhe o seguinte epigramma:

amores

Moscas, abelhas e zangãos

Me comam bofes e baço,

Se outra como esta faço

A troco de quatro frangãos. 1

Em um manuscripto da Collecção Pombalina, vem este Epigramma com a rubrica : « Disserão umas Damas a Camões que lhe dariam hu tostão se desse consoante a frangãos:

Moscas, mosquitos, zangãos,

Me picassem n'esta mão,

Se por ganhar hŭ tostão'

Não der consoante a frangãos.

2

Não duraram muito estas familiaridades com a aristocracia e cortezãos. O des vairado sonho africanista de Dom Sebastião desde 1574 até 1578 ia-se assignalando por catastrophes temerosas e perigos ameaçadores que afastavam toda a alegria.

Quando Camões estava em Moçambique teve conhecimento da nova empreza de um Imperio Africano, confiada em 1569 a Francisco Barreto, o ex-Governador da India. Refere Diogo do Couto: «Estando nós de arribada em Moçambique chegou em Julho Vasco

1 Jur., Obr., t. I, p. 135.

2 Ms. 133, fl. 28. (Coll. Pomb. Na Bibl. nacional.)

Fernandes Homem em uma náo (Assumpção) com muito boa gente, a qual tinha partido do reino em companhia de Francisco Barreto, que foi Governador da India, que El Rei D. Sebastião mandava por Conquistador das minas de ouro e prata de Manamotapa, e Capitão Geral desde o Cabo das Correntes até o de Guardafu.» Camões, que bem conhecia o esgotamento das riquezas da India, agora dividida em varios Governos, avaliava a importancia d'esta nova empreza de um Velocino de ouro, que hallucina a côrte de Lisboa. Linschot explica as condições, que conduziam a essa exploração: «Os Portuguezes que vivem n'esta ilha (Moçambique) tem commercio com os habitantes da terra firme das povoações mais proximas, como Sena, Macuwa, Sofala, Cuama, e outras praças,-perto d'esta fortaleza (em Sofala) são as minas de ouro de Manamotapa... N'esta mina de Manamotapa acham-se em abundancia areias de ouro, que chamam Batongo, e Ouro em pó.........» Para a exploração e conquista d'estas Minas foi nomeado Francisco Barreto, levando tres náos com mil homens, acompanhando-o como adjunto o jesuita Monclaros. Diogo do Couto, no Soldado pratico, allude a esta empreza da fundação de um Imperio colonial na Africa, entre o Atlantico e Oceano Indico: <que se façam povoações de portuguezes e christãos da terrae d'ella poderão penetrar esse coração da Cafraria até a outra parte de Angola, com que faça communicavel o mar Atlantico com a India; porque tenho para mim que ha menos de duzentas leguas de travessia. E eu vi na Feitoria de Moçam

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bique registada uma Carta que o Governador Francisco Barreto escreveu a El-rei, andando na conquista d'este Reyno de Manamotapa, em que lhe dava conta que fôra á costa de Melinde a fazer certos negocios, e que estando no reyno do Atondo lhe affirmaram uns mouros antigos que d'alli até o outro mar da outra costa havia quinze ou vinte dias de caminho; ao que El rey lhe respondeu, que trabalhasse de descobrir aquillo, porque mais o estimaria do que as minas.» (p. 149.) O insigne chronista vê já n'essa empreza mais um estimulo para ambição castelhana:

«SOLDADO:mas parece que todas (as minas) se guardarão para os Hespanhoes, e praza a Deus, que se não guarde ainda este nosso Reyno para elles.

«DESPACH.: Que mais fôra isso? El Rey de Castella não é tambem portuguez? (Referia-se a Philippe II, filho e neto de princezas de Portugal.)

« SOLD. — Vêjo este nosso Rey môço sem casar, faltam-nos herdairos de casa; se assim fôr isso, viremos a dar n'estes outros de fóra; e não vêjo outro inconveniente senão as antigas reixas que sempre houve entre nós e os Castelhanos.

«FIDALGO. Quando succedesse isso nada me receio; por que essa ponta não a ha senão na gente baixa, que na nobre é outra cousa mui differente. Quem mais primoroso que os Hespanhoes?...

DESPACH. Deixemos de disputas do que está nas mãos de Deus.» (p. 147.)

Na conhecida carta do bispo D. Jeronymo Osorio ao jesuita P.e Luiz Gonçalves, confes

sor e director espiritual do rei D. Sebastião, acham-se phrases que pintam ao vivo o imperio da Companhia em 1570 em Portugal. Censurando ser o P.e Luiz Gonçalves o primeiro que na Companhia «acceitasse officios publicos e governo da terra, e que logo ordenou as cousas e intabolou seu irmão mancebo, sem experiencia de negocios, sem aucto ridade sahido das Escolas de quatro dias com mediocres letras, pobre de conselho com El rei menino... A isto se ajunta o medo de que dizem, que o senhor Martim Gonçalves governa isento e absoluto, quanto nunca se viu n'esta terra, nem fóra d'ella, em homens que valeram muito...; porque o mesmo que dizem que faz, é responder a pessoas gravissimas, que d'isso se queixam, que não hade consentir que El Rei faça tal ou tal cousa; e das que lhe percebem passa portaria sem El rei o saber... de maneira que a linguagem da gente mais grave é terem um Rei cativo de dois irmãos que pouco a pouco o vão fazendo outro Rei de Ormuz; tanto que tem a mais da gente assentado comsigo, que V. Reverendissima, que por ter a El-Rei mais seguro, lhe faz prometter Voto de Obediencia, como os da Com. panhia costumam a seus confessados; . . . nunca vi maior esquecimento, que tratarem as cousas de maneira, que se façam a si e a toda a Companhia e á Pessoa de um Rei de dezesete annos, que naturalmente é amavel, os mais aborrecidos e os mais odiosos, que quantos nunca houve em Portugal...; em tanto que nos logares a gente de todos os estados falla sem medo, viram que todos tomariam antes por ser governados por dois tur

COS... porque o aborrecimento de El Rei é geral em todos, o odio dos que valem com elle é publico...; e não pode a desventura chegar a este Reino a peior estado que suspirarem linguas (e darem animos e lealdades portuguezas) por Senhorio estrangeiro, e darem rasões para lhes ser melhor servir a Castella, que serem tyranisados dos naturaes, e dizerem alto, que pouco lhes vae em dizer: - Beijo as mãos ou Bezo las manos a vuestra mercê; e escrevem-se d'isto tantas cartas e novas a Castella, que é medo.aventure se o senhor seu irmão a valer menos, e a lançar El rei mão de outra gente, desbaratada e perdida de todo por mais merecimentos que tenha, tanto que o Senhor vosso irmão tiver pouco gosto d'ella, porque tudo por derradeiro vem a resultar em odio de El rei, inquietação da terra, e muito maior odio de vossas mercês ambas.»>

Por este trecho da carta do bispo Osorio vê-se o quadro da situação politica do novo reinado. A familia real estava em completa dissidencia, mas os seus directores espiri tuaes, os Jesuitas P.e Luiz Gonçalves, 1 mes

1 O P. Luiz Gonçalves da Camara, era filho de João Gonçalves da Camara, 4° Capitão Donatario do Funchal, e de sua mulher D. Leonor de Vilhena, filha de D. João de Menezes, Conde de Tarouca e Prior-mór do Crato. Tendo estudado em Paris as linguas latina, grega e hebraica, tomou a roupêta da Companhia em 2 de Abril de 1545, e ahi occupou varios cargos, e exercendo o seu poderoso influxo como mestre e confessor de D. Sebastião. Philippe 11 mandou D. João de Borja como seu embaixador inquirir d'estas perturbações da côrte portugueza, e aponta-lhe nas Instrucções dadas:

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