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conservado na tradição referida em 1621 por D. Fernando Alvia de Castro nos seus Aphorismos politicos y militares y Exemplos saca. dos de la primera Decada de Juan de Barros, p. 15: «morrera miseravelmente em um hospital d'esta cidade.» Não é indifferente este testemunho de Alvia de Castro, que exercia desde annos muito anteriores a 1621 o logar de Provedor da Real Armada e Exercito do Mar Oceano e da Gente de Guerra e Galeras do reino de Portugal; era além d'isso homem dado a trabalhos litterarios, que imprimiu na typographia de Pedro Craesbeck desde 1616 a 1633. A sua referencia a Camões não é banal, mas a repetição do facto positivo: morreu miseravelmente em um hospital. Fizeram se abarracamentos ou hospitaes provisorios para os pestiferados, em 1580, que eram providos de remedios pelo Hospital de Todos os Santos; foi em um d'esses, que recolhido por ordem do Provedor-mór da Saude, ahi desconhecido e desconhecido e ao desamparo morreu Camões. Innocencio, ignorando a existencia da peste de 1580 e os regulamentos da saude, observa que a phrase de Alvia de Castro é «prova sufficiente de que havia áquelle tempo em Lisboa diversos hospitaes.» Manoel Severim de Faria, escrevia em 1624, sem dizer o logar em que faleceu Camões: «Estava n'este tempo em tanta pobreza, que de casa de D. Francisco de Portugal lhe

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1 Lisboa, 1621, in-4.* Ed. de Pedro Craesbeck de Mello.

9 Dicc. Bibliogr., t. v, p. 246.

mandaram o lençol em que o amortalharam, e assim foi sepultado na igreja de Santa Anna sem letreiro ou campa alguma, que mostrasse o logar da sua sepultura.» Se Camões falecesse em sua casa não iria para a cova amortalhado em um lençol; como no hospital em que o viu morrer Frei Josep Indio elle não tinha uma savana com que se cobrir, n'esta penuria extrema lhe acudiram da Casa de Vimioso.

Faria e Sousa na primeira Vida de Camões, (cap. 14) seguiu esta tradição: «Algunos dizen que el Poeta murió en un hospital.» E tirando as consequencias do facto, hoje authenticado pelo testemunho de Frei Josep Indio, conclue que elle não foi enterrado na egreja de Santa Anna: «ni puede ser menos, por que los enfermos en los hospitales en ellos se enterran... Ainda em 1669 escrevia Franco Barreto, na pequena biographia na sua edição dos Lusiadas seguindo a tradição: «Acabou... uns dizem que no Hospital de Lisboa, outros que em lastima de tanta pobreza, que nem hu lençol seu o quiz amorta

lhar.»

Houve uma alteração na tradição, affirmando-se, mais tarde, que morrera em sua casa. Em um Ms. da Bibliotheca de Evora, (CXVII-1-7) lê-se: «Em hua casa pobre que está ou estava na 1.a travessa á mão direita passado o postigo de Santa Anna e he a ultima pegada á cêrca dos Padres de Santo Antão. Faria e Sousa na segunda Vida seguiu esta nova corrente: «Pero los mas dizen que el murió en una pobre casita en que vivia cerca del Convento de Monjas Franciscas

y vocacion de Santa Anna.» Como se formou esta nova tradição? Foi pelo syncretismo do cemiterio de Santa Anna, ou Adro da Peste, com a Egreja de Santa Anna; e como na egreja só se enterravam os parochianos, estando ahi sepultado o poeta, é por que falecera em sua casa. Comtudo ainda Franco Barreto diz: «D. Gonçalo Coutinho lhe trasladou seus ossos para a Egreja de Santa Anna...» Por esta passagem se infere que fôra primeiramente enterrrdo em outra parte. Vejamos em que logar foi effectivamente sepultado, sem letreiro ou na vala commum.

Quando grassavam as violentas epidemias creavam-se Cemiterios fóra das Egrejas, que se sagravam com o titulo de Adro da Peste: assim ordenara D. Manoel por a carta de 20 de Março de 1506, que se fizessem dois cemiterios fóra das portas da cidade, um junto a Santa Maria do Paraiso, outro a N. Senhora do Monte: eram o de San Roque e o da Graça. Estes mesmos foram estabelecidos por D. João III, em 1523. Em 1566 os terrenos da encosta de Santa Anna foram sagrados para Adro da Peste, sendo administrado pelo Hospital real quanto ás inhumações: depois este cemiterio denominou-se Cemiterio dos Pobres, Cemiterio do Hospital e ainda Cemiterio da Santa Casa (sahindo da Calçada de Santa Anna, abaixo da Egreja da Pena. D'este Cemiterio de Santa Anna, dizia João Baptista de Castro, no Mappa de Portugal (III, 406.): «onde se enterram os pobres doentes que falecem no Hospital real.» Tambem ahi se sepultavam os padecentes, fazendo-se para ali uma grande procissão annual

no 1.o de Novembro sepultando-se as ossadas dos enforcados.

Vê-se que o facto de ter sido Camões enterrado em 1580 em Santa Anna, então Adro da Peste, foi ulteriormente mal comprehendido em 1594, confundindo-se com a Egreja de Santa Anna, por D. Gonçalo Coutinho, quando quiz dar ao Poeta sepultura honrada. Assim se chegou á affirmação gratuita, que fôra Camões enterrado na egreja de Santa Anna, sendo por isso até hoje improficuas todas as investigações e pesquizas archeologicas. Camões foi lançado á vala do cemiterio dos pestiferados, no Adro da Peste, estabelecido desde 1566 na encosta de Santa Anna.

Camões presentiu que morria com a patria. A 5 de Março de 1580 partiu Philippe II para Guadalupe com o intento de apoderar-se de Portugal pela força; a 9 de Abril passaram a uma legua de Mérida 80 peças de campanha para a invasão com mais de sessenta mil homens. Em carta de 7 de Abril escrevera Philippe II: «En Portugal no hay gente, aunque tienen por lista para 20 de Mayo salgan todos los listados, que dicen son ochenta mil hombres; todo es nada y fanfarria; no tienen que comer un dia, ni municiones; la necessidad les hade hacer venir á lo que mucho les pesa, que no pueden llevar en paciencia los señores portugueses.» Vicente Espinel, na novella Marcos Obregan, diz que Philippe II abafando logo a resistencia nacional

1 Documentos para a Historia de Hespanha, t. VII, p. 285. Idem, ib.

reduzira a melhor fórma as cousas de Portugal: «Luego que por el pronostico y significacion de aquel Cometa, é por la magestad de Diós sabe y fué servido, murió el Rey D. Sebastian de Portugal... como succedió el Cardenal D. Enrique, tio de Filipe II y lo llamó á la succession del Reino, toda Castilla y Andalucia se movió á ir servir á su Rey con el amor y obediencia, - Socegadas ó por mejor decir, reducidas a mejor fórma las cosas de Portugal...» (Descanso II, Rel. II.) O poeta Fernando de Herrera, que fôra amigo de Camões, alludindo á invasão de Philippe II condemnava a resistencia nacional:

La ardiente Libia es triste sepultura

del destruido Reino lusitano,

é eterna pena á su fatal locura.

No a visto (el que ve tudo) immenso cielo
empreza de maior atrevimiento;

mas firme coraçon i sin recelo.
Contumaz é cobarde movimiento,
furor plebeyo, i desleal nobleza,
indino de sufrir vital aliento.
Do está la fé que á la real alteza
deves? a do fuyó de tu memoria
a do la religion i su firmeza?
Piensas ó esperas alcançar vitoria

contra Diós? contra el Rey? o intento ciego,
dino de vituperio i no de gloria.

O como crias en tu pecho el fuego
qu'ade abrazear tu patria generosa
sin que esfuerzo te valga ó umilde ruego.
Cual sobervia turbion de la fragosa
alcaçar se despeña d'Apenino,
tal va contra ti España poderosa.
Apresurar el passo a su destino
veo las cosas todas; i en mi pecho
hazer los pensamientos un camiño...

(Obras, p. 134 a 136.)

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