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A entrada de Philippe II fez-se solemnemente em Lisboa, em 26 de Junho de 1581, depois de passada a peste. Referem que perguntara por Camões; dil-o Faria e Sousa na segunda Vida: «El Rey Don Felipe el Segundo podia juzgar de escritos; y aviendo leido su Poema heroico, por el lo estimó mucho. Después cuando entró en Lisboa el año de 1581, deseoso de verlo mandó que se lo troxessen, y se mostró pesaroso de oir que pocos mezes antes era falecido.» (§. 35.) Ao passo que Philippe II mandou cortar as cabeças a todos os patriotas com coragem, comprava com mercês aquelles que por qualquer fórma podiam levantar a opinião publica. Na Chancellaria de Philippe II encontram-se alvarás de rendosas mercês aos poetas Pedro de Andrade Caminha, Diogo Bernardes e Fernão Alvares d'Oriente; André Falcão de Resende vae requerer mercês a Madrid, Pero da Costa Perestrello acceita o cargo de Secretario do Archiduque Alberto, e Francisco Rodrigues Lobo e outros poetas menores bajulam em versos castelhanos o invasor. Camões estava felizmente morto, para escapar a esta pressão corrupta; mas ainda assim, fabricaram-se estrophes para serem additadas aos Lusiadas, consagrando uma a unificação de Portugal e Hespanha:

Tempo virá que entr'ambos hemispherios
Descobertos por vós e conquistados,

E com batalhas, mortes, cativerios,
Os varios povos d'elles sujeitados;

De Hespanha os dois grandissimos Imperios
Serão n'um Senhorio só juntados,
Ficando por metropoli e senhora

A Cidade que cá vos manda agora.

Pertence esta estrophe ao 2.o Manuscripto dos Lusiadas (de Corrêa Montenegro) cheio de castelhanismo, que desvenda o seu espirito. A rapidez com que se publicaram ainda 1580 duas traducções castelhanas dos Lusiadas, obriga a reflexões. A 26 de Março de 1580 já estava prompta para se imprimir a traducção dos Lusiadas por Benito Caldera, joven portuguez que residia em Madrid. Camões não chegou a vêr esta homenagem prestada á sua obra, podendo comtudo saber que estava a imprimir-se. N'este mesmo anno publicou uma segunda traducção dos Lusiadas Luiz Gomes de Tapia, visinho de Sevilha, onde residiam muitos portuguezes resga tados. Na versão de Tapia allude-se á de Caldera. Pode ser que estas traducções fossem mandadas fazer por ordem superior para captar por esse modo Camões, já denominado Princepe dos Poetas das Hespanhas, a favor da causa de Philippe II. O exercito castelhano entrava já a fronteira, como se declara na versão de Tapia. Camões tornara verdadeira a sua previsão: morria com a patria.

1 Da morte de Fr. Francisco Foreiro em 10 de fevereiro de 1581, escreve Barbosa Machado: «Não faltou quem escrevesse que morreu este grande varão de repente ao vêr do Convento de Almada as praias de Lisboa occupadas pelo exereito do Duque de Alba contra o sr. D. Antonio, que fora seu discipulo... » (A morte deu se seis mezes depois.)

E Faria e Sousa falla de outra morte por emoção: Estando enfermo Fr. Juan da Silva, religiosò de S. Domingo, y dandosele la nueva de la perdida del Rey Don Sebastiano, vuelto el rostro a la pared expiró.» (Comm. ao Soneto 37, p. 91.)

Quando morreu prematuramente o princepe D. Affonso, unico herdeiro de D. João II, escreveu o poeta palaciano Alvaro de Brito: <Morreu nossa esperança de nom vyr a sugeiçam. N'esta crise da morte de D. Sebastião tornou-se realidade o antigo terror da perda da nacionalidade. No espirito publico começou-se a apropriar as lendas do rei Arthur na ilha de Avalon ao Rei D. Sebastião, que seria o monarcha do Quinto Imperio do mundo constituido pelos portuguezes. Reflecte-se este estado phantsmagorico na condemnação das Prophecias ou Trovas de Bandarra no Index Expurgatorio de 1581, fl. 23. Lembrando a tradição, que a mortalha de Camões foi dada pela Casa do Conde de Vimioso, torna-se digno de reflexão o facto de se terem passado a escripto as Trovas de Bandarra para serem offerecidas ao bispo D. João de Portugal, filho do Conde de Vimioso, que Philippe II privou da sua mitra do bispado da Guarda, clausurando-o em um mosteiro augustiniano. Sob o jugo castelhano começaram a ser lidas e interpretadas no espirito da revivescencia nacional as Trovas do sapateiro de Trancoso, existindo, como declara o Editor de Nantes: «immensa multidão de treslados d'estas Trovas, todos viciados e corruptos, pois não havia pessoa que não tivesse um Bandarra a seu modo.» Fóra da realidade da historia, alentavamos o espirito nacional com um sonho, a eterna esperança, caracteristica da nossa raça lusa.

As grandes transformações do governo philippino, pelo menos nos primeiros dois annos, deixaram no olvido o nome de Camões,

que ia resurgir como um symbolo da alma nacional. Define-se este movimento no facto de ser em 31 de Maio de 1582, dada á mãe de Camões Anna de Sá, 6$000 reis da tença que vagou pela morte de seu filho:

«

<< Eu El Rey faço saber a vos João Rodrigues de palma cavalleiro fidalgo de minha casa Recebedor do dinheiro do hum por cento e obras pias ou a quem o dito cargo servir que eu ey por bem e me praz fazer mercê a Ana de Sá mãi de Luis de Comõis seis mil reis cada anno dos quinze mil reis da tença que vagárão polo dito seu filho, avendo respeito aos serviços que elle fez na India e no reino e a ella Anna de Sá ser muyto velha e pobre, e delle não ficar outro erdeiro pelo que vos mando que de vinte e dous dias deste mez de Mayo do presente de DLXXXII, em diante em que fiz esta mercê á dita Anna de Sá lhe deis e pagueis os ditos seis mil reis em cada anno aos quarteis por este só allvará sem mais outra provisão e pelo treslado delle que será registado no Livro de vosa despeza pelo escrivão de voso cargo com seus conhecimentos mando que vos sejam levados em conta, e esto ey por bem valha, etc. na forma Gonçalo Ribeiro a fez em Lisboa a XXX1 de maio de M.D.LXXXI. E eu Diogo Velho a fiz escrever. (Doações de D. Sebastião e D. Henrique. Livro XLV, fl. 388. Na Torre do Tombo.)

Este acto humano a favor da mãe de Camões, desvalida e decrepita, só podia occorrer a quem conhecia a sua situação, como muito velha e pobre; no auge do seu poder Philippe II não podia importar-se com tal miseria, como pretende Storck, e só o ministro Pedro de Alcaçova Carneiro, que de longos annos admirava Camões, podia influir n'esse acto benefico.

Uma circumstancia fortuita veiu precisar authenticamente o dia, mez e anno da morte de Camões; foi a parte da tença que o poeta não

chegara a receber e que fôra entregue a sua mãe pela: Ementa pela qual consta se mandou pagar o saldo de 6$765 reis, que se deviam a Luis de Camões, a sua mãe, por seu falecimento a 10 de Junho de 1580.

-

6$765 - do thesoureiro da chancellaria da Casa do Civel a Anna de Sá, mãe de Luis de Camões que Deus haja, por outros tantos que ao dito seu filho eram devidos de 1 de Janeiro do anno de 1580 até 10 de Junho d'elle em que faleceu, a rasão de 15$000 por anno, de tença. Em Lisboa, 18 de Novembro de 1582. Por Duarte de Castel Branco». (Doações de D. Sebastião e D. Henrique, Liv. XLV, fl. 388. Na Torre do Tombo.)

Cabe a gloria ao visconde de Juromenha de ter vulgarisado este documento que fixa a data da morte de Camões.

Por alvará de 5 de Fevereiro de 1585 foi dada a tença completa de 15$000 á mãe do poeta, a contar de 17 de Novembro de 1584; encontra-se n'esse documento um facto desconhecido: o ter sido Camões nomeado para a Feitoria de Chaul, em cuja sebrevivencia não chegara a entrar:

D. Felipe. Et. Faço saber a quantos esta minha carta virem que avendo respeito aos serviços de Simão Vas de Camõis e aos de Luis de Camõis seu filho, Cavalleiro de minha Casa, e a não entrar na feytoria de Chaul de que era provido e a vagarem por sua morte quinze mil reis de tença, hei por bem e me praz fazer mercê a Anna de Sá sua mulher do dito Simão Vaz e may do dito Luis de Camõis, de nove mil reis de tença em cada hum anno e dias de sua vyda, alem dos seis mil reis que já tem de tença em sua vida os quaes nove mil reis de tença começará a vencer de desasete dias do mez de novembro do anno passado de MDLXXXIV em diante em que lhe fiz esta mercê, e portanto mando aos Vedores de minha fazenda que lhe façam assentar os

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