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nheiro da nossa vida; com o estudo torna-se o nosso confidente, e na velhice, se o abandonamos por um momento, voltamos logo a elle famintos.» Esta unidade moral realisada pela Tradição fez da Grecia a mais bella floração humana, e a impulsora de todas as Re

nascenças.

Elaborando a Epopêa da nacionalidade portugueza, sente-se quanto em Camões a poesia da Tradição o animava sob o prestigio dos modelos classicos. Todas as pittorescas lendas que bordam a historia de Portugal, como a Apparição de Ourique e o sonho da Quinta Monarchia, as façanhas de Egas Moniz, Geraldo Sem-pavor e dos Doze de Inglaterra, os amores patheticos de Ignez de Castro e de Leonor de Sá, as lendas geographicas do Dragão de Colchos transformado no Adamastor, e das Ilhas Fortunatas na Ilha dos Amores, revelam como se fundiam as duas correntes poeticas, medieval e classica, na fórma definitiva, que não é só de Portugal mas da Renascença.

E quando o palacianismo adoptava como lingua da côrte o castelhano, repellindo a linguagem nacional para o vulgo rude, tambem Camões deu fórma perfeita e imperecivel a esta fronteira moral da nacionalidade: foi elle o que melhor fundou a disciplina grammatical da lingua, enriquecendo-lhe o vocabulario com os archaismos e neologismos necessarios á expressão pittoresca, fixando accentuações e dando á construcção syntaxica a plasticidade latina. Embora a sua linguagem represente todo o purismo dos Quinhentistas, ella é ainda hoje actual e corrente. Póde-se

dizer, que os Lusiadas, e tambem toda a sua obra lyrica, sempre imitada, obstaram á scisão da lingua portugueza em dialectos, sendo sob o dominio castelhano o maior estimulo para a restauração da nacionalidade.

Como individualidade preponderante, Camões hombrea com as maiores que se destacaram no quadro do seculo XVI; a sua vida atormentada, cheia de decepções, mas sempre enlevado em uma esperança ideal, é uma encarnação do temperamento affectivo da raça soffredora e aventureira. Os desdens de uma côrte fanatica, injustiças, destêrros e vida errante de soldado na India, naufragios e miseria, tudo veiu em vez de quebral-o accentuar-lhe mais a individualidade. João Paulo Richter, em um relampago de genio mede-lhe assim a estatura: «Os poetas da antiguidade eram cidadãos e soldados antes de serem poetas, e em todos os tempos, a mão dos grandes poetas épicos, em particular, teve de manobrar o timão nas ondas da vida, antes de empenhar o pincel que traça a viagem; assim CAMÕES, Dante, Milton... Quanto foram Shakespeare e mais ainda Cervantes, atormentados, matraqueados, sulcados pela existencia, antes que em cada um d'elles o germen da flor poetica se desenvolvesse e engrandecesse.» (Poetica, c. 1, § 2.) As particularidades e minucias biographicas com que desde o fim do seculo XVI se tem procurado esclarecer a vida de Camões, conduzem a esta synthese entrevista por João Paulo. Mesmo o poeta na sua morte é luz philosophica que nos orienta: no momento em que não pôde mais tocar a patria livre, expirou com ella,

como em um só paroxismo. O seu genio e a alma nacional ficaram immortaes na Epopêa dos Lusiadas, um Symbolo vivo para os portuguezes, e para a Europa culta a expressão esthetica da civilisação moderna idealisada pelo Homero das Linguas vivas, como lhe chamou o sabio Alexandre de Humboldt.

INTRODUCÇÃO

A Renascença do Seculo XVI e a Nacionalidade
portugueza

Todas as energias sociaes, especulativas e affectivas que fulguraram na Renascença do seculo XIII, nas luctas das Communas, no heroismo das Cruzadas, no lyrismo dos trovadores, nas abstracções do Idealismo alexandrino ou neo-platonico, nas audacias da Dialectica, e no culto cavalheiresco da Mulher definindo-se na adoração da Virgem, apagaram-se na inanidade, diante da tremenda reacção da Egreja colligada com a Realeza. Por que se operou este extraordinario eclipse na Civilisação occidental, que renascia? Por que a todas essas energias faltou uma base objectiva, experimental, verifica vel ou scientifica. A natureza era um prestigio para as especulações da magia, e não para a observação inductiva. D'esse fulgor da primeira Renascença conservou Petrarcha o facho sagrado do ly

rismo trobadoresco, e acordou a paixão de um novo amor, as Lettras humanas, as obras ineditas e despresadas da cultura greco-romana. Foram estas duas tradições, que se revigoraram no meado do seculo XV e acordaram o sentimento poetico e o enthuziasmo do Humanismo com que a Italia abriu a éra de uma segunda Renascença. Esse Humanismo, que appresentou o aspecto philologico, pela reproducção pela Imprensa dos exemplares gregos e romanos, tornou-se critico nas luctas theologicas, servindo de arma de combate aos Erasmistas, e de base de reacção mental pedagogica aos Jesuitas, e conduziu ás prematuras syntheses philosophicas, como as formularam Giordano Bruno e Campanella. A Renascença, que constitue a essencia do seculo XVI, actuando nas energias de todas as nações, estava destinada a extinguir-se sob as reacções catholica e monarchica, e a esgotar-se na esterilidade, tal como succedera no seculo XIII. N'esta segunda crise de revivescencia da Civilisação occidental, appareceu um elemento organico e fecundo, que deu á rasão a base positiva o conhecimento fundado na observação da Natureza, fazendo prevalecer o espirito scientifico em vez da credulidade medieval. Essa tendencia para o estudo da Natureza proveiu dos grandes Descobrimentos maritimos dos Portuguezes; e a Renascença começa, terminada a epoca social e mental da Edade média, conservando-se o antagonismo dos dois espiritos germanico e latino.

O que foi a Edade Média? A germanisação do mundo occidental pelas tremendas in

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