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thero detesta-o, seguindo o sentido allegorico e tropologico. N'este capricho da imaginação consistia o livre-exame da Refórma, convertendo a exegese em grammatical ou historica segundo a conveniencia. Na lucta da Egreja contra o Protestantismo, sustentada pela Companhia de Jesus, toda a theologia da Graça efficaz foi atacada e substituida pela justificação pelas obras, (penitencias e indulgencias) que se tornou a base da sua moral accomodaticia. Para Luthero, a Graça mereciase pelo impulso intimo do individuo, salvando-se pela Fé; Fides sola justificat. A alma germanica acordava no seu ethos para revelar se como nacionalidade; a Refórma, abandonada por Carlos v pelo Acto de 26 de Maio de 1521, dá a vibração sentimental religiosa ás aspirações do germanismo (separado do Imperialismo) inspirando os artistas, como Lucas Cranach, Albrecht Dürer, poetas como Hans Sachs, o principal dos Maester Sangers, e Ulric de Hutten, philosophos e humanistas como Reuchlin e Melanchton. N'esta corrente creadora de revivescencia germanica, Luthero cria a prosa allemã, na poderosa traducção da Biblia, e nos Coraes sacros dá o impulso para o desenvolvimento do Lied popular que vinha dar expressão ao genio musical da Allemanha. A influencia da publicação da Germania de Tacito, viera revelar á Allemanha a consciencia da sua tradição ethnica; e na lucta entre o Sacerdocio e o Imperio, em que o nacionalismo e o espirito secular se accentúam na eleição de Carlos v pelos magnates teutonicos, Hutten vê n'elle um Arminio, symbolisando as luctas da raça germanica contra

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Roma. A Allemanha da Refórma proseguiu no seu fecundo engrandecimento nacional, e o Ocidente atrazou-se pelas tremendas reacções do imperialismo de Carlos v. A dictadura monarchica funda-se na Europa do seculo XVI pelo estabelecimento dos Exercitos permanentes, organisação militar inventada pelos Turcos e causa dos seus triumphos. Quando a Europa, pelos altos progressos intellectuaes e emprezas economicas avançava libertando-se do prestigio das ficções theologicas, adquirindo o espirito novo pela verificação das verdades racionaes, os seus chefes temporaes retrogradavam á imitação do poder da Turquia.

A Refórma na Inglaterra, que leva a dissidencia á separação da dependencia de Roma sob Henrique VIII, foi mais do que um arbitrio monarchico, foi uma revelação do nacionalismo; era o genio germanico immanente na raça saxonia, repellindo a auctoridade romanista. N'essa lucta, que se particularisa contra a Hespanha, (fóco da reacção catholica) a Inglaterra torna-se uma potencia ante o equilibrio europeu; Shakespeare apparece como a synthese da alma britanica, a expressão completa do genio da nacionalidade ingleza.

O problema da Refórma em Hespanha e Portugal appresenta um aspecto especial; no seculo XVI, os tres monarchas Carlos v, Fran

1 Michelet, diante do brutal imperialismo germanico de Bismark, notava que esta não era a Allemanha de Jacob Grimm.

cisco e Henrique VIII disputam, na corrente do humanismo que domina todas as intelligencias, qual hade possuir a Erasmo nos seus estados. Tambem Dom João III procurava attrahir Erasmo a Portugal. Erasmo era visitado por hespanhoes e portuguezes como Luiz Vives, Damião de Goes e André de Resende; um louvor de Erasmo era um titulo de superioridade mental.

A simples erudição dos Humanistas sob a influencia de Erasmo, conduzia fatalmente pela recensão critica dos textos á sua interpretação critica doutrinaria, que provocava as dissidencias theologicas. Era o primeiro passo para a Refórma da disciplina da Egreja, cuja necessidade era reconhecida pelos espiritos orthodoxos. Essa aspiração a uma Refórma manifestara-se no seculo XV, nos Concilios de Pisa, de Constança e Basilêa, assembleias constituintes da soberania papal, com os poderes plenos de alterar as bases dogmaticas da religião. Os Papas pozeram-se em antagonismo com os 'Concilios, impondo a sua soberania acima dos seus poderes constituintes, e procedendo como princepes temporaes na vida luxuosa e desenvolta. O espirito da Refórma, que visava a disciplina, exacerbouse com as dissipações da côrte romana, e no principio do seculo XVI visou directamente a hierarchia ou o proprio pontificado. Reclamase de toda a parte um Concilio; os Papas illudem em quanto pódem essa reclamação, que veiu a ser attendida na convocação do Concilio de Trento. Escrevia Edgar Quinet: «No intervallo de duas gerações a Refórma explo diu, não como um rumor surdo, uma censu

ra timida. mas n'uma scisão estrondosa, triumphante. O Norte rompeu com o Meio Dia; a Egreja dividiu-se; precisando reunir forças para defender-se, d'este momento em diante começa a reacção do Catholicismo ameaçado de succumbir pela surpreza;...» (Rev. d'Italie, p. 398.)

O primeiro momento da Refórma foi denominado em Hespanha pelo Erasmismo; as obras do grande humanista fôram espalhadas em Hespanha por Luiz Vives, que frequentara em Paris os cursos de philosophia, relacionando-se pessoalmente com Erasmo em Louvain, constituindo então com Budeus o valente triumvirato do Humanismo. A leitura dos Evangelhos facilitada ao vulgo pelas traducções do texto grego, com commentarios, acordava nos espiritos meditativos a critica. A auctoridade do padre cessava ante o crente, que na sua effusão religiosa_avançava por si ás fontes da revelação. Os Erasmistas não apoiavam Luthero, seguiam a auctoridade da Escriptura. O celebre Nebrija, renovador dos estudos philologicos em Hespanha, preconisava a leitura dos livros sagrados como meio de acabar com o scholasticismo dos theologos; era o amigo intimo de Ayres Barbosa na Universidade de Salamanca. Chamavam-se romanistas estes humanistas que insinuando a extirpação dos abusos na Egreja, mas sem se revoltarem contra Roma, estabeleciam uma natural relação entre a Renascença e a Refórma. A influencia de Erasmo é continuada por Alfonso de Valdez, resistindo sempre contra as doutrinas de Luthero. João de Valdez, seu irmão, que fôra

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expulso de Hespanha pelo seu mysticismo reformador, por 1530 fixou a residencia em Napoles, onde exerceu um enorme influxo n'esta fórma de agitação religiosa. Ainda em Hespanha, publicou o seu Dialogo entre Mercurio e Caronte (edição sem data) sobre o qual Gil Vicente compoz em fórma dramatica o Auto da Barca do Inferno, representado na côrte portugueza em 1517; ahi diz um personagem, quando entra para a Barca e vê um fidalgo n'ella :

Sancta Joanna de Valdez,

Ca he vossa Senhoria.

(Ob., 1, 223.)

E tambem o Companheiro do Diabo, referindo-se á alcoviteira Brisida Vaz:

Diz que não hade vir cá

Sem Joanna de Valdez.

(Ib., p. 231.)

No Auto da Feira ataca Gil Vicente a simonia da Côrte de Roma causticamente, o que leva a inferir o sentido ironico com que alludia ao mysticismo reformador de João de Valdez. Essa corrente mystica, que vinha do seculo XV. chegou a organisar-se em Italia. No meio das pompas sensuaes de que se cercou Leão X, favorecendo a paixão pelas obras artisticas do paganismo e um scepticismo mundano, algumas dezenas de padres conspicuos se reuniam na egreja de S. Sulpicio e Dorothéa, formando espontaneamente uma Associação intitulada Oratorio do Amor divino,

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