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conferindo entre si sobre a doutrina evangelica, discutida pelos humanistas. Caracciolo, biographo de Paulo IV, falla d'esta tentativa ingenua de regeneração christã, semelhante ás primeiras aspirações protestantes. E' normal vêr os grandes espiritos da Renascença manifestarem-se catholicos, os humanistas pela sua tolerancia, os poetas pelo idealismo neoplatonico, considerando o bello um dogma equiparado á fé. N'esta identidade de emoção, encontram-se cardeaes, como Bembo e Sadoleto; artistas, como Raphael e Miguel Angelo; poetas, como Sanazzaro, Sá de Miranda, Camões e Tasso. E não é para admirar que nas suas obras empreguem na mes ma idealisação os Symbolos do Paganismo syncretisados com os do Christianismo. Pomponat, Montaigne, Erasmo e Scaligero, pela cultura humanista attingiam um estado moral de tolerancia diante das questões theologicas, mostrando-se pelo seu indifferentismo mais liberaes do que aquelles que proclamavam a Refórma. E esse indifferentismo fomentava a transigencia da Egreja pelos estudos da Antiguidade pagã. A separação brusca que se realisou dentro do Catholicismo não foi tanto devida aos Protestantes, sacrificados por Carlos V, que queria a sagração imperial de Roma, mas principalmente ao implacavel facinorismo hespanhol, que Ignacio de Loyola pelo systema da rancorosa perfidia da Companhia de Jesus, modificou n'esta fórma mais consentanea com o tempo, que as hecatombes de Torquemada. Emquantojo Protestantismo procurava regressar ás fórmas do Christianismo primitivo, a Egreja de Roma defendeu-se

pela reacção sangrenta das Guerras de Religião, destruindo todo o esplendor da Renascença, e colligando contra o espirito moderno as Monarchias absolutas da Hespanha e da França.

No canto VII dos Lusiadas, como em uma introducção á chegada da armada de Vasco da Gama a Calecut, descreve Camões o estado politico da Europa no periodo mais violento das luctas da Refórma, correspondendo ao momento em que o poeta escrevia. Uma má comprehensão historica d'essas estancias do poema tem querido vêr em Camões um espirito em antinomia com a Refórma. Como um humanista culto e inspirado, elle, como os grandes humanistas italianos, não carecia separar-se da Egreja para apoiar uma renascença christã fundada na justificação pela Fé. No Soneto 236 vem a fórmula nitida do romanismo de João de Valdés, que nos define o seu sentimento religioso:

Cousas ha hi que passam sem ser cridas,
E cousas cridas ha sem ser passadas;
Mas, o melhor de tudo é crêr em Christo.

Quando Camões se achava no fulgor do talento, vulgarisou-se o livro de João de Valdés Alphabeto christiano, impresso na Italia em 1546; n'esse eloquente dialogo escripto para Giulia Gonzaga, duqueza de Trajetto, funda toda a disciplina religiosa no amor de Christo. Pela renuncia ao mundo e pela luz da consciencia, chega-se ao amor de Christo: A perfeição christa não consiste nas obras, que são a consequencia e não a causa da jus

tificação; consiste inteiramente no amor de Deus, e Christo é a via real da salvação. Conhecer Deus por Christo, eis todo o Christianismo.» Era esta doutrina seguida por varios monges franciscanos e augustinianos e homens cultos da Italia; na sociedade napo litana, seguiam com enthuziasmo a doutrina de Valdés, a Duqueza do Camerino, Isabel Manrique, irmã do Inquisidor-mór Manrique, arcebispo de Sevilha, Victoria Colonna, Giulia Gonzaga. Ligava-se esta aspiração religiosa a essa corrente dos grandes mysticos do seculo XV, renovada pelo idealismo e emoção artistica da Renascença. Depois da morte de Valdés em 1541, as perseguições da Inquisição fizeram a dispersão dos seus discipulos, uns exilando-se da Italia e outros morrendo na fogueira. E' a essa nova phase de lucta determinada pela influencia hespanhola, que a Refórma se tornou politica e um assalto contra Roma, destacando o conflicto inconciliavel entre o Germanismo e o Romanismo. Como espirito da Renascença, e na sua aspiração romanista, não podia Camões ter sympathia pela Refórma tal como se mostrava anarchica na Allemanha e na Inglaterra, tendo-se ahi manifestado como um triumpho do germanismo:

Vedel-os ALLEMÃES, soberbo gado,

Que por tão largos campos se apascenta,
Do Successor de Pedro rebelado,

Novo pastor e nova seita inventa.
Vedel-o em feias guerras occupado,

(Que, inda co'o cego error se não contenta)
Não contra o soberbissimo Othomano,
Mas por sahir do jugo soberano.

Vêdel-o duro INGLEZ, que se nomêa
Rei da velha e santissima Cidade,
Que o torpe Ismaelita senhorêa,

(Quem viu honra tão longe da verdade!)
Entre as boreaes neves se recrêa;
Nova maneira faz de Christandade:
Para os de Christo tem a espada núa,
Não por tomar a terra que era sua.

Pois de ti, GALLO indigno, que direi?
Que o nome Christianissimo quizeste,
Não para defendel-o nem guardal-o,
Mas para ser contra elle e derribal-o!

Achas que tens direito em senhorios
De Christãos, sendo o teu tão largo e tanto,

Pois que direi d'aquelles que em delicias
Que o vil ocio do mundo traz comsigo,
Gastam as vidas, logram as divicias,
Esquecidos do seu valor antigo?
Nascem da tyrannia inimicicias,
Que o povo forte tem de si inimigo;
Comtigo, ITALIA, fallo, já submersa
Em vicios mil e de ti mesmo adversa.

(Lus., vi, st. 4 a 8.)

Camões verberava a segunda phase da Refórma, como a deturpara a politica imperial e monarchica nos paizes catholicos, inconciliaveis nas suas ambições, e incapazes de se colligarem contra o poder medonho dos Turcos. O papa Adriano, ainda em 1522 em uma mensagem ao Reichstag de Nuremberg, exigindo a repressão contra os Lutheranos, confessava a dissolução da Curia romana, e prometteu a extirpação dos abusos. Foi impotente o papa, para realisar a Refórma pa.

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cifica dentro da Egreja; e desde que a facção jesuitica ou hespanhola se constituiu, Paulo III preparou a sua maioria parlamentar do episcopado, e convocou o Concilio para Trento. Os Jesuitas o dirigiram e ahi se fizeram valer. Escreve Quinet: Em frente da Refórma, a Egreja catholica recuou para a Edade média deliberadamente, e o Concilio de Trento foi a expressão d'esta reacção apaixonada e cega. Em logar dos papas meio philosophos que iniciaram a Renascença, apparecem papas inquisidores, que evocam a Saint Barthelemy.» ' De facto a um Leão x succedem os Adriano vi, os dois Paulos III e IV, Sixto v, Clemente VIII. Pio v, ex-inquisidor, proclama em 1556 a bulla In Coena Domini, declarando o Papa supremo Senhor do Poder espiritual e do temporal sobre os reis e princepes. Era a réplica á eliminação da hierarchia pontifical na Allemanha e na Inglaterra. Illusão perturbadora, porque o Santo Imperio, que designava a theocracia pontifical romana, assimillou-se ao germanismo imperialista de Carlos v, que abandonon a Refórma faltando ao espirito secular da sua eleição pelos magnates teutonicos. Philippe II continuando o plano imperialista do pae, serve-se da forte disciplina inquisitorial da Egreja para cimentar o seu poder introduzindo a Inquisição nos Paizes Baixos. A educação publica na Allemanha é entregue aos Jesuitas, que estabelecem os seus Collegios em Ingolstadt, Colonia, Praga e Vienna. Vinham

1 Quinet, Revolutions d'Italie, p. 413.

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