Pois vens ver os segredos escondidos Da natureza, e do humido elemento, A nenhum grande humano concedidos De nobre ou de immortal merecimento; Ouve os damnos de mi, que apercebidos Estão a teu sobejo atrevimento Por todo o largo mar, e pela terra,
Que inda has de sobjugar com dura guerra.
Sabe, que, quantas nãos esta viagem, Que tu fazes, fizerem de atrevidas, Inimiga terão esta paragem,
Com ventos, e tormentas desmedidas: E da primeira armada, que passagem Fizer por estas ondas insoffridas, Eu farei d'improviso tal castigo, Que seja mór, o damno, que o perigo.
Aqui espero tomar, se não me engano, De quem me descobrio, summa vingança: E não se acabará só nisto o dano De vossa pertinace confiança;
Antes em vossas nãos vereis cada anno (Se he verdade o, que meu juizo alcança) Naufragios, perdições de toda sorte, Que o menor mål de todos seja a morte.
E do primeiro illustre, que a ventura Com fama alta fizer tocar os ceos, Serei eterna, e nova sepultura, Por juizos incognitos de Deos: Aqui porá da Turca armada dura Os soberbos e prosperos tropheos, Comigo de seus damnos o ameaça A destruida Quiloa com Mombaça.
O gigante Adamastor depois de haver predito os infortunios que naquella paragem haviam de padecer, Pedro Alvares Cabral, e D. Francisco de Almeida, annuncia mais detidamente o nanfragio de Manuel de Souza de Sepulveda e de sua esposa D. Leonôr de Sá, que vieram a perecer com seus filhos no deserto da Cafraria
Outro tambem virá de honrada fama, Liberal, cavalleiro, e namorado, E comsigo trará a formosa dama, Que Amor por grão mercê lhe terá dado: Triste ventura, e negro fado os chama Neste terreno meu, que duro e irado Os deixará d'hum cru naufragio vivos, Para verem trabalhos excessivos.
Verão morrer com fome os filhos charos, Em tanto amor gerados e nascidos: Verão os cafres asperos e avaros Tirar á linda dama seus vestidos: Os crystallinos membros, e preclaros A calma, ao frio, ao ar verão despidos, Despois de ter pizada longamente Co'os delicados pés a area ardente.
E verão mais os olhos, que escaparem De tanto mal, de tanta desventura, Os dous amantes miseros ficarem Na fervida e implacabil espessura: Alli, despois que as pedras abrandarem Com lagrimas de dôr, de magoa pura, Abraçados as almas soltarão
Da formosa e miserrima prisão.
Vasco da Gama. sem se mostrar atemorisado, pergunta ao gigante quem he elle? Adamastor. respondendo, a seu pezar, narra o castigo que lhe foi infligido por haver tentado huma empreza criminosa de que se sahira mal e vergonhosamente)
Mais bia por diante o monstro horrendo Dizendo nossos fados, quando alçado
Lhe disse eu: Quem es tu? que esse estupendo Corpo certo me tem maravilhado.
A bôca, e os olhos negros retorcendo, E dando hum espantoso e grande brado, Me respondeo com voz pezada e amara, Como quem da pergunta lhe pezara:
Eu sou aquelle occulto, e grande Cabo, A quem chamais vós outros Tormentorio, Que nunca a Ptolomeo, Pomponio, Estrabo, Plinio, e quantos passaram, foi notorio: Aqui toda a Africana costa acabo. Neste meu nunca visto promontorio, Que para o polo Antarctico se estende, A quem vossa ousadia tanto offende.
Fui dos filhos asperrimos da terra, Qual Encèlado, Egeo, e o Centimano: Chamei-me Admastor, e fui na guerra Contra o, que vibra os raios de Vulcano: Não que puzêsse serra sobre serra; Mas, conquistando as ondas do Occeano, Fui capitão do mar, por onde andava A armada de Neptuno, que eu buscava.
Eram já neste tempo meus irmãos Vencidos, e em miseria extrema postos; E, por mais segurar-se os deoses vãos, Alguns a varios montes sotopostos: E como contra o ceo não valem mãos, Eu, que chorando andava meus desgostos, Comecei a sentir do fado imigo Por meus atrevimentos o castigo.
Converte-se-me a carne em terra dura, Em penedos os ossos se fizeram, Estes membros, que vês, e esta figura Por estas longas aguas se estenderam: Em fim, minha grandissima estatura Neste remoto cabo converteram Os deoses; e, por mais dobradas magoas, Me anda Thetis cercando destas agoas.
Assi contava, e c'hum medonho chôro Subito d'ante os olhos se apartou: Desfez-se a nuvem negra, e c'hum sonoro Bramido muito longe o mar sÔou. Eu, levantando as mãos ao sancto côro Dos Anjos, que tão longe nos guiou, A Deus pedi, que removesse os duros Casos, que Adamastor contou futuros.
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