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XLII

Pois vens ver os segredos escondidos
Da natureza, e do humido elemento,
A nenhum grande humano concedidos
De nobre ou de immortal merecimento;
Ouve os damnos de mi, que apercebidos
Estão a teu sobejo atrevimento
Por todo o largo mar, e pela terra,

Que inda has de sobjugar com dura guerra.

XLIII

Sabe, que, quantas nãos esta viagem,
Que tu fazes, fizerem de atrevidas,
Inimiga terão esta paragem,

Com ventos, e tormentas desmedidas:
E da primeira armada, que passagem
Fizer por estas ondas insoffridas,
Eu farei d'improviso tal castigo,
Que seja mór, o damno, que o perigo.

XLIV

Aqui espero tomar, se não me engano,
De quem me descobrio, summa vingança:
E não se acabará só nisto o dano
De vossa pertinace confiança;

Antes em vossas nãos vereis cada anno
(Se he verdade o, que meu juizo alcança)
Naufragios, perdições de toda sorte,
Que o menor mål de todos seja a morte.

XLV

E do primeiro illustre, que a ventura
Com fama alta fizer tocar os ceos,
Serei eterna, e nova sepultura,
Por juizos incognitos de Deos:
Aqui porá da Turca armada dura
Os soberbos e prosperos tropheos,
Comigo de seus damnos o ameaça
A destruida Quiloa com Mombaça.

O gigante Adamastor depois de haver predito os infortunios que naquella paragem haviam de padecer, Pedro Alvares Cabral, e D. Francisco de Almeida, annuncia mais detidamente o nanfragio de Manuel de Souza de Sepulveda e de sua esposa D. Leonôr de Sá, que vieram a perecer com seus filhos no deserto da Cafraria

XLVI

Outro tambem virá de honrada fama,
Liberal, cavalleiro, e namorado,
E comsigo trará a formosa dama,
Que Amor por grão mercê lhe terá dado:
Triste ventura, e negro fado os chama
Neste terreno meu, que duro e irado
Os deixará d'hum cru naufragio vivos,
Para verem trabalhos excessivos.

XLVII

Verão morrer com fome os filhos charos,
Em tanto amor gerados e nascidos:
Verão os cafres asperos e avaros
Tirar á linda dama seus vestidos:
Os crystallinos membros, e preclaros
A calma, ao frio, ao ar verão despidos,
Despois de ter pizada longamente
Co'os delicados pés a area ardente.

XLVIII

E verão mais os olhos, que escaparem
De tanto mal, de tanta desventura,
Os dous amantes miseros ficarem
Na fervida e implacabil espessura:
Alli, despois que as pedras abrandarem
Com lagrimas de dôr, de magoa pura,
Abraçados as almas soltarão

Da formosa e miserrima prisão.

Vasco da Gama. sem se mostrar atemorisado, pergunta ao gigante quem he elle? Adamastor. respondendo, a seu pezar, narra o castigo que lhe foi infligido por haver tentado huma empreza criminosa de que se sahira mal e vergonhosamente)

XLIX

Mais bia por diante o monstro horrendo
Dizendo nossos fados, quando alçado

Lhe disse eu: Quem es tu? que esse estupendo
Corpo certo me tem maravilhado.

A bôca, e os olhos negros retorcendo,
E dando hum espantoso e grande brado,
Me respondeo com voz pezada e amara,
Como quem da pergunta lhe pezara:

L

Eu sou aquelle occulto, e grande Cabo,
A quem chamais vós outros Tormentorio,
Que nunca a Ptolomeo, Pomponio, Estrabo,
Plinio, e quantos passaram, foi notorio:
Aqui toda a Africana costa acabo.
Neste meu nunca visto promontorio,
Que para o polo Antarctico se estende,
A quem vossa ousadia tanto offende.

LI

Fui dos filhos asperrimos da terra,
Qual Encèlado, Egeo, e o Centimano:
Chamei-me Admastor, e fui na guerra
Contra o, que vibra os raios de Vulcano:
Não que puzêsse serra sobre serra;
Mas, conquistando as ondas do Occeano,
Fui capitão do mar, por onde andava
A armada de Neptuno, que eu buscava.

LVIII

Eram já neste tempo meus irmãos
Vencidos, e em miseria extrema postos;
E, por mais segurar-se os deoses vãos,
Alguns a varios montes sotopostos:
E como contra o ceo não valem mãos,
Eu, que chorando andava meus desgostos,
Comecei a sentir do fado imigo
Por meus atrevimentos o castigo.

LIX

Converte-se-me a carne em terra dura,
Em penedos os ossos se fizeram,
Estes membros, que vês, e esta figura
Por estas longas aguas se estenderam:
Em fim, minha grandissima estatura
Neste remoto cabo converteram
Os deoses; e, por mais dobradas magoas,
Me anda Thetis cercando destas agoas.

LX

Assi contava, e c'hum medonho chôro
Subito d'ante os olhos se apartou:
Desfez-se a nuvem negra, e c'hum sonoro
Bramido muito longe o mar sÔou.
Eu, levantando as mãos ao sancto côro
Dos Anjos, que tão longe nos guiou,
A Deus pedi, que removesse os duros
Casos, que Adamastor contou futuros.

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