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XXIV

E o deos, que foi n'hum tempo corpo humano,
E por virtude da herva poderosa
Foi convertido em peixe, e deste dano
Lhe resultou deidade gloriosa,
Inda vinha chorando o fêo engano,
Que Circe tinha usado co'a formosa
Scylla, que elle ama, desta sendo amado;
Que a mais obriga amor mal empregado,

Reunem-se os deoses do mar no palacio de Neptuno

XXV

Já finalmente todos assentados
Na grande sala, nobre e divinal,
As deosas em riquissimos estrados,
Os deoses em cadeiras de crystal;
Foram todos do Padre agasalhados,
Que co'o Thebano tinha assento igual:
De fumos enche a casa a rica massa

Que no mar nasce, e Arabia em cheiro passa.

XXVI

Estando socegado já o tumulto
Dos deoses, e de seus recebimentos,
Começa a descobrir do peito occulto
A causa o Thyoneo de seus tormentos:
Hum pouco carregando se no vulto,
Dando mostra de grandes sentimentos,
Só por dar aos de Luso triste morte
Co'o ferro alheio, falla desta sorte:

de

3.

Discurso de Baccho para excitar a ira de Neptuno e de todas as divindades do mar contra os Portuguezes

XXVII

Principe, que de juro senhorêas

D'hum polo ao outro polo o mar irado,
Tu, que as gentes da terra toda enfrêas;
Que não passem o termo limitado:
E tu, padre Oceano, que rodêas

O mundo universal, e o tens cercado,
E com justo decreto assi permites,
Que dentro vivam só de seus limites:

XXVIII

A

E vós, deoses do mar, que não soffreis
Injuria alguma em vosso reino grande,
Que com castigo igual vos não vingueis
De
quem quer, que por elle côrra, e ande:
Que descuido foi este, em que viveis?
Quem pode ser, que tanto vos abrande
Os peitos, com razão endurecidos

Contra os humanos fracos, e atrevidos?

XXIX

Vistes, que com grandissima ousadia
Foram já commetter o ceo supremo:
Vistes aquella insana phantasia
De tentarem o mar com vela, e remo:
Vistes, e ainda vemos cada dia
Soberbas, e insolencias taes, que temo,
Que do mar e do ceo em poucos annos
Venham deoses a ser, e nos humanos.

XXX

Védes agora a fraca geração,
Que d'hum vassallo meu o nome toma,
Com soberbo, e altivo coração

A vós e a mi, e o mundo todo doma:
Vêdes, o vosso mar cortando vão,
Mais do que fez a gente alta de Roma:
Vêdes, o vosso reino devassando,
Os vossos estatutos vão quebrando.

XXXI

Eu vi, que contra os Minyas, que primeiro
No vosso reino este caminho abriram,
Boreas injuriado, e o companheiro
Aquilo, e os outros todos resistiram:
Pois se do ajuntamento aventureiro
Os ventos esta injuria assi sentiram,
Vós, a quem mais compete esta vingança,
Que esperais? Porque a pondes em tardança?

XXXII

E não consinto, deoses, que cuideis,
Que por amor de vós do ceo desci,
Nem da magoa, da injuria, que soffreis,
Mas da que se me faz tambem a mi;
Que aquellas grandes honras, que sabeis,
Que no mundo ganhei, quando venci
As terras Indianas do Oriente,
Todas vejo abatidas desta gente:

XXXIII

Que o grão Senhor, e fados, que destinam,
Como lhe bem parece, o baixo mundo,
Famas mores, que nunca, determinam.
De dar a estes Barões no mar profundo:
Aqui vereis, ó deoses, como ensinam
O mal tambem a deoses; que, a segundo
Se vê, ninguem já tem menos valia,
Que quem com mais razão valer devia.

XXXIV

E por isso do Olympo já fugi,
Buscando algum remedio a meus pezares;
Por vêr o preço, que no ceo perdi,
Se por dita acharei nos vossos mares.
Mais quiz dizer, e não passou daqui;
Porque as lagrimas já correndo a pares
Lhe saltaram dos olhos, com que logo
Se accendem as deidades d'agua em fogo.

Effeito produzido pelo discurso de Baccho

XXXV

A ira, com que subito alterado.

O coração dos deoses foi n'hum ponto,
Não soffreo mais conselho bem cuidado,
Nem dilação, nem outro algum desconto:
Ao grande Eolo mandam já recado
Da parte de Neptuno, que sem conto
Solte as furias dos ventos repugnantes;
Que não haja no mar mais navegantes.

XXXVI

Bemquizera primeiro alli Proteo
Dizer neste negocio o, que sentia,
E, segundo o que a todos pareceo,
Era alguma profunda prophecia:
Porêm tanto o tumulto se moveo
Subito na divina companhia,
Que Thetys indignada lhe bradou:
« Neptuno sabe bem o que mandou. »

XXXVII

Já lá o soberbo Hippótades soltava
Do carcere fechado os furiosos
Ventos, que com palavras animava
Contra os Barões audaces, e animosos.
Subito o ceo sereno se obumbrava;
Que os ventos mais, que nunca, impetuosos
Começam novas forças a ir tomando,
Torres, montes, e casas derribando.

Em quanto se fazia o conselho dos deoses do mar no palacio de Neptuno, conta Velloso a seus companheiros, em hum dos navios da frota Portugueza, a aventura dos doze Portuguezes que em Londres venceram em hum torneio doze cavalleiros Inglezes

XLIV

Entre as damas gentis da côrte Inglesa,
E nobres cortezãos acaso hum dia
Se levantou Discordia em ira accesa,
Ou foi opinião, ou foi porfia:

Os cortezãos, a quem tão pouco pesa
Soltar palavras graves de ousadia,
Dizem, que provarão, que honras e famas.
Em taes damas não ha para ser damas.

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