Esta ilha pequena, que habitamos, He em toda esta terra certa escala De todos os, que as ondas navegamos De Quiloa, de Mombaça, e de Sofala: E, por ser necessaria, procuramos, Como proprios da terra, de habita-la: E. porque tudo em fim vos notifique, Chama-se a pequena ilha Moçambique.
Os Portuguezes aguardam com alvoroço a proxima vista do regedor daquellas ilhas. Bellissima descripção de uma noite de luar e muito serena
Isto dizendo, o Mouro se tornou A seus bateis com toda a companhia: Do Capitão, e gente se apartou, Com mostras de devida cortezia. Nisto Phebo nas aguas encerrou Co'o carro de crystal, o claro dia, Dando cargo á irmãa, que allumiasse O largo mundo, em quanto repousasse.
A noite se passou na lassa frota Com estranha alegria, e não cuidada; Por acharem da terra tão remota Nova de tanto tempo desejada. Qualquer então comsigo cuida, e nota Na gente, e na maneira desusada, E como os, que na errada seita creram, Tanto por todo o mundo se estenderam.
Da Lua os claros raios rutilavam Pelas argenteas ondas Neptuninas, As estrellas os ceos acompanhavam. Qua! campo revestido de boninas: Os furiosos ventos repousavam Pelas covas escuras peregrinas: Porem da armada a gente vigiava, Como por longo tempo costumava.
Chegada do regedor a bordo, e acolhimento que lhe é feito pelo Gama
Mas, assi como a Aurora marchetada Os formosos cabellos espalhou No ceo sereno, abrindo a roxa entrada Ao claro Hyperionio, que acordou ; Começa a embandeirar-se toda a armada, E de toldos alegres se adornou, Por receber com festas, e alegria, O Regedor das ilhas, que partia:
Partia alegremente navegando, A ver as naos ligeiras Lusitanas, Com refresco da terra, em si cuidando, Que são aquellas gentes inhumanas, Que, os aposentos Caspios habitando, A conquistar as terras Asianas Vieram, e por ordem do destino 0 Imperio tomaram a Constantino.
LXI
Recebe o Capitão alegremente O Mouro, e toda sua companhia: Da-lhe de ricas peças hum presente, Que só para este effeito já trazia: Da-lhe conserva doce, e dá-lhe o ardente Não usado licor, que dá alegria. Tudo o Mouro contente bem recebe, E muito mais contente come, e bebe.
O Mouro, havendo sabido que os navegantes eram Christãos, e tendo notado quão bem armadas e guarnecidas estavam as embarcações, concebe contra elles um odio violento e determina empecer-lhes quanto possa
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Porem disto, que o Mouro aqui notou, E de tudo o, que vio, com olho attento, Hum odio certo na alma lhe ficou, Huma vontade má de pensamento: Nas mostras, e no gesto o não mostrou; Mas com risonho, e ledo fingimento, Tratal-os brandamente determina, Até que mostrar possa o, que imagina.
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Pilotos lhe pedia o Capitão, Por quem podesse á India ser levado : Diz-lhe, que o largo premio levarão Do trabalho, que nisso for tomado. Promette-lhos o Mouro, com tenção De peito venenoso, e tão damnado, Que a morte, se podesse, neste dia Em lugar de pilotos lhe daria.
Tamanho o odio foi, e a má vontade, Que aos estrangeiros subito tomou; Sabendo ser sequaces da verdade, Que o filho de David nos ensinou, Oh segredos daquella Eternidade, A quem juizo algum não alcançou ! Que nunca falte hum perfido inimigo A'quelles, de quem foste tanto amigo!
Partio-se nisto em fim co'a companhia, Das naos o falso Mouro despedido, Com enganosa, e grande cortezia, Com gesto ledo a todos, e fingido. Cortaram os bateis a curta via Das aguas de Neptuno, e recebido Na terra do obsequente ajuntamento, Se foi o Mouro ao cognito aposento.
Vasco da Gama resolve vir a terra para fazer aguada; mas suspeitando a deslealdade dos Mouros, prepara-se convenientemente para a resistencia e, manifestada a hostilidade dos negros, pune-a severamente
Já o raio Apollineo visitava
Os montes Nabatheos accendido, Quando o Gama co'os seus determinaval De vir por agua a terra apercebido: A gente nos bateis se concertava, Como se fosse o engano já sabido: Mas pode suspeitar-se facilmente; Que o coração presago nunca mente.
E mais tambem mandado tinha a terra De antes pelo piloto necessario,
E foi-lhe respondido em som de guerra: Caso do que cuidava mui contrario. Por isto, e porque sabe quanto erra, Quem se crê de seu perfido adversario; Apercebido vai, como podia,
Em tres bateis sómente, que trazia.
Mas os Mouros, que andavam pela praia, Por lhe defender a agua desejada, Hum de escudo embraçado, e de azagaia, Outro de arco encurvado, e setta ervada, Esperam, que a guerreira gente saia: Outros muitos já postos em cilada: E; porque o caso leve se lhe faça, Poem huns poucos diante por negaça.
Andam pela ribeira alva arenosa, Os bellicosos Mouros acenando, Com a adarga, e co'a hastea perigosa, Os fortes Portuguezes incitando. Não soffre muito a gente generosa Andar-lhe os cães os dentes amostrando: Qualquer em terra salta tão ligeiro, Que nenhum dizer pode, que he primeiro.
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