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LXIN

Se por ventura vindes desterrades,
Como já foram homens d'alta sorte,
Em meu reino sereis agasalhados;
Que toda a terra he patria para o forte:
Ou se piratas sois ao mar usados,
Dizei-mo sem temor de infamia, ou morte;
Que, por se sustentar em toda idade,
Tudo faz a vital necessidade.

0 Gama, respondendo ao Samorim, repulsa as suas suspeitas, e exige delle prompto despacho

LXIV

Isto assi dito, o Gama, que já tinha
Suspeitas das insidias, que ordenava
O Mahometico odio, donde vinha
Aquillo, que tão mal o Rei cuidava:
Chuma alta confiança, que convinha,
Com que seguro credito alcançava,
Que Venus Acidalia lhe influia,
Taes palavras do sabio peito abria:

LXV

Se os antiguos delictos, que a malicia
Humana commetteo na prisca idade,
Não causaram, que o vaso da nequicia,
Açoute tão cruel da Christandade,
Viera pôr perpetua inimicicia
Na geração de Adão co‘a falsidade,
(0 poderoso Re) da torpe seita;
Não conceberas tu tão má suspeita :

LXVI

Mas, porque nenhum grande bem se alcança
Sem grandes oppressões, e em todo o feito
Segue o temor os passos da esperança,
Que em suor vive sempre de seu peito;
Me mostras tu tão pouca confiança
Desta minha verdade, sem respeito
Das razões em contrario, que acharias,
Se não cresses, a quem não crer devias:

LXVII

Porque, se eu de rapinas só vivesse,
Undivago, ou da patria desterrado;
Como crês, que tão longe me yiesse
Buscar assento incognito e apartado?
Por que esperanças, ou por que interesse,
Viria exprimentando o mar irado,
Os Antarcticos frios, e os ardores,
Que soffrem do Carneiro os moradores!

LXVIII

Se com grandes presentes d'alta estima
O credito me pedes do, que digo;

Eu não vim mais, que a achar o estranho clima,
Onde a natura pôz teu reino antigo:

Mas, se a fortuna tanto me sublima,

Que eu torne à minha patria, e reino amigo;
Então verás o dom soberbo e rico,

Com que minha tornada certifico.

LXIX:

Se te parece inopinado feito,

Que Rei da ultima Hesperia a ti me mande;
O coração sublime, o regio peito
Nenhum caso possibil tem por grande:
Bem parece, que o nobre, e grão conceito
Do Lusitano espirito demande

Maior credito, e fé de mais alteza,
Que crêa delle tanta fortaleza.

LXX

Sabe, que ha muitos annos, que os antigos
Reis nossos firmemente propozeram
De vencer os trabalhos, e perigos,

Que sempre ás grandes cousas se oppozeram:
E, descobrindo os mares inimigos

Do quieto descanso, pretenderam

De saber, que fim tinham, e onde estavam
As derradeiras praias, que lavavam.

LXXI

Conceito digno foi do ramo claro
Do venturoso Rei, que arou primeiro
O mar, por ir deitar do uinho charo
O morador de Abyla derradeiro:
Este por sua industria, e engenho raro,
N'bum madeiro ajuntando outro madeiro,
Descobrir pôde a parte, que faz clara
De Argus, da Hydra a luz, da Lebre, e da Ara.

LXXII

Crescendo co'os successos bons primeiros
No peito as ousadias, descobriram
Pouco e pouco caminhos estrangeiros,
Que huns, succedendo aos outros, proseguiram:
De Africa os moradores derradeiros
Austraes, que nunca as sete flammas viram,
Foram vistos de nós, atraz deixando
Quantos estão os Trópicos queimando.

LXXIII

Assi com firme peito, e com tamanho
Proposito vencemos a Fortuna;

Até que nós no teu terreno estranho
Viemos pôr a ultima coluna:
Rompendo a força do liquido estanho,
Da tempestade borrifica, e importuna,
A ti chegamos, de quem só queremos
Sinal, que ao nosso Rei de ti levemos.

LXXIV

Esta he a verdade, Rei: que não faria
Por tão incerto bem, tão fraco premio,
Qual, não sendo isto assi. esperar podia,
Tão longo, tão fingido, e vão proemio:
Mas antes descansar me deixaria
No nunca descansado e fero gremio
Da madre Thetis, qual pirata inico,
Dos trabalhos alheios feito rico.

LXXV

Assi que, o Rei, se minha grão verdade
Tens por, qual he, sincera e não dobrada;
Ajunta-me ao despacho brevidade,
Não me impidas o gosto da tornada:
E, se inda te parece falsidade;
Cuida bem na razão, que está provada,
Que com claro juizo pode vêr-se;
Que facil he a verdade d'entender-se.

Os regedores de Calecut retem por algum tempo em terra a Vasco da Gama, e ainda depois de o deixarem regressar á frota, peitados pelos Mahometanos, demoram-lhe o despacho tão constantemente solicitado. O poeta conclue a narração de taes tramas com o seguinte bello trecho moral acerca dos effeitos da cubiça e e da venalidade

XCVI

Veja agora o juizo curioso

Quanto no rico, assi como no pobre,
Pode o vil interesse, e sêde imiga
Do dinheiro, que a tudo nos obriga,

XCVII

A Polydoro mata o Rei Threício,
Só por ficar senhor do grão thesouro:
Entra pelo fortissimo edificio

Com a filha de Acrisio a chuva d'ouro:
Pode tanto em Tarpeia avaro vicio,
Que a troco do metal luzente, e louro,
Entrega aos inimigos a alta torre,
Do qual quasi affogada em pago morre.

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