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LV

Nem tam pouco direi, que tome tanto
Em grosso a consciencia limpa e certa,
Que se enleve n'hum pobre e humilde manto,
Onde ambição acaso aude encoberta:

E quando hum bom em tudo he justo, e santo,
Em negocios do mundo pouco acerta;
Que mal com elles poderá ter conta
A quieta innocencia, em só Deos pronta.

Vasco da Gama, sabedor dos enredos e tramas dos Mouros, determina fallar ao Samorim. Este o manda chamar, e lhe significa a sua desconfiança e procura justifica-la.

LVIII

Fallar ao Rei gentio determina,
Porque com seu despacho se tornasse;
Que já sentia em tudo da malina
Gente impedir-se, quanto desejasse.
O Rei, que da noticia falsa e indina
Não era d'espantar se s'espantasse,
Que tão credulo era em seus agouros,
E mais sendo affirmados pelos Mouros:

LIX

Este temor lhe esfria o baixo peito:
Por outra parte a força da cobiça,
A quem por natureza está sujeito,
Hum desejo immortal lhe accende, e atiça;
Que bem vê, que grandissimo proveito
Fará, se com verdade, e com justiça
O contrato fizer por longos annos,
Que lhe commette o Rei dos Lusitanos,

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Sobre isto nos conselhos, que tomava,
Achava mui contrarios pareceres;
Que naquelles, com quem se aconselhava,
Executa o dinheiro seus poderes:
O grande Capitão chamar mandava,
A quem, chegado, disse: Se quizeres
Confessar-me a verdade limpa e nua,
Perdão alcançarás da culpa tua:

I

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LX 1.

¿LXI

Eu sou bem informado, que a embaixada,
Que de teu Rei me désté, que he fingida;
Porque nem tu tens Rei, nem patria amada,
Mes vagabundo vás passando a vida;
Que quem da Hesperia ultima alongada.
Rei, ou senhor, de insania desmedida,
Ha de vir commetter com nãos e frotas
Tão incertas viagens, e remotas?

LXII

E, se de grandes reinos poderosos
O teu Rei tem a regia magestade,
Que presentes me trazes valerosos,
Sinaes de tua incognita verdade?
Com peças, e dons altos sumptuosos
Se lia dos Reis alios a amizade;
Que sinal, nem penhor não são bastante
As palavras d'hum vago navegante.

1

LXIN

Se por ventura vindes desterrados,
Como já foram homens d'alta sorte,
Em meu reino sereis agasalhados;
Que toda a terra he patria para o forte:
Ou se piratas sois ao mar usados,
Dizei-mo sem temor de infamia, ou morte;
Que, por se sustentar em toda idade,
Tudo faz a vital necessidade.

0 Gama, respondendo ao Samorim, repulsa as suas suspeitas, e exige delle prompto despacho

LXIV

Isto assi dito, o Gama, que já tinha
Suspeitas das insidias, que ordenava
0 Mahometico odio, donde vinha
Aquillo, que tão mal o Rei cuidava:
C'huma alta confiança, que convinha,
Com que seguro credito alcançava,
Que Venus Acidalia lhe influia,
Taes palavras do sabio peito abria:

LXV

Se os antiguos delictos, que a malicia
Humana commetteo na prisca idade,
Não causaram, que o vaso da nequicia,
Açoute tão cruel da Christandade,
Viera pôr perpetua inimicicia
Na geração de Adão co'a falsidade,
(0 poderoso Re) da torpe seita;
Não conceberas tu tão má suspeita:

LXVI

Mas, porque nenhum grande bem se alcança
Sem grandes oppressões, e em todo o feito
Segue o temor os passos da esperança,
Que em suor vive sempre de seu peito;
Me mostras tu tão pouca confiança
Desta minha verdade, sem respeito
Das razões em contrario, que acharias,
Se não cresses, a quem não crer devias:

LXVII

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Porque, se eu de rapinas só vivesse,
Undivago, ou da patria desterrado;
Como crês, que tão longe me viesse
Buscar assento incognito e apartado?
Por que esperanças, ou por que interesse,
Viria exprimentando o mar irado,
Os Antarcticos frios, e os ardores,
Que soffrem do Carneiro os moradores!

LXVIII

Se com grandes presentes d'alta estima
O credito me pedes do, que digo;

Eu não vim mais, que a achar o estranho clima,
Onde a natura pôz teu reino antigo:

Mas, se a fortuna tanto me sublima,

Que eu torne à minha patria, e reino amigo;
Então verás o dom soberbo e rico,

Com que minha tornada certifico.

LXIX

Se te parece inopinado feito,

Que Rei da ultima Hesperia a ti me mande;
O coração sublime, o regio peito
Nenhum caso possibil tem por grande:
Bem parece, que o nobre, e grão conceito
Do Lusitano espirito demande
Maior credito, e fé de mais alteza,
Que crêa delle tanta fortaleza.

LXX

Sabe, que ha muitos annos, que os antigos
Reis nossos firmemente propozeram
De vencer os trabalhos, e perigos,

Que sempre ás grandes cousas se oppozeram: E, descobrindo os mares inimigos

Do quieto descanso, pretenderam
De saber, que fim tinham, e onde estavam
As derradeiras praias, que lavavam.

LXXI

Conceito digno foi do ramo claro
Do venturoso Rei, que arou primeiro
O mar, por ir deitar do uinho charo
O morador de Abyla derradeiro:
Este por sua industria, e engenho raro,
N'hum madeiro ajuntando outro madeiro,
Descobrir pôde a parte, que faz clara
De Argus, da Hydra a luz, da Lebre, e da Ara.

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