Se por ventura vindes desterrades, Como já foram homens d'alta sorte, Em meu reino sereis agasalhados; Que toda a terra he patria para o forte: Ou se piratas sois ao mar usados, Dizei-mo sem temor de infamia, ou morte; Que, por se sustentar em toda idade, Tudo faz a vital necessidade.
0 Gama, respondendo ao Samorim, repulsa as suas suspeitas, e exige delle prompto despacho
Isto assi dito, o Gama, que já tinha Suspeitas das insidias, que ordenava O Mahometico odio, donde vinha Aquillo, que tão mal o Rei cuidava: Chuma alta confiança, que convinha, Com que seguro credito alcançava, Que Venus Acidalia lhe influia, Taes palavras do sabio peito abria:
Se os antiguos delictos, que a malicia Humana commetteo na prisca idade, Não causaram, que o vaso da nequicia, Açoute tão cruel da Christandade, Viera pôr perpetua inimicicia Na geração de Adão co‘a falsidade, (0 poderoso Re) da torpe seita; Não conceberas tu tão má suspeita :
Mas, porque nenhum grande bem se alcança Sem grandes oppressões, e em todo o feito Segue o temor os passos da esperança, Que em suor vive sempre de seu peito; Me mostras tu tão pouca confiança Desta minha verdade, sem respeito Das razões em contrario, que acharias, Se não cresses, a quem não crer devias:
Porque, se eu de rapinas só vivesse, Undivago, ou da patria desterrado; Como crês, que tão longe me yiesse Buscar assento incognito e apartado? Por que esperanças, ou por que interesse, Viria exprimentando o mar irado, Os Antarcticos frios, e os ardores, Que soffrem do Carneiro os moradores!
Se com grandes presentes d'alta estima O credito me pedes do, que digo;
Eu não vim mais, que a achar o estranho clima, Onde a natura pôz teu reino antigo:
Mas, se a fortuna tanto me sublima,
Que eu torne à minha patria, e reino amigo; Então verás o dom soberbo e rico,
Com que minha tornada certifico.
Se te parece inopinado feito,
Que Rei da ultima Hesperia a ti me mande; O coração sublime, o regio peito Nenhum caso possibil tem por grande: Bem parece, que o nobre, e grão conceito Do Lusitano espirito demande
Maior credito, e fé de mais alteza, Que crêa delle tanta fortaleza.
Sabe, que ha muitos annos, que os antigos Reis nossos firmemente propozeram De vencer os trabalhos, e perigos,
Que sempre ás grandes cousas se oppozeram: E, descobrindo os mares inimigos
Do quieto descanso, pretenderam
De saber, que fim tinham, e onde estavam As derradeiras praias, que lavavam.
Conceito digno foi do ramo claro Do venturoso Rei, que arou primeiro O mar, por ir deitar do uinho charo O morador de Abyla derradeiro: Este por sua industria, e engenho raro, N'bum madeiro ajuntando outro madeiro, Descobrir pôde a parte, que faz clara De Argus, da Hydra a luz, da Lebre, e da Ara.
Crescendo co'os successos bons primeiros No peito as ousadias, descobriram Pouco e pouco caminhos estrangeiros, Que huns, succedendo aos outros, proseguiram: De Africa os moradores derradeiros Austraes, que nunca as sete flammas viram, Foram vistos de nós, atraz deixando Quantos estão os Trópicos queimando.
Assi com firme peito, e com tamanho Proposito vencemos a Fortuna;
Até que nós no teu terreno estranho Viemos pôr a ultima coluna: Rompendo a força do liquido estanho, Da tempestade borrifica, e importuna, A ti chegamos, de quem só queremos Sinal, que ao nosso Rei de ti levemos.
Esta he a verdade, Rei: que não faria Por tão incerto bem, tão fraco premio, Qual, não sendo isto assi. esperar podia, Tão longo, tão fingido, e vão proemio: Mas antes descansar me deixaria No nunca descansado e fero gremio Da madre Thetis, qual pirata inico, Dos trabalhos alheios feito rico.
Assi que, o Rei, se minha grão verdade Tens por, qual he, sincera e não dobrada; Ajunta-me ao despacho brevidade, Não me impidas o gosto da tornada: E, se inda te parece falsidade; Cuida bem na razão, que está provada, Que com claro juizo pode vêr-se; Que facil he a verdade d'entender-se.
Os regedores de Calecut retem por algum tempo em terra a Vasco da Gama, e ainda depois de o deixarem regressar á frota, peitados pelos Mahometanos, demoram-lhe o despacho tão constantemente solicitado. O poeta conclue a narração de taes tramas com o seguinte bello trecho moral acerca dos effeitos da cubiça e e da venalidade
Veja agora o juizo curioso
Quanto no rico, assi como no pobre, Pode o vil interesse, e sêde imiga Do dinheiro, que a tudo nos obriga,
A Polydoro mata o Rei Threício, Só por ficar senhor do grão thesouro: Entra pelo fortissimo edificio
Com a filha de Acrisio a chuva d'ouro: Pode tanto em Tarpeia avaro vicio, Que a troco do metal luzente, e louro, Entrega aos inimigos a alta torre, Do qual quasi affogada em pago morre.
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