Crescendo co'os successos bons primeiros No peito as ousadias, descobriram Pouco e pouco caminhos estrangeiros, Que huns, succedendo aos outros, proseguiram: De Africa os moradores derradeiros Austraes, que nunca as sete flammas viram, Foram vistos de nós, atraz deixando Quantos estão os Trópicos queimando.
Assi com firme peito, e com tamanho Proposito vencemos a Fortuna; Até que nós no teu terreno estranho Viemos pôr a ultima coluna: Rompendo a força do liquido estanho, Da tempestade borrifica, e importuna, A ti chegamos, de quem só queremos Sinal, que ao nosso Rei de ti levemos.
Esta he a verdade, Rei: que não faria Por tão incerto bem, tão fraco premio, Qual, não sendo isto assi, esperar podia, Tão longo, tão fingido, e vão proemio: Mas antes descansar me deixaria No nunca descansado e fero gremio Da madre Thetis, qual pirata inico, Dos trabalhos alheios feito rico.
Assi que, o Rei, se minha grão verdade Tens por, qual he, sincera e não dobrada; Ajunta-me ao despacho brevidade, Não me impidas o gosto da tornada: E, se inda te parece falsidade; Cuida bem na razão, que está provada, Que com claro juizo pode vêr-se; Que facil he a verdade d'entender-se.
Os regedores de Calecut retem por algum tempo em terra a Vasco da Gama, e ainda depois de o deixarem regressar á frota, peitados pelos Mahometanos, demoram-lhe o despacho tão constantemente solicitado. O poeta conclue a narração de taes tramas com o seguinte bello trecho moral acerca dos effeitos da cubiça e e da venalidade
Veja agora o juizo curioso
Quanto no rico, assi como no pobre, Pode o vil interesse, e sêde imi a Do dinheiro, que a tudo nos obriga,
A Polydoro mata o Rei Threício, Só por ficar senhor do grão thesouro: Entra pelo fortissimo edificio
Com a filha de Arrisio a chuva d'ouro: Pode tanto em Tarpeia avaro vicio, Que a trôco do metal luzente, e louro, Entrega aos inimigos a alta torre, Do qual quasi affogada em pago morre.
Este rende munidas fortalezas, Faz traidores, e falsos os amigos: Este a mais nobres faz fazer vilezas, E entrega capitães aos inimigos: Este corrompe virginaes purezas,
Sem temer de honra ou fama alguns perigos: Este deprava ás vezes as sciencias, Os juizos cegando, e as consciencias.
Este interpreta mais que subtilmente Os textos: este faz, e desfaz leis: Este causa os perjurios entre a gente: E mil vezes tyrannos torna os Reis. Até os, que só a Deos Omnipotente Se dedicam, mil vezes ouvireis,
Que corrompe este encantador, e illude; Mas não sem côr com tudo de virtude.
EXCERPTOS DO CANTO IX
Monçaide avisa os Portuguezes da trama dos Mouros, que aguardando a proxima chegada das náos de seus correligionarios do porto de Gidá pelas quaes seria destruida a frota Portugueza, detinham fraudulentamente em terra os feitores mandados pelo Gama para a venda e troca de mercadorias em Calecut.
Tiveram longamente na cidade,
Sem vender-se, a fazenda os dous feitores; Que os infieis por manha, e falsidade Fazem, que não lha comprem mercadores; Que todo seu proposito, e vontade, Era deter alli os descobridores Da India tanto tempo, que viessem De Meca as náos, que as suas desfizessem.
Lá no seio Erythrêo, onde fundada Arsinoe foi do Egypcio Ptolomeo, Do nome da irmãa sua assi chamada, Que despois em Suez se converteo, Não longe o porto jaz da nomeada Cidade Meca, que se engrandeceo Com a superstição falsa, e profana Da religiosa agua Mahometana.
Gidá se chama o porto, aonde o trato De todo e Roxo mar máis florecia, De que tinha proveito grande e gralo O Soldão, que esse reino possuia. Daqui aos Malabares, por contrato Dos infieis, formosa companhia De grandes nãos pelo Indico Oceano Especiaria vem buscar cada anno.
Por estas nãos os Mouros esperavam, Que, como fossem grandes e possantes, Aquellas, que o commercio lhe tomavam, Com flammas abrazassem crepitantes: Neste soccorro tanto confiavam, Que já não querem mais dos navegantes, Senão que tanto tempo alli tardassem, Que da famosa Méca as nãos chegassem.
Mas o Governador dos ceos, e gentes, Que, para quanto tem determinado, De longe os meios dá convenientes, Por onde vem a effeito o fim fadado; Influio piedosos accidentes
De affeição em Monçaide, que guardado Estava para dar ao Gama aviso, E merecer por isso o Paraiso.
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