Manda logo os feitores Lusitanos Com toda sua fazenda livremente, A pezar dos imigos Mahometanos; Porque lhe torne a sua presa gente: Desculpas manda o Rei de seus enganos. Recebe o Capitão de melhor mente. Os presos, que as desculpas; e, tornando Alguns negros, se parte as velas dando.
Parte-se costa abaixo; porque entende, Que em vão co'o Rei gentio trabalhava Em querer delle paz, a qual pretende, Por firmar o commercio, que tratava: Mas como aquella terra, que se estende Pela Aurora, sabida já deixava; Com estas novas torna á patria chara, Certos sinaes levando do que achara.
Leva alguns Malabares, que tomou Por força, dos que o Samorim mandara, Quando os presos feitores lhe tornou: Leva pimenta ardente, que comprara: A sêcca flor de Banda não ficou, A noz, e o negro cravo, que faz clara A nova ilha Maluco, co'a canella, Com que Ceilão he rica, illustre, e bella.
Isto tudo lhe houvera a diligencia De Monçaide fiel, que tambem leva; Que, inspirado de angelica influencia, Quer no livro de Christo, que se escreva. Oh ditoso Africano, que a clemencia Divina assi tirou d'es ura treva, E tão longe da patria achou maneira Para subir a patria verdadeira!
Apartadas assi da ardente costa As venturosas náns, levando a prôa- Para onde a natureza tinha posta, A meta Au-trina da esperança boa, Levando alegres novas, e resposta Da parte Oriental para Lisboa,
Outra vez commettendo os duros medos Do mar incerto, timidos e ledos:
O prazer de chegar a patria chara, A seus penates charos, e parentes, Para contar a peregrina, e rara: Navegação, os varios ceos, e gentes: Vir a lograr o premio, que ganhara Por tão longos trabalhos, e accidentes, Cada hum tem por gosto tão perfeito, Que o coração para elle he vaso estreito.
A Deosa Venus, affeiçoada aos Portuguezes, determina offerecer aos esforçados navegadores, depois de tantas fadigas e perigos, algum deleite, algum descanço, fazendo-os aportar a huma ilha deliciosa situada no meio do Oceano
Porêm a deosa Cypria, que ordenada Era para favor dos Lusitanos,
Do Padre eterno, e por bom genio dada, Que sempre os guia já de longos annos; A gloria, por traballos alcançada, Satisfação de bem soffridos danos, Lhe andava ja ordenando, e pretendia Dar-lhe nos mares tristes alegria.
Despois de ter hum pouco revolvido Na mente o largo mar, que navegaram: Os trabalhos, que pelo Deos, nascido Nas Amphionêas Thebas, se causaram: Já trazia de longe no sentido,
Para premio de quanto mal passaram, Buscar-lhe algum deleite, algum descanso No reino de crystal liquido, e manso:
Algum repouso em fim, com que podesse Refociliar a lassa humanidade.
Dos navegantes seus, como interesse Do trabalho, que eucuria a breve idade.
Isto bem revolvido, determina De ter-lhe aparelhada lá no meio Das aguas alguma insula divina, Ornada d'esmaltado e verde arreio; Que muitas tem no reino, que confina Da mãe primeira co'o terreno seio, Afora as que possue soberanas
Para dentro das portas Herculanas.
Os Portuguezes avistam de longe a ilha encantada. Bellissima pintura daquella deliciosa paragem.
Cortando vão as náos a larga via Do mar ingente para a patria amada, Desejando prover-se de agua fria Para a grande viagem polongada: Quando juntas, como subita alegria Houveram vista da ilha namorada, Rompendo pelo ceo a mãi formosa De Memnónio, suave e deleitosa.
De longe a ilha viram fresca e bella; Que Venus pelas ondas Iha levava, (Bem como o vento leva branca vela) Para onde a forte armada se enxergava; Que, porque não passassem, sem que nella Tomassem porto, como desejava, Para onde as nãos navegam a movia A Acidália, que tudo em fim podia.
Mas firme a fêz e immobil, como vio, Que era dos nautas vista, e demandada; Qual ficou Delos, tanto que pario Latona Phebo, e a deosa á caça usada. Para lá logo a prôa o mar abrio, Onde a costa fazia huma enseada Curva e quieta, cuja branca area Pintou de ruivas conchas Cytherea.
Tres formosos outeiros se mostravam Erguidos com soberba graciosa,
Que de gramineo esmalte se adornavam, Na formosa ilha alegre, e deleitosa: Claras fontes, e limpidas manavam Do cume, que a verdura tem viçosa: Por entre pedras alvas se deriva A sonorosa lympha fugitiva.
N'hum valle ameno, que os outeiros fende, Vinham as claras aguas ajuntar-se, Onde huma meza fazem, que se estende Tão bella, quanto pode imaginar-se : Arvoredo gentil sobre ella pende, Como que prompto está para affeitar-se, Vendo-se no crystal resplandecente, Que em si o está pintando propriamente.
« VorigeDoorgaan » |