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VI

Este, de quem se os Mouros não guardavam,
Por ser Mouro, como elles, antes era
Participante em quanto machin vam;
A tenção lhes descobre torpe e fera;
Muitas vezes as nãos, que longe estavam,
Visita, e com pied de considera

O damno, sem razão, que se lhe ordena
Pela maligna gente Sarracena:

VII

Informa o cauto Gama das armadas,
Que de Arabica Meca vem cada anno,
Que agora são dos seus tão desejadas,
Para ser instrumento deste dano:
Diz-lhe, que vem de gente carregadas,
E dos trovões horrendos de Vulcano,
E que pode ser dellas opprimido,
Segundo estava mal apercebido.

0 Gama manda recolher às náos os feitores. Sabendo que elles ficavam presos em terra usa de represalias. Os Mouros para resgate dos seus põe os feitores em liberdade. Os Portuguezes fazem-se á veľa do porto de Calecut.

VIII

O Gama, que tambem consideráva
O tempo, que para a partida o chama,
E que despacho já não esperava

Melhor do Rei, que os Mahometanos ama:
Aos feitores, que em terra estão, mandava
Que se tornem is naos: e, porque a fama
Desta subita vinda os não impida,
Lhe manda, que a fizessem escondida.

IX

Porém não tardou muito, que voando
Hum rumor não soasse com verdade,
Que foram presos os feitores, quando
Foram sentidos vir-se da cidade,
Esta fama as orelhas penetrando
Do sabio Capitão, com brevidade,
Faz represalia n'huns, que ás náos vieram
A vender pedraria, que trouxeram.

X

Eram estes, antiguos mercadores,
Ricos em Calecut, e conhecidos:
Da falta delles, logo entre os melhores
Sentido foi, que estão no mar retidos.
Mas já nas náos os bons trabalhadores
Volvem o cabrestante, e, repartidos
Pelo trabalho, huns puxam pela amarra,
Outros quebram co'o peito duro a barra;

XI

Outros pendem da verga, e já desatam
A vela, que com grita se soltava;
Quando com maior grita ao Rei relatam
A préssa, com que a armada se levava:
As mulheres, e filhos, que se matam,
Daquelles, que vão presos, onde estava
O Samorim, se aqueixam, que perdidos
Huns tem os pais, as outras os maridos.

XII

Manda logo os feitores Lusitanos
Com toda sua fazenda livremente,
A pezar dos imigos Mahometanos;
Porque lhe torne a sua presa gente:
Desculpas manda o Rei de seus enganos.
Recebe o Capitão de melhor mente
Os presos, que as desculpas; e, tornando
Alguns negros, se parte as velas dando.

XIII

Parte-se costa abaixo; porque entende,
Que em vão co'o Rei gentio trabalhava
Em querer delle paz, a qual pretende,
Por firmar o commercio, que tratava:
Mas como aquella terra, que se estende
Pela Aurora, sabida já deixava;
Com estas novas torna á patria chara,
Certos sinaes levando do que achara.

XIV

Leva alguns Malabares, que tomou
Por força, dos que o Samorim mandara,
Quando os presos feitores lhe tornou:
Leva pimenta ardente, que comprara:
A sêcca flor de Banda não ficou,
A noz, e o negro cravo, que faz clara
A nova ilha Maluco, co'a canella,
Com que Ceilão he rica, illustre, e bella.

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XVI

Isto tudo lhe houvera a diligencia
De Monçaide fiel, que tambem leva;
Que, inspirado de angelica influencia,
Quer no livro de Christo, que se escreva.
Oh ditoso Africano, que a clemencia
Divina assi tirou d'es ura treva,
E tão longe da patria achou maneira.
Para subir à patria verdadeira!

XVI

Apartadas assi da ardente costa
As venturosas náns, levando a prôa
Para onde a natureza, tinha posta.
A meta Au-trina da esperança boa,
Levando alegres novas, e resposta
Da parte Oriental para Lisbo

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Outra vez commettendo os duros medos Do mar incerto, timidos e ledos:

XVII

O prazer de chegar á patria chara,
A seus penates charos, e parentes,
Para contar a peregrina, e rara
Navegação, os varios ceos, e gentes:
Vir a lograr o premio, que ganhara
Por tão longos trabalhos, e accidentes,
Cada hum tem por gosto tão perfeito,
Que o coração para elle he vaso estreito.

A Deosa Venus, affeiçoada aos Portuguezes, determina offerecer aos esforçados navegadores, depois de tantas fadigas e perigos, algum deleite, algum descanço, fazendo-os aportar a huma ilha deliciosa situada no meio do Oceano

XVIII

Porêm a deosa Cypria, que ordenada
Era para favor dos Lusitanos,

Do Padre eterno, e por bom genio dada,
Que sempre os guia já de longos annos;
A gloria por trabalhos alcançada,
Satisfação de bem soffridos danos,
Lhe andava já crdenando, e pretendia
Dar-lhe nos mares tristes alegria.

XIX

Despois de ter hum pouco revolvido
Na mente o largo mar, que navegaram:
Os trabalhos, que pelo Deos, nascido
Nas Amphionêas Thebas, se causaram:
Já trazia de longe no sentido,

Para premio de quanto mal passaram,
Buscar-lhe algum deleite, algum descanso
No reino de crystal liquido, e manso:

XX

Algum repouso em fim, com que podesse.
Refociliar a lassa humanidade

Dos navegantes seus, como interesse
Do trabalho, que eucuria a breve idade.

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