Este, de quem se os Mouros não guardavam, Por ser Mouro, como elles, antes era Participante em quanto machin vam; A tenção lhes descobre torpe e fera; Muitas vezes as nãos, que longe estavam, Visita, e com pied de considera
O damno, sem razão, que se lhe ordena Pela maligna gente Sarracena:
Informa o cauto Gama das armadas, Que de Arabica Meca vem cada anno, Que agora são dos seus tão desejadas, Para ser instrumento deste dano: Diz-lhe, que vem de gente carregadas, E dos trovões horrendos de Vulcano, E que pode ser dellas opprimido, Segundo estava mal apercebido.
0 Gama manda recolher às náos os feitores. Sabendo que elles ficavam presos em terra usa de represalias. Os Mouros para resgate dos seus põe os feitores em liberdade. Os Portuguezes fazem-se á veľa do porto de Calecut.
O Gama, que tambem consideráva O tempo, que para a partida o chama, E que despacho já não esperava
Melhor do Rei, que os Mahometanos ama: Aos feitores, que em terra estão, mandava Que se tornem is naos: e, porque a fama Desta subita vinda os não impida, Lhe manda, que a fizessem escondida.
Porém não tardou muito, que voando Hum rumor não soasse com verdade, Que foram presos os feitores, quando Foram sentidos vir-se da cidade, Esta fama as orelhas penetrando Do sabio Capitão, com brevidade, Faz represalia n'huns, que ás náos vieram A vender pedraria, que trouxeram.
Eram estes, antiguos mercadores, Ricos em Calecut, e conhecidos: Da falta delles, logo entre os melhores Sentido foi, que estão no mar retidos. Mas já nas náos os bons trabalhadores Volvem o cabrestante, e, repartidos Pelo trabalho, huns puxam pela amarra, Outros quebram co'o peito duro a barra;
Outros pendem da verga, e já desatam A vela, que com grita se soltava; Quando com maior grita ao Rei relatam A préssa, com que a armada se levava: As mulheres, e filhos, que se matam, Daquelles, que vão presos, onde estava O Samorim, se aqueixam, que perdidos Huns tem os pais, as outras os maridos.
Manda logo os feitores Lusitanos Com toda sua fazenda livremente, A pezar dos imigos Mahometanos; Porque lhe torne a sua presa gente: Desculpas manda o Rei de seus enganos. Recebe o Capitão de melhor mente Os presos, que as desculpas; e, tornando Alguns negros, se parte as velas dando.
Parte-se costa abaixo; porque entende, Que em vão co'o Rei gentio trabalhava Em querer delle paz, a qual pretende, Por firmar o commercio, que tratava: Mas como aquella terra, que se estende Pela Aurora, sabida já deixava; Com estas novas torna á patria chara, Certos sinaes levando do que achara.
Leva alguns Malabares, que tomou Por força, dos que o Samorim mandara, Quando os presos feitores lhe tornou: Leva pimenta ardente, que comprara: A sêcca flor de Banda não ficou, A noz, e o negro cravo, que faz clara A nova ilha Maluco, co'a canella, Com que Ceilão he rica, illustre, e bella.
Isto tudo lhe houvera a diligencia De Monçaide fiel, que tambem leva; Que, inspirado de angelica influencia, Quer no livro de Christo, que se escreva. Oh ditoso Africano, que a clemencia Divina assi tirou d'es ura treva, E tão longe da patria achou maneira. Para subir à patria verdadeira!
Apartadas assi da ardente costa As venturosas náns, levando a prôa Para onde a natureza, tinha posta. A meta Au-trina da esperança boa, Levando alegres novas, e resposta Da parte Oriental para Lisbo
Outra vez commettendo os duros medos Do mar incerto, timidos e ledos:
O prazer de chegar á patria chara, A seus penates charos, e parentes, Para contar a peregrina, e rara Navegação, os varios ceos, e gentes: Vir a lograr o premio, que ganhara Por tão longos trabalhos, e accidentes, Cada hum tem por gosto tão perfeito, Que o coração para elle he vaso estreito.
A Deosa Venus, affeiçoada aos Portuguezes, determina offerecer aos esforçados navegadores, depois de tantas fadigas e perigos, algum deleite, algum descanço, fazendo-os aportar a huma ilha deliciosa situada no meio do Oceano
Porêm a deosa Cypria, que ordenada Era para favor dos Lusitanos,
Do Padre eterno, e por bom genio dada, Que sempre os guia já de longos annos; A gloria por trabalhos alcançada, Satisfação de bem soffridos danos, Lhe andava já crdenando, e pretendia Dar-lhe nos mares tristes alegria.
Despois de ter hum pouco revolvido Na mente o largo mar, que navegaram: Os trabalhos, que pelo Deos, nascido Nas Amphionêas Thebas, se causaram: Já trazia de longe no sentido,
Para premio de quanto mal passaram, Buscar-lhe algum deleite, algum descanso No reino de crystal liquido, e manso:
Algum repouso em fim, com que podesse. Refociliar a lassa humanidade
Dos navegantes seus, como interesse Do trabalho, que eucuria a breve idade.
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