Isto bem revolvido, determina De ter-lhe aparelhada lá no meio Das aguas alguma insula divina, Ornada d'esmaltado e verde arreio; Que muitas tem no reino, que confina Da mãe primeira co'o terreno seio, Afora as que possue soberanas
Para dentro das portas Herculanas.
Os Portuguezes avistam de longe a ilha encantada. Bellissima pintura daquella deliciosa paragem.
Cortando vão as nãos a larga via Do mar ingente para a patria amada, Desejando prover-se de agua fria Para a grande viagem polongada: Quando juntas, como subita alegria Houveram vista da ilha namorada, Rompendo pelo ceo a mãi formosa De Memnónio, suave e deleitosa.
De longe a ilha viram fresca e bella; Que Venus pelas ondas lha levava, (Bem como o vento leva branca vela) Para onde a forte armada se enxergava; Que, porque não passassem, sem que nella Tomassem porto, como desejava, Para onde as nãos navegam a movia A Acidália, que tudo em fim podia.
Mas firme a fêz e immobil, como vio, Que era dos nautas vista, e demandada; Qual ficou Delos, tanto que pario Latona Phebo, e a deosa á caça usada. Para lá logo a prôa o mar abrio, Onde a costa fazia huma enseada Curva e quieta, cuja branca arêa Pintou de ruivas conchas Cytherea.
Tres formosos outeiros se mostravam Erguidos com soberba graciosa,
Que de gramineo esmalte se adornavam, Na formosa ilha alegre, e deleitosa: Claras fontes, e limpidas manavam Do cume, que a verdura tem viçosa: Por entre pedras alvas se deriva A sonorosa lympha fugitiva.
N'hum valle ameno, que os outeiros fende, Vinham as claras aguas ajuntar-se,
Onde huma meza fazem, que se estende Tão bella, quanto pode imaginar-se: Arvoredo gentil sobre ella pende, Como que prompto está para affeitar-se, Vendo-se no crystal resplandecente, Que em si o está pintando propriamente.
LXII
A candida cecêm, das matutinas Lagrimas rociada, e a mangerona : Vem-se as letras nas flores Hyacinthinas, Tão queridas do filho de Latona: Bem se enxerga nos pomos, e boninas, Que competia Chloris com Pomona. Pois se as aves no ar cantando vôam Alegres animaes o chão povoam:
LXIII
A longo da agua o niveo cysne canta, Responde-lhe do ramo philomela: Da sombra de seus cornos não se espanta Acteon n'agua crystallina e bella: Aqui a fugace lebre se levanta
Da espessa mata, ou timida gazella: Alli no bico traz ao charo ninho O mantimento o leve passarinho.
Tendo os Portuguezes desembarcado na deleitosa ilha que Venus lhes prepara, são nella acolhidos e festejados pela deosa Thetis e pelas Nereidas, com as quaes celebram festivas bôdas, que não eram, outra coisa mais do que hum symbolo das honras que acompanham perpetua e indivisivelmente os varões que se assignalam por grandes façanhas. Dada esta explicação deste periodo do poema, o grande poeta remata o seu nono canto com huma calorosa exhortação aos seus compatriotas desejosos de fama immortal
LXXXIV
Desta arte em fim conformes já as formosas Nymphas co'os seus amados navegantes, Os ornam de capellas deleitosas, De louro, e de ouro, e flores abundantes: As mãos alvas lhe davam como esposas: Com palavras formaes, e estipulantes Se promettem eterna companhia Em vida e morte. de honra e alegria.
Huma dellas maior, a quem se humilha Todo o coro das nymphas, e obedece, Que, dizem, ser de Cælo e Vesta filha, O que no gesto bello se parece; Enchendo a terra, e o mar de maravilha, O Capitão illustre, que o merece, Recebe alli com pompa honesta e regia, Mostrando-se senhora grande e egregia;
Que, despois de lhe ter dito, quem era, C'hum alto exordio de alta graça ornado, Dando-lhe a entender, que alli viera Por alta influição do immobil fado; Para lhe descobrir da unida esphera, Da terra immensa, e mar não navegado Os segredos por alta prophecia, O que esta sua nação só merecia:
Tomando-o pela mão, o leva, e guia Para o cume d'hum monte alto e divino, No qual hua rica fabrica se erguia De crystal toda, e de ouro puro, e fino. A maior parte aqui passam do dia Em doces jogos, e em prazer contino::
Assi a formosa, e a forte companhia O dia quasi todo estão passando, N'huma alma, doce, incognita alegria, Os trabalhos tão longos compensando: Porque dos feitos grandes, da ousadia Forte e famosa o mundo está guardando O premio lá no fim bem merecido Com fama grande, e nome alto e subido:
Que as nymphas do Oceano tão formosas, Tethys, e a ilha angelica pintada, Outra cousa não he, que as deleitosas Honras, que a vida fazem sublimada: Aquellas preeminencias gloriosas, Os triumphos, a fronte coroada De palma e louro, a gloria e maravilha, Estes são os deleites desta ilha ;
Que as immortalidades, que fingia A antiguidade, que os illustres ama, Lá no estellante Olympo, a quem subia Sobre as azas inclytas da fama. Por obras valerosas, que fazia, Pelo trabalho immenso, que se chama Caminho da virtude alto e fragoso, Mas no fim doce, alegre, e deleitoso.:
« VorigeDoorgaan » |