Chamará o Samorim mais gente nova: Virão Reis de Bipur, e de Tanor, Das serras de Narsinga, que alta prova Estarão promettendo a seu senhor: Fará, que todo o Naire em fim se mova, Que entre Calecut jaz, e Cananor, D'ambas as leis imigas, para a guerra, Mouros por mar, Gentios pela terra.
E todos outra vêz desbaratando, Por terra e mar, o grão Pacheco ousado, A grande multidão, que irá matando, A todo o Malabar terá admirado: Commetterá outra vez, não dilatando, O Gentio os combates apressado, Injuriando os seus, fazendo votos
Em vão aos deoses vãos, surdos, e immotos.
Já não defenderá somente os passos, Mas queimar-lhe-ha lugares, templos, casas: Acceso de ira o cão, não vendo lassos Aquelles, que as cidades fazem rasas, Fará, que os seus, de vida pouco escassos, Commettam o Pacheco, que tem asas, Por dous passos n'hum tempo: mas voando D'hum n'outro, tudo irá desbaratando.
Virȧ alli o Samorim; porque em pessoa Veja a batalha, e os seus esforce, e anime: Mas hum tiro, que com zonido voa, De sangue o tingirá no andar sublime. Já não verá remedio, ou manha boa, Nem força, que o Pacheco muito estime: Inventará traições, e vãos venenos; Mas sempre (o Céo querendo) fará menos.
Que tornará a vêz septima, cantava, Pelejar com o invicto e forte Luso, A quem nenhum trabalho peza, e aggrava; Mas com tudo este só o fará confuso: Trará para a batalha horrenda e brava Machinas de madeiros fóra de uso, Para lhe abalroar as caravelas;
Que atelli vão lhe fôra commette-las.
Pela a agua levará serras de fogo, Para abrazar-lhe quanta armada tenha: Mas a militar arte, e engenho, logo Fará ser vãa a braveza, com que venha. Nenhum claro barão no marcio jogo, Que nas azas da fama se sostenha, Chega a este, que a palma a todos toma, E perdoe-me a illustre Grecia, ou Roma;
Porque tantas batalhas, sustentadas Com muito pouco mais de cem soldados, Com tantas manhas, e artes inventadas, Tantos cães não imbelles profligados, Ou parecerão fabulas sonhadas, Ou que os celestes córos invocados Descerão a ajuda-lo, e lhe darão Esforço, força, ardil, e coração.
Aquelle, que nos campos Marathonios O grão poder de Dário estrue, e rende; Ou quem com quatro mil Lacedemonios O passo de Thermopylas defende, Nem o mancebo Cocles dos Ausonios, Que com todo o poder Tusco contende Em defesa da ponte, ou Quinto Fabio; Foi como este na guerra forte e sabio.
A nympha rompe em huma invectiva contra a ingratidão de alguns soberanos e nomeadamente ⚫ contra a El-Rei D. Manuel, que deixou sem recompensa alguã, o prodigioso valor e extraordinarios serviços de Duarte Pacheco Pereira
Mas neste passo a nympha o som canoro Abaixando, fez ronco, e entristecido, Cantando em baixa voz, envolta em chôro, O grande esforço mal agradecido, O Belizario, disse, que no côro Das Musas serás sempre engrandecido, Se em ti viste abatido o bravo Marte, Aqui tens com quem podes consolar-te!
Aqui tens companheiro, assi nos feitos, Como no galardão injusto e duro: Em ti, e nelle veremos altos peitos A baixo estado vir, humilde e escuro: Morrer nos hospitaes, em pobres leitos Os, que ao Rei, e á lei servem de muro! Isto fazem os Reis, cuja vontade
Manda mais, que a justiça, e que a verdade:
Façanhas e morte dos dois heroes Almeidas, D. Francisco, primeiro Vice-Rei da India e D. Lourenço seu filho.
Mas eis outro, cantava, intitulado Vem com nome Real, e traz comsigo O filho, que no mar será illustrado, Tanto, como qualquer Romano antigo: Ambos darão com braço forte, armado, A Quiloa fertil aspero castigo, Fazendo nella Rei leal e humano, Deitado fóra o perfido Tyranno.
Tambem farão Mombaça, que se arrea De casas sumptuosas e edificios, Co'o ferro e fogo seu queimada e fea, Em pago dos passados maleficios. Despois na costa da India, andando chea De lenhos inimigos, e artificios,
Contra os Lusos, com velas e com remos, O mancebo Lourenço fará extremos.
O vate estando proximo a concluir o seu poema, Cinvoca pela, ultima vez a Musa dos versos heroicos e maviosamente se lastima de seus desgostos
Aqui, minha Calliope, te invoco
Neste trabalho extremo; porque em pago Me tornes, do que escrevo, e em vão pretendo O gosto de escrever, que vou perdendo.
Vão os annos descendo, e já do estio Ha pouco que passar até o outono: A fortuna me faz o engenho frio, Do qual já não me jacto, nem me abono: Os desgostos me vão levando ao rio Do negro esquecimento, e eterno sono: Mas, tu me dá, que cumpra, ó grão Rainha Das Musas, co'o que quero á nação minha!
Começa a Sirena a sua canção prophetica, celebrando as maravilhosas proezas de Fernão Pacheco Pereira, cognominado o Achilles Lusitano
Cantava a bella deosa, que viriam Do Tejo pelo mar, que o Gama abrira, Armadas, que as ribeiras venceriam, Por onde o Oceano Indico suspira: E que os gentios Reis, que não dariam A cerviz sua ao jugo, o ferro e ira Provariam do braço duro e forte, Até render-se a elle, ou logo à morte:
« VorigeDoorgaan » |