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LXXXIX

Eis nos bateis o fogo se levanta
Na furiosa, e dura artilleria:

A plumbea pella mata, o brado espanta,
Ferido o ar retumba, e assovia:

O coração dos Mouros se quebranta,
O temor grande o sangue lhe resfria:
Já foge o escondido de medroso,
E morre o descoberto aventuroso.

XC

Não se contenta a gente Portugueza:
Mas seguindo a victoria estrue, e mata;
A povoação sem muro, e sem defeza,
Esbombardea, accende, e desbarata.
Da cavalgada ao Mouro já lhe peza;
Que bem cuidou compra-la mais barata:
Já blasphema da guerra, e maldizia
O velho inerte, e a mài que o filho cria.

XCI

Fugindo, a setta o Mouro vai tirando
Sem força, de covarde, e de apressado,
A pedra, o pão, e o conto arremessando;
Dá-lhe armas o furor desatinado:

Já a ilha, e todo o mais desamparando,
A terra firme foge amedrontado:
Passa, e corta do mar o estreito braço,
Que a ilha em torno cerca, em pouco espaço.

XCII

Huns vão nas almadias carregadas,
Hum corta o mar a ñado diligente,
Quem se affoga nas ondas encurvadas,
Quem bebe o mar, e o deita juntamente,
Arrombam as miudas bombardadas
Os pangaios subtis da bruta gente:
Desta arte o Portuguez em fim castiga
A vil malicia, perfida, inimiga.

EXCERPTOS DO CANTO II

A frota Portugueza, guiada pelo piloto que o regedor de Moçambique lhe mandára com o intuito de perde-la, surgira perto de Mombaça sem entrar a barra da cidade. O Gama, logo depois da sua chegada recebe huma mensagem do rei d'aquella ilha, que, mostrando-se amigo dos nossos, tramava a sua destruição com astuta perfidia

I

Já neste tempo o lucido planeta,
Que as horas vai do dia distinguindo,
Chegava a desejada e lenta meta,
A luz celeste ás gentes encobrindo,
E da casa maritima secreta

Lhe estava o deos nocturno a porta abrindo;
Quando as infidas gentes se chegaram

A's nãos, que pouco havia que ancoraram.

II

D'entre elles hum, que traz encommendado
O mortifero engano, assi dizia:
Capitão valeroso, que cortado
Tens de Neptuno o reino, e salsa via,
O Rei, que manda esta ilha, alvoroçado
Da vinda tua, tem tanta alegria,
Que não deseja mais, que agasalhar-te,
Ver-te, e do necessario reformar-te.

III

E, porque está em extremo desejoso
De te ver, como cousa nomeada,
Te roga que, de nada receoso,
Entres a barra tu, com toda armada:
E porque do caminho trabalhoso
Trarás a gente debil, e cansada,
Diz, que na terra podes reforma-la;
Que a natureza obriga a deseja-la.

IV

E, se buscando vás mercadoria,
Que produze o aurifero Levante,
Canella, cravo, ardente especiaria,
Ou droga salutifera, e prestante:
Ou se queres luzente pedraria,
O rubi fino, o rigido diamante:
Daqui levarás tudo tão sobėjo,
Com que faças o fim a teu desejo.

O Capitão, responde ao mensageiro, envia présen-
tes ao rei Mouro, e encarrega cs portadores delles
de explorar a terra, para depois lhe trazerem as
convenientes informações.

Ao mensageiro o Capitão respondé,
As palavras do Rei agradecendo:

E diz que, porque o Sol no mar se esconde,
Não entra para dentro, obedecendo:
Porem que, como a luz mostrar por onde
Vá sem perigo a frota, não temendo,
Cumprirá sem receio seu mandado;
Que a mais por tal senhor está obigado.

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VI

Pergunta-lhe despois, se estão na terra
Christãos, como o piloto lhe dizia:
O mensageiro astuto, que não érrá,
Lhe diz, que a mais da gente em Christo cria,
Desta sorte do peito lhe desterra
Toda a suspeita, e cauta phantasia;
Por onde o Capitão seguramente
Se fia da infiel, e falsa gente.

VII

E de alguns, que trazia condemnados
Por cu pas, e por feitos vergonhosos;
Porque podessem ser aventurados
Em casos desta sorte duvidosos,
Manda dous mais sagazes, ensaiados;
Porque notem dos Mouros enganosos
A cidade, e poder; e porque vejam
Os Christãos, que só tanto ver desejam.

VIII

E por estes ao Rei presentes manda;
Porque a boa vontade, que mostrava,
Tenha firme, segura, limpa e branda,
A qual bem ao contrario em tudo estava.
Já a companhia perfida, e nefanda,
Das nãos se despedia, e o mar cortava:
Foram com gestos ledos, è fingidos,
Os dous da frota em terra recebidos.

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