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CXV

O corpo morto manda ser trazido,
Que resuscite, e seja perguntado
Quem foi seu matador, e será crido
Por testemunho o seu mais approvado:
Virão todos o môço vivo erguido
Em nome de Jesu crucificado:

Dá graças a Thomé, que lhe deo vida,
E descobre seu pai ser homicida.

CXVI

Este milagre fêz tamanho espanto,
Que o Rei se banha logo na agua santa,
E muitos após elle: bum beija o manto,
Outro louvor do Deos de Thomé canta.
Os Brahmenes se encheram de odio tanto,
Com seu veneno os morde inveja tanta,
Que, presuadindo a isso o povo rudo,
Determinam mata-lo em fim de tudo.

CXVII

Hum dia, que pregando ao poró estava,
Fingiram entre a gente hum arruido:
Já Christo neste tempo lhe ordenava,
Que, padecendo, fosse ao Ceo subido.
A multidão das pedras, que voava,
No Sancto dá, já a tudo offerecido:
Hum dos mãos, por fartar-se mais depressa,
Com crua lança o peito lhe atravessa.

CXVIII

Choraram-te, Thomé, o Gange e o Indo,
Chorou-te toda a terra, que pizaste;
Mais te choram as almas, que vestindo
Se hiam da sancta Fé, que lhe ensinaste:
Mas os Anjos de Ceo cantando, e rindo,
Te recebem na gloria, que ganhaste.
Pedimos-te, que a Deos ajuda peças,
Com que os teus Lusitanos favoreças.

A Deosa, depois de huma breve, mas acre, invectiva contra falta de zelo religioso nos sacerdotes do seu tempo, continúa a indicar ao Gama diversas terras e rios da Asia, e aproposito do rio Mecom, prediz hum naufragio que nelle havia de experimentar o auctor deste poema

CXX

Mas passo esta materia perigosa,
E tornemos á costa debuxada.
Já com esta cidade tão famosa,
Se faz curva a Gangetica enseada:
Corre Narsinga rica e poderosa,
Corre Orixa de roupas abastada,
No fundo da enseada o illustre rio
Ganges vem ao salgado senhorio:

CXXI

Ganges, no qual os seus habitadores
Morrem banhados, tendo por certeza,
Que, inda que sejam grandes peccadores,
Esta agua sancta os lava, e dá pureza.
Vê Cathigão, cidade das melhores
De Bengala, provincia, que se preza
De abundante; mas olha, que está posta
Para o Austro daqui virada a costa.

CXXIII

Olha Tavai cidade, onde começa
De Sião largo o imperio tão comprido;
Tenassari, Queda, que he só cabeça
Das, que pimenta ali tem produzido.
Mais avante fareis, que se conheça
Malaca por emporio ennobrecido,
Onde toda a provincia do mar grande
Suas mercadorias ricas mande.

CXXIV

Dizem, que desta terra, co'as possantes
Ondas o mar entrando, dividio

A nobre ilha Samátra, que já d'antes
Juntas ambas a gente antigua vio:
Chersoneso foi dita. e das prestantes
Veas d'ouro, que a terra produzio,
Aurea por epithėto lhe ajuntaram,
Alguns que fosse Ophir imaginaram.

CXXV

Mas na ponta da terra Cingapura
Verás, onde o caminho ás náos se estreita;
Daqui, tornando a costa å Cynosura.
Se encurva, e para a Aurora se endireita:
Vês Pam, Palâne, reiños, e a longura
De Sião, que estes e outros mais sujeita:
Olha o rio Menão, que se derrama
Do grande lago, que Chiamai se chama.

CXXVI

Vês neste grão terreno os differentes
Nomes de mil nações nunca sabidas:
Os Láos em terra e numero potentes,
Avás, Bramás por serras tão compridas.
Vê nos remotos montes outras gentes,
Que Gueos se chamam, de selvages vidas,
llumana carne comem, mas a sua
Pintam com ferro ardente, usança crua.

CXXVII

Vês, passa por Camboja Mecom rio,
Que capitão das aguas se interpreta,
Tantas recebe d'outro só no estio,
Que alaga os campos largos, e inquieta:
Tem as enchentes, quaes o Nilo frio:
A gente delle crê, como indiscreta,
Que pena, e gloria tem despois de morte
Os brutos animaes de toda a sorte.

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Este receberá placido, e brando,
No seu regaço o Canto, que molhado
Vem do naufragio triste, e miserando,
Dos procellosos baixos escapado,
Das fomes dos perigos grandes, quando
Será o injusto mando executado
Naquelle, cuja lyra sonorosa
Será mais afamada, que ditosa.

Depois desta pathetica allusão a um facto futuro relativo a Luiz de Camões, Thetis continua a sua explicação d'aquella parte do mysterioso globo em que se via representada a terra, e despede o Gama com as mais lisongeiras expressoes

CXXIX

Vês, corre a costa, que Champá se chama,
Cuja mata he do pão cheiroso ornada:
Vês. Cauchichina está de escura fama,
E de Ainão vê a incognita enseada:
A qui o soberbo imperio, que se afama
Com terras, e riqueza não cuidada,
Da China corre, e occupa o senhorio
Desd❜o Trópico ardente ao Cinto frio.

CXXX

Olha o muro, e edificio nunca crido,
Que entre hum imperio, e o outro sc edifica,
Certissimo sinal, e conhecido,

Da potencia Real, sõberba, e rica:
Estes, o Ri, que tem, não foi nascido
Principe, nem dos pais aos filhos fica;
Mas elegem aquelle, que he famoso
For cavalleiro sabio, e virtuoso.

CXXXI

Inda outra muita terra se te esconde,
Até que venha o tempo de mostrar-se.
Mas não deixes no mar as ilhas, onde
A natureza quiz mais afamar-se:
Esta meia escondida, que responde
De longe à China, donde vem buscar-se,
He Japão, onde nasce a prata fina,
Que illustrada será co'a Lei divina.

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