O corpo morto manda ser trazido, Que resuscite, e seja perguntado Quem foi seu matador, e será crido Por testemunho o seu mais approvado: Virão todos o môço vivo erguido Em nome de Jesu crucificado:
Dá graças a Thomé, que lhe deo vida, E descobre seu pai ser homicida.
Este milagre fêz tamanho espanto, Que o Rei se banha logo na agua santa, E muitos após elle: bum beija o manto, Outro louvor do Deos de Thomé canta. Os Brahmenes se encheram de odio tanto, Com seu veneno os morde inveja tanta, Que, presuadindo a isso o povo rudo, Determinam mata-lo em fim de tudo.
Hum dia, que pregando ao poró estava, Fingiram entre a gente hum arruido: Já Christo neste tempo lhe ordenava, Que, padecendo, fosse ao Ceo subido. A multidão das pedras, que voava, No Sancto dá, já a tudo offerecido: Hum dos mãos, por fartar-se mais depressa, Com crua lança o peito lhe atravessa.
Choraram-te, Thomé, o Gange e o Indo, Chorou-te toda a terra, que pizaste; Mais te choram as almas, que vestindo Se hiam da sancta Fé, que lhe ensinaste: Mas os Anjos de Ceo cantando, e rindo, Te recebem na gloria, que ganhaste. Pedimos-te, que a Deos ajuda peças, Com que os teus Lusitanos favoreças.
A Deosa, depois de huma breve, mas acre, invectiva contra falta de zelo religioso nos sacerdotes do seu tempo, continúa a indicar ao Gama diversas terras e rios da Asia, e aproposito do rio Mecom, prediz hum naufragio que nelle havia de experimentar o auctor deste poema
Mas passo esta materia perigosa, E tornemos á costa debuxada. Já com esta cidade tão famosa, Se faz curva a Gangetica enseada: Corre Narsinga rica e poderosa, Corre Orixa de roupas abastada, No fundo da enseada o illustre rio Ganges vem ao salgado senhorio:
Ganges, no qual os seus habitadores Morrem banhados, tendo por certeza, Que, inda que sejam grandes peccadores, Esta agua sancta os lava, e dá pureza. Vê Cathigão, cidade das melhores De Bengala, provincia, que se preza De abundante; mas olha, que está posta Para o Austro daqui virada a costa.
Olha Tavai cidade, onde começa De Sião largo o imperio tão comprido; Tenassari, Queda, que he só cabeça Das, que pimenta ali tem produzido. Mais avante fareis, que se conheça Malaca por emporio ennobrecido, Onde toda a provincia do mar grande Suas mercadorias ricas mande.
Dizem, que desta terra, co'as possantes Ondas o mar entrando, dividio
A nobre ilha Samátra, que já d'antes Juntas ambas a gente antigua vio: Chersoneso foi dita. e das prestantes Veas d'ouro, que a terra produzio, Aurea por epithėto lhe ajuntaram, Alguns que fosse Ophir imaginaram.
Mas na ponta da terra Cingapura Verás, onde o caminho ás náos se estreita; Daqui, tornando a costa å Cynosura. Se encurva, e para a Aurora se endireita: Vês Pam, Palâne, reiños, e a longura De Sião, que estes e outros mais sujeita: Olha o rio Menão, que se derrama Do grande lago, que Chiamai se chama.
Vês neste grão terreno os differentes Nomes de mil nações nunca sabidas: Os Láos em terra e numero potentes, Avás, Bramás por serras tão compridas. Vê nos remotos montes outras gentes, Que Gueos se chamam, de selvages vidas, llumana carne comem, mas a sua Pintam com ferro ardente, usança crua.
Vês, passa por Camboja Mecom rio, Que capitão das aguas se interpreta, Tantas recebe d'outro só no estio, Que alaga os campos largos, e inquieta: Tem as enchentes, quaes o Nilo frio: A gente delle crê, como indiscreta, Que pena, e gloria tem despois de morte Os brutos animaes de toda a sorte.
Este receberá placido, e brando, No seu regaço o Canto, que molhado Vem do naufragio triste, e miserando, Dos procellosos baixos escapado, Das fomes dos perigos grandes, quando Será o injusto mando executado Naquelle, cuja lyra sonorosa Será mais afamada, que ditosa.
Depois desta pathetica allusão a um facto futuro relativo a Luiz de Camões, Thetis continua a sua explicação d'aquella parte do mysterioso globo em que se via representada a terra, e despede o Gama com as mais lisongeiras expressoes
Vês, corre a costa, que Champá se chama, Cuja mata he do pão cheiroso ornada: Vês. Cauchichina está de escura fama, E de Ainão vê a incognita enseada: A qui o soberbo imperio, que se afama Com terras, e riqueza não cuidada, Da China corre, e occupa o senhorio Desd❜o Trópico ardente ao Cinto frio.
Olha o muro, e edificio nunca crido, Que entre hum imperio, e o outro sc edifica, Certissimo sinal, e conhecido,
Da potencia Real, sõberba, e rica: Estes, o Ri, que tem, não foi nascido Principe, nem dos pais aos filhos fica; Mas elegem aquelle, que he famoso For cavalleiro sabio, e virtuoso.
Inda outra muita terra se te esconde, Até que venha o tempo de mostrar-se. Mas não deixes no mar as ilhas, onde A natureza quiz mais afamar-se: Esta meia escondida, que responde De longe à China, donde vem buscar-se, He Japão, onde nasce a prata fina, Que illustrada será co'a Lei divina.
« VorigeDoorgaan » |