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A esta falla dá o rei a mais favoravel resposta

LXXXV

Assi dizia; e todos juntamente,
Huns com outros em praticá fallando,
Louvavam muito o estomago da gente,
Que tantos ceos e mares vai passando:
E o Rei illustre, o peito obediente
Dos Portuguezes na alma imaginando,
Tinha por valor grande, e mui subido
O do Rei, que he tão longe obedecido.

LXXXVI

E com risonha vista, e ledo aspeito
Responde ao Embaixador, que tanto estima:
Toda a suspeita má tirai do peito,
Nenhum frio temor em vós se imprima;
Que vosso preço, e obras são de geito,
Para vos ter o mundo em muita estima;
E quem vos fez molesto tratamento,
Não pode ter subido pensamento.

LXXXVII

De não sahir em terra toda a gente,
Por observar a usada preeminencia,
Ainda que me pêze estranhamente,
Em muito tenho a muita obdiencia:
Mas, se lho o regimento não consente,
Nem eu consentirei, que a excellencia
De peitos tão leaes em si desfaça,
Só porque a meu desejo satisfaça.

LXXXVIII

Porém, como a luz crastina chegada
Ao mundo for, em minhas almadias,
Eu irei visitar a forte armada,
Que ver tanto desejo ha tantos dias:
E, se vier do mar desbaratada,
Do furioso vento, e longas vias,
Aqui terá de limpos pensamentos
Piloto, munições, e mantimentos.

Os Portuguezes festejam alegremente a noite da sua chegada áquella hospitaleira região

LXXXIX

Isto disse, e nas aguas se escondia
O filho de Latona: e o mensageiro
Co'a embaixada alegre se partia
Para a frota no seu batel ligeiro.
Enchem-se os peitos todos de alegria,
Por terem o remedio verdadeiro,
Para acharem a terra, que buscavam;
E assi ledo's a noite festejavam.

Хе

Não faltam alli os raios de artificio,
Os tremulos cometas imitando:
Fazem os bombardeiros seu officio,
O ceo, a terra, è as ondas atroando.
Mostra-se dos Cyclopas o exercicio
Nas bombas, que de fogo estão queimando:
Outros com vozes, com que o ceo feriam,
Instrumentos altisonos tangtamh.

XCI

Respondem-lhe da terra juntamente,
Co'o raio volteando, com zonido;
Anda em gyros no ar a roda ardente,
Estoura o pó sulphureo escondido:
A grita se alevanta ao ceo, da gente;
O mar se via em fogos accendido,
E não menos a terra; e assi festeja
Hum ao outro, á maneira de peleja.

Embarca-se o rei de Melinde para ir visitar a frota
Portugueza.

XCII

Mas já o ceo inquieto revolvendo,
As gentes incitava a seu trabalho:
E já a mai de Memnon a luz trazendo,
Ao somno longo punha certo atalho:
Hiam-se as sombras lentas desfazendo,
Sobre as flores da terra em frio orvalho;
Quando o Rei Melindano se embarcava
A ver a frota, que no mar estava.

Parte o Gama em hum batel a encontrar-se no mar com o rei Mouro, que vinha em demanda das embarcações Portuguezas

XCVII

Não menos guarnecido o Lusitano
Nos seus bateis da frota se partia,
A receber no mar o Melindano,
Com lustrosa e honrada companhia:
Vestido o Gama vem ao modo Hispano
(Mas Franceza era a roupa, que vestia)
De setim da Adriatica Veneza
Carmesi, cor que a gente tanto preza:

Falla do Gama ao rei de Melinde

CIV

Ó tu, que só tiveste piedade,
Rei benigno, da gente Lusitana,
Que com tanta miseria, e adversidade.
Dos mares exprimenta a furia insana;
Aquella alta, e divina Eternidade,

Que o ceo revolve, e rege a gente humana;
Pois que de ti taes obras recebemos,
Te pague o, que nós outros não podemos.

CV

Ta só, de todos, quantos queima Apollo,
Nos recebes em paz, do mar profundo:
Em ti dos ventos horridos de Eolo
Refugio achamos bom, fido, e jucundo;
Em quanto apascentar o largo polo
As estrellas, e o Sol der lume ao mundo,
Onde quer que eu viver, com fama e gloria
Virerão teus louvores em memoria,

O rei de Melinde pede ao Gama que o informe ácerca da situação e historia do povo a que pertencia, e dos successos da sua longa navegação

CVIII

Em praticas o Mouro differentes
Se deleitava, perguntando agora
Pelas guerras famosas e excellentes,
Co'o povo havidas, que a Mafoma adora:

Agora lhe pergunta pelas gentes

De toda a Hesperia ultim1, onde mora:
Agora pelos povos seus visinhos,
Agora pelos humidos caminhos.

CIX

Mas antes, valeroso Capitão,
Nos conta, lhe dizia, diligente
Da terra tua o clima, e região
Do Mundo, onde morais, distinctamente;
E assi de vossa antigua geração,

E o principio do reino tão potente,
Co'os successos das guerras do começo;
Que, sem sabe-las, sei que são de preço:

CX

E assi tambem nos conta dos rodeios
Longos, em que té traz o mar irado,
Vendo os costumes barbaros alheios,
Que a nossa Africa ruda tem criado:
Conta; que agora vem com os aureos freios
Os cavallos, que o carro marchetado
Do novo Sol, da fria Aurora trazem;
O vento dorme, o mar, e as ondas jazem.

CXI

E não menos co'o tempo se parece
O desejo de ouvir-te o, que contares ;
Que quem ha, que por fama não conhece
As obras Portuguezas singulares?
Não tanto desviado resplandece
De nós o claro Sol, para julgares,
Que os Melindanos tem tão rudo peito,
Que não estimem muito hum grande feito.

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