A esta falla dá o rei a mais favoravel resposta
Assi dizia; e todos juntamente, Huns com outros em praticá fallando, Louvavam muito o estomago da gente, Que tantos ceos e mares vai passando: E o Rei illustre, o peito obediente Dos Portuguezes na alma imaginando, Tinha por valor grande, e mui subido O do Rei, que he tão longe obedecido.
E com risonha vista, e ledo aspeito Responde ao Embaixador, que tanto estima: Toda a suspeita má tirai do peito, Nenhum frio temor em vós se imprima; Que vosso preço, e obras são de geito, Para vos ter o mundo em muita estima; E quem vos fez molesto tratamento, Não pode ter subido pensamento.
De não sahir em terra toda a gente, Por observar a usada preeminencia, Ainda que me pêze estranhamente, Em muito tenho a muita obdiencia: Mas, se lho o regimento não consente, Nem eu consentirei, que a excellencia De peitos tão leaes em si desfaça, Só porque a meu desejo satisfaça.
Porém, como a luz crastina chegada Ao mundo for, em minhas almadias, Eu irei visitar a forte armada, Que ver tanto desejo ha tantos dias: E, se vier do mar desbaratada, Do furioso vento, e longas vias, Aqui terá de limpos pensamentos Piloto, munições, e mantimentos.
Os Portuguezes festejam alegremente a noite da sua chegada áquella hospitaleira região
Isto disse, e nas aguas se escondia O filho de Latona: e o mensageiro Co'a embaixada alegre se partia Para a frota no seu batel ligeiro. Enchem-se os peitos todos de alegria, Por terem o remedio verdadeiro, Para acharem a terra, que buscavam; E assi ledo's a noite festejavam.
Não faltam alli os raios de artificio, Os tremulos cometas imitando: Fazem os bombardeiros seu officio, O ceo, a terra, è as ondas atroando. Mostra-se dos Cyclopas o exercicio Nas bombas, que de fogo estão queimando: Outros com vozes, com que o ceo feriam, Instrumentos altisonos tangtamh.
Respondem-lhe da terra juntamente, Co'o raio volteando, com zonido; Anda em gyros no ar a roda ardente, Estoura o pó sulphureo escondido: A grita se alevanta ao ceo, da gente; O mar se via em fogos accendido, E não menos a terra; e assi festeja Hum ao outro, á maneira de peleja.
Embarca-se o rei de Melinde para ir visitar a frota Portugueza.
Mas já o ceo inquieto revolvendo, As gentes incitava a seu trabalho: E já a mai de Memnon a luz trazendo, Ao somno longo punha certo atalho: Hiam-se as sombras lentas desfazendo, Sobre as flores da terra em frio orvalho; Quando o Rei Melindano se embarcava A ver a frota, que no mar estava.
Parte o Gama em hum batel a encontrar-se no mar com o rei Mouro, que vinha em demanda das embarcações Portuguezas
Não menos guarnecido o Lusitano Nos seus bateis da frota se partia, A receber no mar o Melindano, Com lustrosa e honrada companhia: Vestido o Gama vem ao modo Hispano (Mas Franceza era a roupa, que vestia) De setim da Adriatica Veneza Carmesi, cor que a gente tanto preza:
Falla do Gama ao rei de Melinde
Ó tu, que só tiveste piedade, Rei benigno, da gente Lusitana, Que com tanta miseria, e adversidade. Dos mares exprimenta a furia insana; Aquella alta, e divina Eternidade,
Que o ceo revolve, e rege a gente humana; Pois que de ti taes obras recebemos, Te pague o, que nós outros não podemos.
Ta só, de todos, quantos queima Apollo, Nos recebes em paz, do mar profundo: Em ti dos ventos horridos de Eolo Refugio achamos bom, fido, e jucundo; Em quanto apascentar o largo polo As estrellas, e o Sol der lume ao mundo, Onde quer que eu viver, com fama e gloria Virerão teus louvores em memoria,
O rei de Melinde pede ao Gama que o informe ácerca da situação e historia do povo a que pertencia, e dos successos da sua longa navegação
Em praticas o Mouro differentes Se deleitava, perguntando agora Pelas guerras famosas e excellentes, Co'o povo havidas, que a Mafoma adora:
Agora lhe pergunta pelas gentes
De toda a Hesperia ultim1, onde mora: Agora pelos povos seus visinhos, Agora pelos humidos caminhos.
Mas antes, valeroso Capitão, Nos conta, lhe dizia, diligente Da terra tua o clima, e região Do Mundo, onde morais, distinctamente; E assi de vossa antigua geração,
E o principio do reino tão potente, Co'os successos das guerras do começo; Que, sem sabe-las, sei que são de preço:
E assi tambem nos conta dos rodeios Longos, em que té traz o mar irado, Vendo os costumes barbaros alheios, Que a nossa Africa ruda tem criado: Conta; que agora vem com os aureos freios Os cavallos, que o carro marchetado Do novo Sol, da fria Aurora trazem; O vento dorme, o mar, e as ondas jazem.
E não menos co'o tempo se parece O desejo de ouvir-te o, que contares ; Que quem ha, que por fama não conhece As obras Portuguezas singulares? Não tanto desviado resplandece De nós o claro Sol, para julgares, Que os Melindanos tem tão rudo peito, Que não estimem muito hum grande feito.
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