Vasco da Gama, satisfazendo aos desejos do rei de Melinde, dispõe-se a esclarece-lo ácerca da situação de Portugal, e a contar-lhe os factos mais importantes da sua historia, fazendo preceder de hum breve preambulo a sua longa narração.
Promptos estavam todos escuitando O, que o sublime Gama contaria :
Quando, despois de hum pouco estar cuidando, Alevantando o rosto, assi dizia :
Mandas-me, ó Rei, que conte declarando De minha gente a grão genealogia: Não me mandas contar estranha historia, Mas mandas-me louvar dos meus a gloria.
Que outrem possa louvar esforço alheio, Cousa he, que se costuma, e se deseja: Mas louvar os meus proprios, arreceio, Que louvor tão suspeito mal me esteja: E, para dizer tudo, temo, e creio, Que qualquer longo tempo curto seja: Mas, pois o mandas, tudo se te deve; Irei contra o, que devo, e serei breve.
Alem disso, o que a tudo em fim me obriga, He não poder mentir no, que disser; Porque de feitos taes, por mais que diga, Mais me ha de ficar inda por dizer: Mais; porque nisto a ordem leve, e siga, Segundo o que desejas de saber, Primeiro tratarei da larga terra, Despois direi da sanguinosa guerra.
Magnifica descripção geographica da Europa
Entre a zona, que o Cancro senhorea, Meta Septentrional do Sol luzente, E aquella, que por fria se arrecea Tanto, como a do meio por ardente, Jaz a soberba Europa, a quem rodea Pela parte do Arcturo, e do Occidente Com suas salsas ondas o Oceano, E pela Austral o mar Mediterrano.
Da parte, donde o dia vem nascendo, Com Asia se avisinha: mas o rio, Que dos montes Rhipheios vai correndo Na alagoa Meotis, curvo e frio.
As divide: e o mar, que fero e horrendo Vio dos Gregos o irado senhorio, Onde agora de Troia triumphante
Não vê mais, que a memoria, o navegante.
Lá onde mais debaixo está do polo, Os montes Hyperboreos apparecem, E aquelles, onde sempre sopra Eolo, E co'o nome dos sôpros se ennobrecem : Aqui tão pouca força tem de Apollo Os raios, que no mundo resplandecem, Que a neve está contino pelos montes, Gelado o mar, geladas sempre as fontes.
Aqui dos Scythas grande quantidade Vivem, que antiguamente grande guerra Tiveram sobre a humana antiguidade Co'os, que tinham então a Egypcia_terra: Mas quem tão fóra estava da verdade, (Já que o juizo humano tanto erra) Para que do mais certo se informara, Ao campo Damasceno o perguntara.
Agora nestas partes se nomea A Lappia fria, a inculta Noroega, Escandinavia ilha, que se arrea Das victorias, que Italia não lhe nega: Aqui, em quanto as aguas não refrea O congelado inverno, se navega Hum braço do Sarmatico Oceano, Pelo Brusio, Suecio, e frio Dano.
Entre este mar, é o Tanais vive estranha Gente, Ruthenos, Moséos, e Livonios, Sarmatas outro tempo, e na montanha Hircinia, os Marcomanos são Polonios. Sujeitos ao Imperio de Alemanha
São Saxones, Bohemios, e Pannonios, E outras varias nações, que o Rheno frio Lava, e o Danubio, Amásis, é Albis rio.
Entre o remoto Istro, e o claro estreito, Aonde Helle deixou co'o nome a vida, Estão os Thraces de robusto peito, Do fero Marte patria tão querida, Onde co'o Hemo, o Rhodope sujeito Ao Othomano está, que sobmettida Byzancio tem a seu serviço indino: Boa injuria do grande Constantino!
Logo de Macedonia estão as gentes, A quem lava do Axio a agua fria: E vós tambem, ó terras excellentes Nos costumes, engenhos, è ousadia, Que creastes os peitos eloquentes, E os juizos de alta phantasia,
Com quem tu, clara Grecia, o ceo penetras, E não menos por armas, que por létras.
Logo os Dalmatas vivem, e no seio, Onde Antenor já muros levantou, A soberba Veneza está no meio Das aguas; qué tão baixa começou.
Da terra hum braço vem ao mar, que cheio De esforço nações varias sujeitou; Braço forte de gente sublimada,
Não menos nos engenhos, que na espada.
Em torno o cerca o reino Neptúnino, Co'os muros naturaes por outra parte: Pelo meio o divide o Apennino, Que tão illustre fez o patrio Marte: Mas despois que o Porteiro tem divino,' Perdendo o esforço veio, e bellica arte: Pobre está já de antigua potestade: Tanto Deos se contenta de humildade!
Gallia alli se verá, que nomeada Co'os Cesáreos triumphos foi no mundo. Que do Séquana, e Rhodano he regada, E do Garumna frio, e Rheno fundo: Logo os montes da Nympha sepultada Pyrene se alevantam, que, segundo Antiguidades contam, quando arderam, Rios de ouro, e de prata então correrám.
« VorigeDoorgaan » |