Dedicatoria a El-Rei D. Sebastião que ainda não tinha chegado á maioridade
E vós, ó bem nascida segurança Da Lusitana antigua liberdade, E não menos certissima esperança De augmento da pequena Christandade: Vós, ó novo temor dá Maura lança, Maravilha fatal da nossa idade,
Dada ou mundo por Deos, que todo o mande; Para do mundo a Deos dar parte grande:
Vós, tenro e novo ramo florecente De huma arvore de Christo mais amada, Que nenhuma nascida no Occidente, Cesárea, ou Christianissima chamada: Vede-o no vosso escudo, que presente -Vos amostra a victoria já passada, Na qual vos deo por armas, e deixou As, que elle para si na Cruz tomou :
Vós, poderoso Rei, cujo alto imperio O Sol, logo em nascendo, vê primeiro, Vê-o tambem no meio do hemispherio, E, quando desce, o deixa derradeiro: Vós, que esperamos jugo. e vituperio Do torpe Ismaelita cavalleiro,
Do Turco oriental, e do Gentio, Que ainda bebe o licor do sancto rio:
Inclinai por hum pouco a magestade, Que nesse tenro gesto vos contemplo, Que já se mostra, qual na inteira idade, Quando subindo ireis ao eterno templo. Os olhos da Real benignidade
Ponde no chão: vereis hum novo exemplo De amor dos patrios feitos valerosos, Em versos divulgado numerosos.
Vereis amor da patria, não movido De premio vil, mas alto, e quasi eterno; Que não he prémio vil ser conhecido Por hum pregão do ninho meu paterno. Ouvi; vereis o nome engrandecido Daquelles, de quem sois senhor superno: E julgareis, qual he mais excellente, Se ser do mundo Rei, se de tal gente.
Ouvi; que não vereis com vãas façanhas, Phantasticas, fingidas, mentirosas, Louvar os vossos, como nas estranhas Musas, de engrandecer-se desejosas: As verdadeiras vossas são tamanhas, Que excedem as sonhadas, fabulosas, Que excedem Rodamonte, e o vão Rugeiro, E Orlando, indaque fora verdadeiro.
Por estes vos darei hum Nuno fero, Que fez ao Rei, e ao reino tal serviço: Hum Egas, e hum Dom Fuas, que de Homero A cithara para elles só cobiço.
Pois pelos doze Pares, dar-vos quero Os doze de Inglaterra, e o seu Magriço: Dou-vos tambem aquelle illustre Gama, Que para si de Eneas toma a fama.
Pois se, a troco de Carlos Rei de França, Ou de Cesar, quereis igual memoria, Vede o primeiro Afonso, cuja lança Escura faz qualquer estranha gloria: E aquelle, que a seu reino a segurança Deixou co'a grande, e prospera victoria: Outro Joanne invicto cavalleiro,
O quarto e quinto Afonsos, e o terceiro.
Nem deixarão meus versos esquecidos Aquelles, que nos reinos lá da Aurora Se fizeram por armas tão subidos, Vossa bandeira sempre vencedora: Hum Pacheco fortissimo, e os temidos Almeidas, por quem sempre o Tejo chora: Albuquerque terribil, Castro forte,
E outros, em quem poder não leve a morte.
E em quanto eu estes canto, e a vós não posso, Sublime Rei; que não me atrevo a tanto, Tomai as redeas vós do reino vosso, Dareis materia a nunca ouvido canto: Comecem a sentir o pezo grosso (Que pelo mundo todo faça espanto) De exercitos, e feitos singulares,
De Africa as terras, e do Oriente os mares.
Em vós os olhos tem o Mouro frio, Em quem vê seu exicio affigurado: Só com vos ver o barbaro Gentio Mostra o pescoço ao jugo inclinado: Tethys todo o ceruleo senhorio Tem para vos por dote apparelhado ; Que, affeiçoada ao gesto bello, e tenro, Deseja de comprar-vos para genro.
Em vós se vem da Olympica morada, Dos dous Avós as almas cá famosas, Huma na paz angelica dourada, Outra pelas batalhas sanguinosas: Em vós esperam ver-se renovada Sua memoria, e obras valerosas, E lá vos tem lugar no fim da idade No templo da suprema eternidade.
Mas em quanto este tempo passa lento De regerdes os povos, que o desejam, Dai vós favor ao novo atrevimento; Para que estes meus versos vossos sejam : E vereis ir cortando o salso argento Os vossos Argonautas; porque vejam, Que são vistos de vós no mar irado: E costumai-vos já a ser invocado.
Concilio dos deoses no Olympo ácerca do arrojado commettimento dos Portuguezes, que sob o commando de Vasco da Gama, por ordem de El-Rei D. Manoel, navegavam no largo Oceano para o descobrimento da India
Já no largo Oceano navegavam, As inquietas ondas apartando,
Os ventos brandamente respiravam, Das naos as velas concavas inchando: Da branca escuma os mares se mostravam Cobertos, onde as proas vão cortando As maritimas aguas consagradas, Que do gado de Próteo são cortadas.
Quando os deoses no Olympo luminoso, Onde o governo está da humana gente, Se ajuntam em concilio glorioso, Sobre as cousas futuras do Oriente: Pizando crystallino ceo formoso, Vem pela via Lactea juntamente, Convocados da parte do Tonante, Pelo neto gentil do velho Atlante.
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