Taes contra Ignez os brutos matadores No collo de alabastro, que sostinha As obras, com que amor matou de amores, Aquelle, que despois a fez Rainha,
As espadas banhando, e as brancas flores, Que ella dos olhos, seus regadas tinha, Se encarniçavam, férvidos e irosos, No futuro castigo não cuidosos.
Bem puderas, ó Sol, da vista destes, Teus raios apartar aquelle dia, Como da séva mesa de Thyestes, Quando os filhos por mão de Atreo comia! Vós, Ŏ concavos valles, que podestes A voz extrema ouvir da boca fria, O nome do seu Pedro, que lhe ouvistes, Por muito grande espaço repetistes!
Assi como a bonina, que cortada Antes do tempo foi, candida e bella, Sendo das mãos lascivas maltratada Da menina, que a trouxe na capella, O cheiro traz perdido, e a cor murchada: Tal está morta a pallida donzella, Seccas do rosto as rosas, e perdida A branca e viva còr, co'a a doce vida.
A D. Affonso IV succede seu filho D. Pedro I, o qual começa o seu reinado por vingar-se dos matadores de sua esposa D. Ignez
CXXXVI
Não correo muito tempo, que a vingança Não visse Pedro das mortaes feridas; Que, em tomando do reino a governança, A tomou dos fugidos homicidas:
Do outro Pedro cruissimo os alcança; Que ambos, imigos das humanas vidas, O concerto fizeram duro e injusto, Que com Lepido, e Antonio fez Augusto.
CXXXVII
Este castigador foi rigoroso De latrocinios, mortes, e adulterios: Fazer nos mãos cruezas, fero e iroso, Eram os seus mais certos refrigerios: As cidades guardando justiçoso, De todos os soberbos vituperios, Mais ladrões, castigando, á morte deo, Que o vagabundo Alcides, ou Theseo.
A D. Pedro I succede seu filho D. Fernando I que casou com D, Leonor Telles por elle tirada ́ a seu marido Lourenço da Cunha; e cujo reinado foi desastroso militarmente fallando.
CXXXVIII
Do justo, e duro Pedro nasce o brando, (Vede da natureza o desconcerto) Remisso, e sem cuidado algum, Fernando, Que todo o reino poz em muito aperto; Que, vindo o Castelhano devastando As terras sem defeza, esteve perto De destruir-se o reino totalmente; Que hum fraco Rei faz fraca a forte gente.
Ou foi castigo claro do peccado, De tirar Leonor a seu marido, E casar-se com ella, de enlevado N'hum falso parecer mal entendido: Ou foi, que o coração sujeito, e dado Ao vicio vil, de quem se vio rendido, Molle se fez, e fraco, e bem parece; Que hum baixo amor os fortes enfraquece.
Havendo fallecido El-Rei D. Fernando sem deixar filho varão, o mestre d'Aviz D. João', filho, ainda que não legitimo, d'El-Rei D. Pedro, oppõe-se á Rainha viuva D. Leonor, que mandára acclamar sua filha D. Beatriz, casada com D. João I de Castella, mata o Conde de Ourem, valido de E. Leonor, he acclamado defensor do reino pelo povo de Lisboa (e depois jurado Rei nas Cortes de Coimbra de 1385)
Despois de procellosa tempestade, Nocturna sombra, e sibilante vento, Traz a manhãa serena claridade, Esperança de porto, e salvamento: Aparta o Sol a negra escuridade, Removendo o temor do pensamento: Assi no reino forte aconteceo, Despois que o Rei Fernando falleceo;
Porque se muito os nossos desejaram, Quem os damnos e offensas vá vingando Naquelles, que tão bem se aproveitaram Do descuido remisso de Fernando; Despois de pouco tempo o alcançaram, Joanne sempre illustre alevantando Por Rei, como de Pedro unico, herdeiro, (Ainda que bastardo) verdadeiro.
Ser isto ordenação dos Ceos divina, Por sinaes muito claros se mostrou, Quando em Evora a voz de huma menina, Ante tempo fallando, o nomeou:
E como cousa em fim, que o Ceo destina, No berço o corpo, e a voz alevantou: Portugal, Portugal, alçando a mão, Disse, pelo Rei novo, Dom João.
Alteradas então do Reino as gentes Co'o odio, que occupado os peitos tinha, Absolutas cruezas, e evidentes Faz do povo o furor, por onde vinha: Matando vão amigos, e parentes Do adultero Conde, e da Rainha, Com quem sua incontinencia deshonesta Mais, despois de viuva, manifesta.
Mas elle em fim, com causa deshonrado, Diante della a ferro frio morre, De outros muitos na morte acompanhado; Que tudo o fogo erguido queima, e corre: Quem, como Astyanax, precipitado (Sem lhe valerem ordens) de alta torre, A quem Ordens, nem aras, nem respeito: Quem nu por ruas, e em pedaços feito.
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