Lá no meio do Rocio A voz tão divina e grave, Deixam todos as boninas Os requebros que lhe dizem Uns apreçavam a fruta, Mas Luiza, mui de espaço, Hoje em dia, por acerto haverá ahi poetastro a quem pareçam, sequer toleraveis, estas linhas toadas, sem faisca de ideal, sem realismo, sem as satanisações modernas; no entanto, o coração entende-se melhor n'aquelles poetas que, em vez de se evolarem á poeira luminosa da via-lactea, andavam alli pelo Rocio amoriscados de fruteiras de camoezas. Por causa d'estes amores innocentes e frescos, não foi Antonio Serrão de Castro disputar aos ratos da inquisição a magra pitança da sua alcofa. O leitor alguma vez ha de lêr os queixumes do hebreu, repassados de tanta ironia, que a gente se admira que os graves monges de S. Domingos lhe não acendrassem o engenho no fogo. Quando o poema satyrico se escoou das grades do carcere para a assembléa dos catholicos, um poeta christão, no intuito de apressar o processo do judeu, divulgou as seguintes decimas: Judeu de mau proceder, Que, se em teus versos discorro, Dos ratos, d'esta maneira, Tua allusão sorrateira Saber o engenho procura, Nescio, depois de judeu, Se viveste descortez, Os ferventes desejos d'este catholico, assim rimados, chegaram ao ergastulo do cantor dos ratos, e vibraram-lhe os nervos da espinha dorsal. Não lhe pareceu caso novo e original queimarem-no. Embridou, por tanto, a musa da galhofa, e cahiu em si. Começou de escrever poesias or thodoxas ao nascimento do Menino-Deus, aos santos e santas mais em voga, ungindo tudo de lagrimas de contrição que era uma piedade ler-lhe os sonetos, os quaes, ainda agora, li bastantemente commovido. O certo é que o vaticinio do bardo christão foi desmentido pelo hebreu que sahiu absolto, e por ahi andou por Lisboa até aos setenta e quatro annos, rindo de tudo com resalva das conveniencias, e vivendo com as largas, que lhe davam os seus admiradores, e acamaradado com os primeiros fidalgos. Nasceu em 1610 e morreu em 1684. FIM DO 4.° NUMERO |